segunda-feira, 29 de junho de 2015

ATAQUE BOMBISTA NO EGIPTO MATA PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA




O Procurador-Geral da República do Egipto, Hisham Barakat, morreu hoje em consequência de um ataque bombista contra a sua viatura, no cortejo automóvel em que se deslocava em Heliópolis, zona residencial a norte do Cairo.

Do atentado resultaram também diversos feridos entre polícias e civis.

A violência da explosão estilhaçou os vidros de todos os imóveis vizinhos.

Aguardam-se pormenores sobre este atentado, ainda não reivindicado.

sábado, 27 de junho de 2015

DISCURSO DE ALEXIS TSIPRAS EM ATENAS






Transcreve-se o discurso do primeiro-ministro grego Alexis Tsipras, hoje em Atenas:

A tradução deste discurso foi feita por Isabel Atalaia a partir da tradução não oficial para inglês de Stathis Kouvelakis. Em ambos os casos, as traduções foram feitas com grande urgência, por se entender prioritário difundir um discurso de importância fundamental. Por esse motivo, este texto será actualizado caso se verifique a necessidade de fazer qualquer alteração que salvaguarde a sua fidelidade ao original.
Compatriotas,

Durante estes seis meses, o governo grego tem travado uma batalha em condições de asfixia económica sem precedentes para implementar o mandato que nos foi dado, a 25 de Janeiro, por vós.

O mandato que negociávamos com os nossos parceiros visava acabar com a austeridade e permitir que a prosperidade e a justiça social regressassem ao nosso país.
Era um mandato com vista um acordo sustentável que respeitasse quer a democracia, quer as regras europeias comuns e que conduzisse à saída definitiva da crise.

Ao longo deste período de negociações, fomos convidados a executar os acordos concluídos pelos governos anteriores através dos memorandos, embora estes tenham sido categoricamente condenados pelo povo grego nas recentes eleições.

Apesar disso, nem por um momento pensámos em render-nos. Isso seria trair a vossa confiança.

Após cinco meses de duras negociações, os nossos parceiros, infelizmente, lançaram, na reunião do Eurogrupo de anteontem, um ultimato à democracia grega e ao povo grego.

Um ultimato que é contrário aos princípios e valores fundamentais da Europa, aos valores do nosso projecto comum europeu.

Pediram ao governo grego que aceitasse uma proposta que representa um novo fardo insustentável para o povo grego e boicota a recuperação da economia e da sociedade grega, uma proposta que, não só perpetua a instabilidade, mas acentua ainda mais as desigualdades sociais.

A proposta das instituições inclui: medidas conducentes a uma maior desregulamentação do mercado de trabalho, cortes nas pensões, reduções adicionais aos salários do sector público e um aumento do IVA sobre os alimentos, a restauração e o turismo, enquanto elimina alguns benefícios fiscais das ilhas gregas.

Estas propostas violam directamente os direitos sociais e fundamentais europeus: elas são reveladoras de que, no que diz respeito ao trabalho, à igualdade e à dignidade, o objectivo de alguns dos parceiros e instituições não é um acordo viável e benéfico para todas as partes, mas a humilhação do povo grego.

Estas propostas manifestam, sobretudo, a insistência do FMI na austeridade severa e punitiva e tornam mais oportuna do que nunca a necessidade de que as principais potências europeias aproveitem a oportunidade e tomem as iniciativas que permitirão o fim definitivo da crise da dívida soberana grega, uma crise que afecta outros países europeus e ameaça o futuro da integração europeia.

Compatriotas,

Pesa, agora, sobre os nossos ombros uma responsabilidade histórica face às lutas e sacrifícios do povo grego para a consolidação da democracia e da soberania nacional. A nossa responsabilidade para com o futuro do nosso país.

E essa responsabilidade obriga-nos a responder a um ultimato com base na vontade soberana do povo grego.

Há pouco, na reunião do Conselho de Ministros, sugeri a organização de um referendo, para que o povo grego decida de forma soberana.

A sugestão foi aceite por unanimidade.

Amanhã, será convocada uma reunião de urgência no Parlamento para ratificar a proposta do Conselho de Ministros de um referendo a realizar no próximo domingo, 5 de Julho, sobre a aceitação ou rejeição das propostas das instituições.

