quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

ENTRE OCIDENTE E ORIENTE



Acabei hoje a leitura (com algum atraso), do romance Boussole, de Mathias Énard, que obteve o Prémio Goncourt deste ano. Confesso que é uma das obras mais interessantes que li nos últimos tempos. O livro é uma viagem no espaço (e no tempo) em que o narrador (o autor) percorre (e descreve, não gratuitamente mas por força do próprio plot) Viena, Istanbul, Teerão, Damasco, Alepo, Palmyra, e alguns outros locais menos conhecidos da Síria. Ao percorrer as quase 400 páginas do livro, senti-me transportado àqueles lugares e percebi as emoções do autor. Conheço razoavelmente Viena, certamente melhor Istanbul, conheço (ou conheci, ignoro o que resta) Damasco e Alepo, estive uma vez em Palmyra. Faltou-me Teerão, aonde estava para ir há alguns anos, mas um acidente pouco antes da partida impediu-me a deslocação.

Neste romance, que na verdade oscila entre o romance e o ensaio, Mathias Énard convoca o passado para iluminar o presente, e as suas referências históricas, literárias, musicais, plásticas, sexuais, políticas fazem do livro um monumento de erudição ou, melhor dizendo, de cultura. A informação, nunca fastidiosa, que o livro nos fornece é simplesmente impressionante, talvez porque decorra de um sonho. Não é em vão que o autor escreve: «Nos rêves sont peut-être plus savants que nous.» (p. 57)

A estória propriamente dita narra as viagens, os encontros e desencontros, as emoções e as recordações do protagonista, Franz Ritter, um musicólogo de Viena (um alter ego do autor) apaixonado pelo Oriente. E também o seu amor impossível por Sarah, uma investigadora que é a outra personagem central da obra. Tudo envolto na atracção fatal pelo Oriente, exercida sobre os aventureiros, os sábios, os artistas, os viajantes ocidentais.

Ao longo do livro são inúmeras as referências a Fernando Pessoa, nomeadamente à sua versão para português, a partir da tradução inglesa de Edward FitzGerald, dos "Quartetos" (Ruba'iyat) do célebre poeta persa Omar Khayyam (séc. XI-XII). Aliás, no que a Portugal toca, não é só Pessoa que várias vezes é mencionado, também são diversas as alusões aos Descobrimentos portugueses, a Vasco da Gama em particular, e à nossa presença na Índia.

Uma figura particularmente focada é a do orientalista austríaco Joseph von Hammer-Purgstall (1774-1856), sábio eminentíssimo, tradutor de textos de autores árabes, persas e turcos e que foi embaixador do Império em Constantinopla. Hammer-Purgstall foi um dos fundadores e o primeiro presidente da Academia das Ciências de Viena, e em 1959,  aquando da sua criação, o instituto austríaco para os estudos orientais prestou-lhe homenagem assumindo a designação de Sociedade Oriental Austríaca Hammer-Purgstall (Österreichische Orient-Gesellschaft Hammer-Purgstall).

O protagonista do livro (tal como o autor) é judeu, mas não se vislumbra no texto qualquer exaltação "sionista"; pelo contrário, é manifesta a simpatia pelo mundo árabe (e muçulmano em geral) e em particular pelos sírios, especialmente referidos no "Envoi" que conclui a obra. É evidente que Mathias Énard expressa algumas vezes a sua condenação do anti-semitismo, e é particularmente crítico em relação a Richard Wagner. Transcrevo uma passagem: «Dieu merci les informations sont terminés, retour à la musique, Mendelssohn et Meyerbeer, les ennemis jurés de Wagner, surtout Meyerbeer, objet de toute la haine wagnérienne, terrifiante haine dont je me suis toujours demandé si elle était la cause ou la conséquence de son antisémitisme: Wagner devient peut-être antisémite parce qu'il est atrocement jaloux du succès et de l'argent de Meyerbeer. Wagner n'est pas à une contradiction près: dans Le Judaïsme dans la musique il insulte Meyerbeer, ce même Meyerbeer auquel il a passé la brosse à reluire pendant des années, ce même Meyerbeer qu'il a rêvé d'imiter, ce même Meyerbeer qui l'a  aidé à faire jouer Rienzi et Le Vaisseau fantôme. "Les gens se vengent des services qu'on leur rend", disait Thomas Bernhard, voilà une phrase pour Wagner".» (p. 235)

Como seria inevitável, um perfume discreto de homossexualidade perpassa pelo livro.

