terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

PASSEANDO POR ROMA




O escritor Dominique Fernandez, ilustre membro da Academia Francesa, publicou no final do ano passado um interessante livro, Le piéton de Rome, onde fornece preciosa informação a todos quantos pretendam visitar, com uma atenção que não se compadece com a rapidez das visitas turísticas, a Cidade Eterna. Eterna não só do Catolicismo mas também, e muito especialmente, do Paganismo e da influência que este projectou na longa caminhada cristã.

O texto, adverte-nos o autor, retoma parcialmente o do seu álbum fotográfico Rome, editado em 2004, com fotografias de Ferrante Ferranti, seu companheiro de há muitos anos nestas lides de ilustrar as obras que Fernandez tem publicado sobre as viagens aos mais diversos países do mundo. Todavia, o presente ensaio mais do que duplica o texto desse álbum, além de corrigir e refazer as páginas então escritas. E de acrescentar numerosas recordações pessoais do seu autor.

Não se trata, evidentemente, de um guia turístico de Roma, acessível em qualquer boa livraria, mas de um olhar perspicaz não só sobre coisas que os mais interessados conhecem mas igualmente sobre outras que passam despercebidas a quem não possui, como Fernandez, a intuição profunda que o conduz a explorar os mais recônditos locais para os quais a sua curiosidade é convocada.

Ao longo dos diversos capítulos, sem uma preocupação topográfica especial, Dominique Fernandez evoca-nos a Roma Antiga, da República e do Império, a Roma da Igreja Católica, a Roma do Renascimento, a Roma dos nossos dias. Desfilam perante nós os palácios, as colinas, as villas e jardins, as igrejas, os obeliscos, as fontes. Alguns capítulos merecem especial referência: os dedicados ao imperador Adriano, ao Caravaggio, a Bernini. Tudo isto acompanhado das reflexões pessoais do autor e da narração de episódios vividos por ele na cidade, onde foi pela primeira vez enquanto estudante e que depois não deixou de frequentar assiduamente durante a sua vida.

Há todavia um aspecto, que já se tornou recorrente na vastíssima obra de Dominique Fernandez, e em relação ao qual só posso manifestar a minha discordância. Trata-se da sua abordagem do assassinato de Pier Paolo Pasolini. Insiste o autor na tese de um crime exclusivamente ligado ao "negócio" entre o famoso realizador italiano e o rapaz que nessa noite fatídica engatara na Stazione Termini de Roma, lugar que Pasolini diariamente frequentava para encontros sexuais.

Nas várias obras que publicou e em que é mencionada esta situação, nomeadamente no seu romance Dans la main de l'ange, exactamente sobre a  vida de Pasolini e pelo qual obteve o Prémio Goncourt, e também no livro de que hoje nos ocupamos, Dominique Fernandez persiste em afirmar que se tratou de um "encontro" que correu mal e que desencadeou a violência homicida. Certamente não ignora Fernandez que desde o primeiro momento se admitiu a possibilidade do crime ter sido um acto político a coberto dos costumes sexuais do realizador de Salò, já que este se tornara uma personagem incómoda para a Igreja Católica, para a Democracia Cristã e a extrema direita e até para o próprio Partido Comunista Italiano de que fora membro; há uma considerável bibliografia sobre a matéria. Não se compreende por isso que Fernandez negue aprioristicamente o que parece uma evidência, sem proceder, pelo menos, à mínima referência à tese do assassinato político.

Deve acrescentar-se que Le piéton de Rome é um livro muito interessante, mas cuja leitura aproveitará especialmente às pessoas que já conheçam razoavelmente Roma ou que, pelo menos, tenham visitado a cidade uma vez.

1 comentário:

Zephyrus disse...

http://www.theguardian.com/society/2016/feb/05/sex-worker-activist-laura-lee-northern-ireland-law-challenge-interview

Uma estranha onda de puritanismo está a inundar a Europa pela mão das «feministas». Por cá já temos a «lei do piropo». Cuido que o artigo tenha algum interesse para o autor do blogue por isso deixo aqui o link.

Ainda sou do tempo em que havia aberturas de telenovelas brasileiras em horário nobres com mulheres a mostrar as mamas. Hoje em dia seria impossível e causaria escândalo. Recordo-me ainda que na minha infância havia muitas mulheres em topless na praia da minha terra. Hoje em dia já não se vê absolutamente nenhuma.

Um neo-puritanismo perigoso instala-se em nome da «defesa das mulheres».

A Playboy entretanto já abandonou os nus femininos.