Já informei desta minha decisão o presidente francês e a chanceler alemã, o presidente do BCE, e amanhã farei seguir, por carta, um pedido formal, aos líderes e às instituições da UE, para que prolonguem por alguns dias o programa actual, para que o povo grego possa decidir, livre de qualquer pressão e chantagem, como é exigido pela Constituição do nosso país e pela tradição democrática da Europa.

Compatriotas,

À chantagem do ultimato que nos pede para aceitar uma severa e degradante austeridade sem fim e sem qualquer perspectiva de recuperação social e económica, peço-vos para responderem de forma soberana e orgulhosa, como a história do povo grego exige.

Ao autoritarismo e à dura austeridade, responderemos com democracia, calmamente e de forma decisiva.

A Grécia, o berço da democracia, irá enviar uma retumbante resposta democrática à Europa e ao mundo.

Estou pessoalmente empenhado em respeitar o resultado da vossa escolha democrática, qualquer que ele seja.

E estou absolutamente confiante de que a vossa escolha honrará a história do nosso país e enviará uma mensagem de dignidade ao mundo.

Nestes momentos críticos, todos temos de ter em mente que a Europa é a casa comum dos povos. Na Europa, não há proprietários nem convidados.

A Grécia é e continuará a ser uma parte integrante da Europa e a Europa é uma parte integrante da Grécia. Mas, sem democracia, a Europa será uma Europa sem identidade e sem rumo.

Convido-vos a demonstrar unidade nacional e calma para que sejam tomadas as decisões certas.

Por nós, pelas gerações futuras, pela história do povo grego.

Pela soberania e a dignidade do nosso povo.

Atenas, 27 de Junho, 1h00.


VIOLENTO SISMO NO EGIPTO




Um violento sismo (5.2), às 17.34 (hora local) com epicentro no Sinai, abalou todo o norte do Egipto, a Arábia Saudita, a Jordânia e Israel. O abalo, no Cairo, foi acompanhado por uma tempestade de areia.

Não existem, de momento, notícias sobre vítimas ou especiais prejuízos materiais.

Os serviços competentes foram colocados em alerta máximo.


A EUROPA QUE NOS ENVERGONHA





ARTIGO DE PACHECO PEREIRA, HOJE, NO "PÚBLICO":


Bater nos gregos tornou-se uma espécie de desporto nacional. Tem várias versões, uma é bater no Syriza, outra é bater nos gregos propriamente ditos e na Grécia como país. As duas coisas estão relacionadas, bate-se na Grécia porque o Syriza resultou num incómodo e, mesmo que o Syriza morda o pó das suas propostas, – que é o objectivo disto tudo, – o mal-estar que existe na Europa é uma pedra no orgulhoso caminho imperial do Partido Popular Europeu, partido de Merkel, Passos e Rajoy e nos socialistas colaboracionistas que são quase todos que os acolitam. É isto a que hoje se chama “Europa”.

Se não fosse sinal de coisas mais profundas, e péssimas, seria um pouco ridículo que nós portugueses nos arrogássemos agora o direito moral de bater nos gregos. Somos mesmo um belo exemplo! Ah! Fizemos o “trabalho de casa” e isso dá-nos a autoridade moral, “sacrificamo-nos” para ter agora esta gloriosa “recuperação” e os gregos não, Passos Coelho dixit. Para além de estar certamente a falar para a Nova Democracia e para o Pasok e não para o Syriza, o balanço do “ajustamento” grego foi devastador para a economia e para a sociedade. Porquê? Nem uma palavra. Ninguém fala da “herança” do Syriza, recebida em princípios de 2015, das mãos de dois partidos da aliança dos “ajustadores”, a Nova Democracia irmã da CDU, do PP espanhol e do PSD e do CDS português, que governou a Grécia com a eficácia que conhecemos e pelo PASOK, irmão do PS, que a co-governou. Eram esses que a “Europa” queria que ganhassem as eleições.

Só que os gregos “não fizeram o trabalho de casa”… e por isso tem que ser punidos. Caia o Syriza na lama, e venha um qualquer outro governo dos amigos e ver-se-á como muita coisa que é negada ao Syriza será dada de bandeja ao senhor Samaras e os seus aliados. O problema não é o pagamento aos credores, não é a “violação das regras europeias” (quais?), não é uma esforçada dedicação pela “recuperação” da Grécia, é apenas e só político: não há alternativa, não pode haver alternativa, ninguém permitirá nesta “Europa” nenhuma alternativa que confronte o poder dos partidos do PPE e seus gnomos de serviço socialista, porque isso fragiliza aquilo que para eles é a Europa.

A ideia de que a Grécia não é um Estado ou que é um “país falhado” é um absurdo. A julgar por esses critérios muitos países da Europa não são Estados, a começar pelo “estado espanhol” aqui ao lado e a acabar nalgumas construções de engenharia política ficcional que a Europa ajudou a criar nos Balcãs, seja o Kosovo, seja mesmo a bizarra FYROM. É evidente que a Grécia não é a Alemanha, mas Portugal também não é. A Grécia não é a França, mas vá-se à Córsega perguntar pela França, ou mesmo às zonas dialectais do alemão na Alsácia. Ou então a esses territórios muito especiais da União Europeia, sim da União Europeia, que são por exemplo a Reunião e Guadalupe, “departamentos franceses do ultramar”.

A Grécia é a Grécia, muito mais parecida com Portugal naquilo é negativo que os que hoje lhe deitam pedras escondem, e bastante menos parecida com Portugal, numa consciência nacional da soberania, que perdemos de todo. No dia da vitória do Syriza, o que mais me alegrou, sim alegrou, como penso aconteceu a muita gente, à esquerda e à direita, não foi que muitos gregos tenham votado num “partido radical” ou num programa radical, ou o destino do Syriza, mas sim o facto de que votaram pela dignidade do seu pais, num desafio a esta “Europa” que agora os quer punir pelo arrojo e insolência. Escrevi na altura e reafirmo que mais importante do que a motivação de acabar com a austeridade, foi o sentimento de que a Grécia não podia ser governada por uma espécie de tecnocratas a actuar como “cobradores de fraque” em nome da Alemanha. Por isso, mais grave do que o esmagamento do Syriza, que a actual “Europa” pode fazer como se vê, é o sinal muito preocupante para todos os que querem viver num país livre e independente em que o voto para o parlamento ainda significa alguma coisa. Nisso, os gregos deram uma enorme lição aos nossos colaboracionistas de serviço, que andam de bandeirinha na lapela.

Voltemos ao não-pais. A Grécia é um país muito mais consistente na sua história recente do que muitos países europeus, principalmente do Centro e Leste da Europa. Tem dois factores fortíssimos de identidade nacional, a religião ortodoxa e a recusa do “turco”. E foi “feita” por eles. Vão perguntar ao fantasma de Hitler o que ele disse da Grécia quando a invadiu e não disse de nenhum outro país e vão perguntar aos ingleses que apoiaram os resistentes gregos, duros, ferozes e muitos deles, como em Creta, “bandidos da montanha”. Sem Estado.

Esta identidade nacional dá para o mal e para o bem, como de costume, mas existe. Muitas aventuras militares e políticas resultaram dessa forte identidade e da relação mítica e simbólica com o passado, como seja a invasão da Anatólia numa Turquia em crise pós-otomana para reconstituir a Grande Grécia clássica e bizantina, ou as reivindicações sobre o Epiro albanês, ou mesmo a pressão contra a existência da Macedónia como estado. A aventura de Venizelos e a Megali Idea foi uma das grandes tragédias do século XX, apoiada irresponsavelmente pelos ingleses, mas mostram como é ligeiro apresentar a Grécia como um “não país”, quando nesses anos as poucas cidades “civilizadas” nessa parte do mundo não eram Atenas, mas Salónica e Esmirna. Esmirna, incendida pelos turcos e Salónica purgada dos seus judeus por Hitler.

O argumento “geográfico” das ilhas para afirmar que a Grécia “não é um estado” então é particularmente absurdo. A Grécia tem centenas de ilhas e a Indonésia milhares. Então a Indonésia também não é um país? É-o certamente menos do que a Grécia, visto que a diversidade rácica, linguística e religiosa da Indonésia é muito maior e mais complicada do que as ilhas gregas cujo cimento, até mesmo a Rodes, que fica bem em frente da costa turca, é de novo, a religião e a história.

Os gregos, povo de comerciantes e marinheiros, são um alvo fácil, como os camponeses do Sul de Itália e os alentejanos, para os do Norte industrial e “trabalhador”. É um estereótipo conhecido: ladrões, vigaristas e, acima, de tudo preguiçosos. Por isso “enganaram a Europa” e querem viver á nossa custa. A Grécia enganou a Europa? Sim with a little help from my friends. A Europa ajudou activamente a Grécia a falsificar os números, a Alemanha em particular, enquanto isso lhe interessou. E nós? Só para não ir aos inevitáveis exemplos socráticos, vamos para este governo e bem perto de nós. Com que então a TAP foi comprada por um português? O brasileiro-americano o que é, o consultor para a aviação? De onde veio o dinheiro, a pergunta que se faz sempre aos remediados, que já são vigiados por 1000 euros, e ninguém faz aos ricos e poderosos? Para que é esta cosmética? Para enganar a União Europeia dando a entender que a TAP foi comprada por um cidadão da União. O truque é tão evidente, que muito provavelmente, como aconteceu com os gregos, a União Europeia já assinou de cruz pelas aparências porque lhe convém. Atirem pois mais uma pedra aos gregos.

Os gregos não querem pagar impostos? Não, não querem, mas nós portugueses também não queremos. Há uma diferença, é que em Portugal se aceitou nos últimos anos, um poder fiscal muito para além do que é aceitável numa democracia. Será que é isso a que se chama “fazer o trabalho de casa”, ter um Estado? Já agora, as estatísticas da economia informal na Europa são muito interessantes. Sabem que Estados tem uma economia informal muito superior à grega? A Noruega, a Suíça, o Luxemburgo, a Dinamarca, a Finlândia e… a Alemanha.

A questão mais importante e que merece ser analisada e discutida mais a fundo, não é a Grécia e muito menos o destino do Syriza. É a mudança de carácter da União Europeia, da “Europa”, nestes anos de crise. A hegemonia alemã é um facto, mas a principal mudança foi a substituição de um projecto europeu de paz e solidariedade, por um projecto de poder. A substância desse poder é a hegemonia política do Partido Popular Europeu que, apoiado pelo papel do governo alemão, mas indo para além dele, transformou o “não há alternativa” na legitimação de todos os governos conservadores, muitos dos quais viraram francamente à direita nestes anos. Esses governos recebem todas as complacências (como Portugal a quem se fechou os olhos nos falhanços na aplicação do memorando) e todos os apoios.

A “Europa” é hoje a principal aliada eleitoral e de governo de partidos como o PSD em Portugal e o PP em Espanha, interferindo qualitativamente nas eleições nacionais e transformando o reforço do poder comunitário num instrumento de poder “europeu”. Hoje qualquer passo que reforce a “Europa” reforça o PPE e o “não há alternativa”. Esta não é a Europa dos fundadores, é a Europa dos partidos mais conservadores, com os socialistas à arreata. Não terá um bom fim e, nessa altura, muita gente lembrará a Grécia.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

A GLOBALIZAÇÃO DOS ATENTADOS




Os atentados de hoje, na Tunísia, no Kuwait e em França, confirmam aquilo que há muito sabíamos. Na era da globalização, entusiasticamente incensada e amplamente defendida pelos poderosos interesses de uma minoria dominante, haveria de chegar a hora em que o terrorismo organizado, que já teve os seus dias de glória na Europa (Espanha, Reino Unido, Itália, Alemanha), ainda que defendendo (ou afirmando defender outros interesses) alargaria a sua esfera de acção a todo o mundo.

Actos terroristas sempre houve, mas a sua dimensão, a sua periodicidade, a sua visibilidade eram menores. Os ataques dos últimos anos trazem a marca do islão, mas não acredito nas motivações religiosas dos seus autores. Alguma coisa não bate certo nos atentados dos últimos tempos, o que indiscutivelmente convida à reflexão.

Não é este o local ou sequer o momento para esmiuçar as contradições da onda de terror mais recente, mas conviria perceber, por exemplo, como é que, de um dia para o outro, surgiu em terras da Síria e do Iraque um "estado" cujo território é, segundo somos informados, superior à superfície de Portugal.

O mal-estar no Mundo Árabe não é de hoje nem de ontem, remonta à queda do Império Otomano. A partilha do Médio Oriente, gizada por Sykes e Picot, com o auxílio (quiçá inadvertido do coronel Lawrence), a Declaração Balfour, a instalação da família Saudita na Península Arábica em detrimento da Família Hachemita, a colonização franco-britânica do Norte de África, a criação do Estado de Israel, e por aí fora, alimentaram gerações de ressentimentos, de humilhações, de revoltas.

 No entretanto, tivéramos a guerra civil da Argélia, com um monstruoso cortejo de vítimas, a guerra civil no Líbano e os sucessivos ataques de Israel contra o povo palestiniano, assumindo um carácter genocidário.

