terça-feira, 23 de maio de 2017

O ATENTADO EM MANCHESTER




Perante o atentado de Manchester, os líderes ocidentais repetem a habitual cassette de lamentações e condenação. Estão no papel que lhes foi distribuído. Mas nunca (ou raramente) vejo alguém interrogar-se sobre a causa desta eclosão de atentados mortíferos. Anatemizam-se os actos mas ocultam-se as prováveis causas, próximas ou remotas. E consideram-se que todos os atentados ocorridos nos últimos anos são devidos ao djihadismo, evitando proferir a palavra islão e salvaguardando sempre, em nome do politicamente correcto, que nem todos os muçulmanos são radicais islâmicos. Exceptuam-se os casos obviamente evidentes de terroristas brancos e cristãos, como Breivik, na Noruega, cuja identidade não foi possível ignorar.

Também é verdade que os ditos terroristas islâmicos são sistematicamente mortos antes de julgamento e de poderem confessar porque cometeram tais actos, se agiram individualmente ou se executaram ordens e, nesse caso, quem form os mandantes. Que me recorde, só Salah Abdelsalem, inculpado nos atentados de Paris,  está vivo e preso em França. Mas ainda não foi julgado.

No que respeita ao terrorismo dito islâmico, confrontam-se duas teses, ambas de islamólogos famosos: Gilles Kepel entende que estamos a assistir a uma radicalização do islão; Olivier Le Roy considera que o que se verifica é uma islamização do radicalismo. Talvez a verdade seja equidistante.

Todavia, há uma iniludível questão que é geralmente ignorada por "compreensíveis" razões: nos dois últimos séculos os europeus, especialmente e quase exclusivamente os ingleses e os franceses, colonizaram o mundo árabe, por razões estratégicas e depois por causa do petróleo. Seguiram-se os americanos, que devido ao dito intervieram na partilha e celebraram com a Arábia Saudita (o único país do mundo com o nome de uma família reinante) um acordo de protecção (e também de venda de armas, como ainda agora Trump se encarregou de demonstrar com o contrato de cem mil  milhões de dólares) em troca de petróleo. A política de colonização ocidental do Mundo Árabe (Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, Egipto, Iraque, Síria, Jordânia, Líbano, Palestina, etc.), deixou profundas feridas no tecido social árabe, que perduram desde há mais de duzento anos. O que gerou sentimentos e mesmo acções de revolta (localmente expressas). Nesta era da globalização, essa revolta globalizou-se e atinge agora a Europa. Os atentados suicidas ou outros são naturalmente condenáveis, até porque a História não anda para trás. Mas não é possível ignorar esse mal-estar da civilização no Mundo Árabe, por causas remotas ou até próximas ou imediatas, como a criação de Israel em território palestiniano, a invasão do Iraque, o bombardeamento da Líbia, o incentivo das "primaveras árabes", a guerra civil na Síria, a criação do auto-denominado Estado Islâmico, ou as políticas ambíguas relativamente à Turquia e ao Irão, que, não fazendo parte do universo árabe, estão inseridos num mesmo contexto.

Porém, é tanto quanto possível escamoteado o facto de os grandes financiadores do djihadismo serem a Arábia Saudita e os países do Golfo, numa luta sem tréguas pelo controlo político e ideológico do Médio Oriente. Países que recebem o complacente apoio do Ocidente.

As vítimas inocentes da não inocente política internacional clamarão vingança.

Quantas vezes teremos de regressar a este assunto???

Sem comentários: