terça-feira, 31 de março de 2015

PEDAÇOS DA SÍRIA




Comprei, e li, o recentíssimo livro A Síria em Pedaços, de Bernardo Pires de Lima. Presumi que se tratava de um livro sobre a situação na Síria, desde o começo da guerra civil até ao presente. E, contrariamente aos meus hábitos e porque o assunto particularmente me interessa, não o folheei antes da aquisição.

Verifico, agora, que o título induz em erro. Trata-se, na realidade, de uma colectânea de textos de opinião (cerca de 200), publicados pelo autor no "Diário de Notícias" entre Janeiro de 2011 e Janeiro de 2015, e que não se referem precisamente à Síria mas à situação nos vários países do Médio Oriente e suas relações em especial com os Estados Unidos, a Europa, a Rússia e a China, desde a eclosão das chamadas "primaveras árabes". Apenas alguns deles se reportam directamente à Síria.

Para lá deste lamentável equívoco editorial, também a arrumação dos artigos não facilita o respectivo enquadramento. Optou o autor por agrupá-los em três secções: Janeiro de 2011 a Maio de 2012; Junho de 2012 a Agosto de 2013; Setembro de 2013 a Janeiro de 2015. Mas nenhum dos textos se encontra datado, o que impede o leitor de estabelecer uma correspondência entre a data de publicação dos mesmos e a ocorrência dos factos a que aludem.

Sendo textos escritos ao correr dos dias, expressam apenas a opinião do autor sobre o presente e as suas previsões quanto ao evoluir dos acontecimentos, aliás muitas vezes infirmadas pelas realidades subsequentes. Como seria inevitável num trabalho deste género, há numerosas repetições e até contradições, que tornam a leitura confusa e não favorecem a compreensão do desenrolar dos factos no terreno.

Quem estivesse à espera de um livro sobre a evolução da guerra civil no território da Síria, dia a dia, cidade a cidade, de um cabal esclarecimento sobre todos os actores em presença, tudo cronologicamente enquadrado, não poderá deixar de se sentir defraudado.

Ressalve-se, todavia, que algumas das interpretações de Bernardo Pires de Lima são correctas  e compensam, de algum modo, o equívoco do título. E que o erro em algumas das suas previsões poderia ser igualmente cometido por abalizados analistas, tal a imprevisibilidade que rodeou muitos acontecimentos. Desde logo pelos americanos que, por ingenuidade ou má-fé, ou ambas, predisseram evoluções que não se verificaram, ou que ocorreram precisamente em sentido contrário.

Registo a última frase do livro (a propósito do presidente sírio Bashar Al-Assad): «Vale mais um ditador a prazo do que um califa sem termo». Acrescentarei que a maioria dos sírios, que bem conheço, preferiria a continuação do regime (naturalmente autoritário) de Bashar à aventura de putativas oposições apoiadas do exterior. Isto antes do começo da guerra civil. Agora, nem será preciso perguntar.


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