A cereja em cima do bolo seria colocada por George Bush e o seu bando, com a invasão do Iraque em 2003, com a descarada colaboração do Reino Unido (sempre a sinistra figura de Blair) e de outros países. Por fim, as "primaveras árabes" (comandadas por quem?), o ataque à Líbia defendido e consumado por Sarkozy, o pretendido ataque à Síria desejado por Hollande.

E também a tragédia imparável dos migrantes oriundos do Levante e do continente africano.

O presente terrorismo islâmico não é religioso, é político. E não será combatível pelos meios tradicionais utilizados pelo Mundo Ocidental, cujos políticos não possuem a estatura nem a idoneidade indispensável para conduzir qualquer acção eficaz e digna, como se comprova amplamente com as presentes negociações com a Grécia.

Temo mesmo que já não saibam aplicar qualquer receita útil. Até porque deixaram passar demasiado tempo. Restar-lhes-á meditar sobre a expressão tantas vezes utilizada na ópera italiana, mormente em Verdi: "È tardì"!


ISABEL DA NÓBREGA: 90 ANOS



Isabel da Nóbrega completa hoje 90 anos.

Tive o privilégio de conhecer Isabel da Nóbrega, há mais de meio século, por intermédio de um amigo comum, o escultor Lagoa Henriques. E aí começou uma amizade que, até hoje, se manteve inalterável. Ao longo destes anos, pude apreciar as suas qualidades de carácter, o valor da sua amizade, o seu espírito de solidariedade, para além, evidentemente, do elevadíssimo nível intelectual que especialmente a notabiliza.

Escritora, jornalista, também dramaturga (a sua peça O Filho Pródigo foi representada em 1954 no Teatro Nacional D. Maria II), Isabel da Nóbrega não publicou muitos livros, distinguindo-se a sua obra mais pela qualidade do que pela quantidade, ao contrário do que, infelizmente, se verifica nos nossos dias. As crónicas que manteve, durante largos anos, em jornais e na rádio, constituem exemplos de como deveria ser o jornalismo em Portugal. Aliando a formação à informação, trataram de grandes e pequenos problemas, dedicando a uns e a outros o interesse que todos merecem. Sem esquecer os programas que concebeu e apresentou na RTP e as muitas intervenções avulsas produzidas nos mais variados palcos em que foi solicitada.


Carlos Amado, Eu, Isabel da Nóbrega e Lagoa Henriques no jardim do atelier do Mestre, em 25 de Junho de 1989, véspera do 64º aniversário de Isabel

O seu romance Viver com os Outros, que recebeu em 1965 o Prémio Camilo Castelo Branco da então Sociedade Portuguesa de Escritores (equivalente ao actual Grande Prémio da Associação Portuguesa de Escritores, que sucedeu àquela instituição) constitui, pelo tema e pela forma, um marco na história da literatura portuguesa contemporânea.

Na sua carreira literária, como na sua vida, sempre Isabel da Nóbrega se preocupou com o seu próximo, fosse rico ou pobre, culto ou inculto, sempre "viveu com os outros", partilhando alegrias e tristezas. sempre dedicou a sua atenção a aspectos da vida que tantas vezes nos passam despercebidos. Ainda hoje, a Isabel continua a manter um gosto pela vida e uma energia anímica que provoca o assombro (e até talvez uma ponta de inveja) dos mais novos. Sempre disponível para os grandes eventos como para as modestas tarefas do quotidiano, sempre pronta a ajudar os seus amigos nas horas menos boas. 

Por tudo o que escrevi, e também por tudo o que não escrevi (para parafrasear o saudoso Eduardo Prado Coelho), quero aqui exarar a minha profunda admiração por Isabel da Nóbrega, que é uma verdadeira força da natureza, reiterar-lhe a minha amizade, felicitá-la pelo seu aniversário e formular os mais sinceros votos para que possa, ainda por muitos anos, comemorar esta data.
 

quinta-feira, 25 de junho de 2015

PODEMOS?




Num momento crucial, real ou ficticiamente, para a Europa, em que os governos europeus (extra governo grego), a Comissão Europeia, o BCE e o FMI discutem com o governo grego a permanência da Grécia na Zona Euro e, eventualmente, na União Europeia, numa sucessão alucinante de reuniões inconclusivas que ou são mal preparadas ou fazem parte de uma encenação a que os poderes fácticos da Europa nos vêm habituando, é interessante ler a entrevista exclusiva concedida a "L'Obs" desta semana (nº 2641) por Pablo Iglesias, líder do Podemos.

Considerado um partido da extrema esquerda, o Podemos é todavia heterodoxo nas suas propostas: prefere a dicotomia povo/oligarquia, alto/baixo à tradicional clivagem esquerda/direita; é a favor da manutenção do euro, ainda que gerido de outra forma e submetido a um controlo democrático.

Defende as ideias, mal vistas em outros movimentos da esquerda radical, de soberania, de nação, de patriotismo económico. Fustiga Matteo Renzi pela sua timidez, adverte François Hollande de que está a cavar a sua própria sepultura e previne os sociais-democratas de que recusando hoje a mão que lhes é estendida, será porventura Marine Le Pen que amanhã negociará com o Eurogrupo.

Uma entrevista para ler (podem consultar-se extractos aqui) e reflectir. O Podemos, após os recentes sucessos eleitorais em Barcelona, Madrid, Saragoça ou Valência, poderá ganhar as legislativas espanholas de Novembro próximo.

sábado, 13 de junho de 2015

O CEMITÉRIO CENTRAL DE VIENA


Porta nº 2 do Cemitério (existem 4 entradas)

O Cemitério Central de Viena ( Der Wiener Zentralfriedhof), situado a sudeste da cidade, na  Simmeringer Hauptstraße, é o maior cemitério da Áustria e um dos maiores da Europa, nele se encontrando sepultadas cerca de três milhões de pessoas. Foi inaugurado oficialmente no Dia de Todos os Santos de 1874, havendo uma cerimónia prévia, na véspera, com a presença do burgomestre barão Cajetan von Felder e do cardeal Joseph Othmar Rauscher, arcebispo de Viena, devido ao facto do cemitério ser destinado não exclusivamente a católicos mas a defuntos de outras confissões, nomeadamente judeus, que tinham contribuído substancialmente para a sua construção .

O cemitério, inaugurado durante o reinado do imperador Francisco José I, está dividido em quase 200 talhões, a maioria destinada a católicos, mas com representação de protestantes, judeus, muçulmanos, muçulmanos-egípcios, budistas, mormons, caldeus-católicos, gregos-ortodoxos, romenos-ortodoxos, búlgaros-ortodoxos, sérvios-ortodoxos, sírios e coptas-ortodoxos, russos-ortodoxos, etc. Existem também secções destinadas às vítimas da Primeira e da Segunda Guerra Mundial, às crianças, e uma cripta, frente à igreja, onde se encontram os corpos de todos os presidentes da República da Áustria, desde 1945.


 Estão sepultados no cemitério, nomeadamente na parte central, vultos notáveis de compositores, escritores, artistas plásticos, arquitectos, políticos, cientistas, engenheiros, actores, encenadores, etc.


A igreja do cemitério foi concebida pelo arquitecto Max Hegele, discípulo do célebre  Otto Wagner, construída entre 1908 e 1910 e dedicada ao antigo burgomestre (presidente da câmara municipal) de Viena, o Doutor Karl Lueger. Político famoso, foi eleito três vezes para o cargo desde 1895, mas Francisco José I, considerando que as suas ideias eram perigosas,  recusou confirmar a decisão dos deputados municipais. Só em 1897, devido à intercessão do papa Leão XIII, o imperador resolveu sancionar o desejo dos munícipes. Karl Lueger ocupou o lugar até à sua morte em 1910 e ainda hoje os vienenses o consideram o mais importante burgomestre da capital, atendendo à forma extraordinária como administrou a cidade. O troço do Ring (a grande artéria circular que delimita a velha da nova cidade) frente à Câmara Municipal e à Universidade ostentou mesmo o nome de "Doktor Karl Lueger Ring" embora, por estúpidas decisões que pretendem apagar a história, tenha passado a designar-se, desde 2012, "Universitätsring". 




Activista do Movimento Social Cristão, membro do Partido Nacional Germânico e deputado ao Parlamento Imperial, o Doutor Lueger tornou-se também conhecido pelo seu anti-semitismo militante, o que lhe granjeou as simpatias dos austríacos. Um dos seus mais calorosos apoiantes foi Adolf Hitler, que viveu na cidade entre 1907 e 1913 e lhe prestou homenagem no Mein Kampf. Acrescente-se, todavia, que Lueger nunca perseguiu os judeus, tinha muitos judeus no seu círculo de amigos e costumava dizer: «Sou eu que decido quem é judeu». O próprio escritor judeu vienense Stefan Zweig, que cresceu em Viena durante a administração de Lueger, referiu que o seu governo da cidade era «perfeitamente justo e tipicamente democrático».


O Doutor Karl Lueger está sepultado num mausoléu na cripta da igreja do Cemitério, sob o altar-mor. O templo é hoje designado por Karl Borromäuskirche (Igreja de São Carlos Borromeu), embora continue a ser habitualmente chamado Igreja do Doutor Karl Lueger.


Em frente da igreja encontra-se o mausoléu dos presidentes da República da Áustria desde 1945, a saber: Karl Renner (1945-1950), Theodor Körner (1951-1957), Adolf Schärf (1957-1965), Franz Jonas (1965-1974), Rudolf Kirchschläger (1974-1986), Kurt Waldheim (1986-1992) e Thomas Klestil (1992-2004).




Uma das principais atracções do cemitério é o talhão dos compositores. Encontram-se aqui, além do cenotáfio de Mozart (que foi enterrado em local desconhecido, no Cemitério de São Marcos (Sankt Marx) em 7 de Dezembro de 1791, após ter sido velado, na véspera, na Capela da Cruz da Catedral de Santo Estêvão, onde o local é recordado por uma placa comemorativa), os despojos de Beethoven, Schubert, Brahms, Gluck, Johann Strauss, Johann Strauss (Pai), Josef Strauss, Eduard Strauss, Schönberg, Franz von Suppé, Hugo Wolf, etc. e Antonio Salieri no talhão 0, à entrada da porta nº 1.

Mozart (cenotáfio), Beethoven e Schubert (mausoléus) e Príncipe Aloys de Liechtenstein, que sucedeu ao Doutor Lueger na chefia do Partido (sepultura)


Mozart (em memória), Beethoven e Schubert (sepultados) e Eu (por ora, em carne e osso)
Placa evocativa de Mozart na Catedral de Santo Estêvão
Mozart
Beethoven
Schubert


 Brahms
Gluck
Johann Strauss
Johann Strauss (Pai)
Josef Strauss
Eduard Strauss
Franz von Suppé
Hugo Wolf
Arnold Schönberg

Antonio Salieri (junto à porta nº 3, muito distante do talhão dos compositores)

Entre as muitas e notáveis figuras mencionemos ainda os chanceleres Julius Raab e Bruno Kreisky, o cineasta Georg Wilhelm Pabst, o empresário e mecenas artístico Nicolaus Dumba, Carl Ritter von Ghega (o mais famoso engenheiro do seu tempo, que projectou o caminho de ferro de Semmering, o primeiro a atravessar montanhas), o escritor e jornalista Karl Kraus, o arquitecto Adolf Loos, o cantor Falco, o futebolista Matthias Sindelar, etc., etc.

Julius Raab
Bruno Kreisky
G. W. Pabst
Adolf Loos
Carl Ritter von Ghega
Nicolaus Dumba
Falco (pseudónimo de Hans Hölzel)
Matthias Sindelar

Existem dois conjuntos de arcadas. Um par, próximo da entrada principal, as Arcadas Antigas (Alte Arkaden), o outro par, em redor da Igreja, as Arcadas Novas (Neue Arkaden). Nestas arcadas encontram-se numerosas sepulturas, algumas das quais ornamentadas com notáveis esculturas.

Arcadas Antigas

Arcadas Antigas
Arcadas Novas (lado esquerdo)
Arcadas Novas (lado direito)

No lado esquerdo da entrada principal encontra-se a capela ortodoxa russa, dedicada a São Lázaro, num talhão dedicado aos russos ortodoxos.

Capela Ortodoxa Russa

Os obeliscos da entrada principal, na parte de trás, ostentam os nomes do imperador Francisco José I e do burgomestre Doutor Karl Lueger.

Obelisco do lado direito de quem entra (parte de trás)
Obelisco do lado esquerdo de quem entra (parte de trás)


Também do lado esquerdo, à entrada, se encontra a Casa Mortuária.

Casa Mortuária

Vista do Cemitério

Vista do Cemitério
Nas extremidades do lado direito e do lado esquerdo, ocupando vasta superfície, encontram-se os talhões, respectivamente, do Antigo e do Novo Cemitério Judaicos.

Muito mais haveria a dizer, mas esta história já vai longa.