«Pour les travaux de prospection sur des tells [colinas] encore vierges, Bilger [Michael Bilger, o famoso arqueólogo e orientalista prussiano] l'emmenait toujours avec lui et cette proximité faisait jaser, bien sûr - je me souviens des clins d'oeil graveleux lorsqu'on évoquait le couple, d'expressions comme "Bilger et son étudiant" ou pire "le grand Fritz et son  mignon", sans doute parce que Hassan était objectivement jeune et très beau, et parce que l'orientalisme entretient une relation certaine non seulement avec l'homosexualité, mais plus généralement avec la domination sexuelle des puissants sur les faibles, des riches sur les pauvres.» (p. 115)

«Les goûts de Faugier, sa passion du trouble, ne l'empêchaient pas d'être terriblement lucide sur sa condition - il était son propre objet d'études; il admettait que, comme beaucoup d'orientalistes et de diplomates qui ne l'avouent pas facilement, s'il avait choisi l'Est, la Turquie, l'Iran, c'était par désir érotique du corps oriental, une image de lascivité, de permissivité qui le fascinait depuis l'adolescence. Il rêvait aux muscles d'hommes huilés dans les gymnases traditionnels, aux voiles de danseuses parfumées, aux regards - masculins et féminins - rehaussés de khôl, aux brumes de hammams où tous les phantasmes devenaient realité.» (p. 315) «... il aimait ses travestis iraniens outrageusement maquillés, ses rencontres furtives au fond d'un parc de Téhéran. Tant pis si les bains turcs étaient parfois sordides et crasseux, tant pis si les joues mal rasées des éphèbes grattaient comme des étrilles, il avait toujours la passion de l'exploration...» (p. 316)

Uma referência recorrente no livro é o famoso Hotel Baron, de Alepo (quiçá hoje destruído), que se tornou célebre pela notoriedade dos seus hóspedes, entre os quais o rei Faiçal (da Síria e depois do Iraque), o oficial e agente secreto inglês T.E. Lawrence (o inesquecível Lawrence da Arábia), o primeiro presidente turco Kemal Atatürk, a escritora policial Agatha Christie, o general De Gaulle ou o presidente Gamal Abdel Nasser do Egipto. Mathias Énard procede a uma minuciosa descrição do hotel, nomeadamente do seu bar, onde conviveram as mais importantes figuras que, desde 1911, data da sua construção, passaram pela Síria.

Estive no Hotel Baron, já nessa altura um pouco decadente, em 2005 e 2006. Registei algumas imagens que, a propósito do romance, me apraz partilhar:

Fachada do Hotel Baron (2005)

Fachada do Hotel Baron (2005)

Automóvel antigo na esquina da rua do Hotel Baron (2005)

Eu, à porta do pátio do Hotel Baron (2005)

No bar do Hotel Baron, com um amigo sírio e dois amigos portugueses (2005)

Eu, à porta do Hotel Baron (2006)

O balcão do bar do Hotel Baron, tão enaltecido por Mathias Énard (2006)

Um amigo sírio sentado ao balcão (2006)


Sala de jantar do Hotel Baron (2006)

No bar, com um amigo sírio (2006)

O orientalismo que é, segundo Énard, um humanismo (já Sartre dizia o mesmo do existencialismo), foi sempre, e especialmente a partir do século XVIII uma paixão ocidental. Abrangendo o estudo de diversas civilizações, incidiu especialmente sobre o Médio Oriente e o mundo árabo-islâmico, ainda que a sinologia e a indologia não tenham sido terrenos despiciendos. Criou também no Ocidente uma visão distorcida desse Oriente inegavelmente fascinante e facilitou a exploração colonial, um tema revisitado no século passado pelo intelectual palestiniano Edward Saïd na sua obra Orientalism, hoje, apesar das posteriores controvérsias, um clássico na matéria.

Mas também o oriente extremo (como a África negra) não escapou à influência ocidental, à "missão civilizadora" euro-cristã, com todas as suas grandezas (poucas) e misérias (muitas). Transcrevo: «À l'orient de l'Orient on n'échappe pas non plus à la violence conquérante de l'Europe, à ses marchands, ses soldats, ses orientalistes ou ses missionaires - les orientalistes sont la version, les missionaires le thème: là où les savants traduisent et importent des savoirs étrangers, les religieux exportent leur foi, apprennent des langues locales pour mieux y rendre intelligibles les Évangiles.» (p. 344)



Nas relações com o Oriente, não deixa Énard de referir a paixão de Goethe, já então com 65 anos, pelo Divan [colectânea de poemas em árabe, turco ou persa] de Hafez, poeta persa do século XIV. A publicação de West–östlicher Divan (Divan Ocidente-Oriental), pelo mestre de Weimar a partir da sua correspondência com Marianne von Willemer e da tradução dos poemas de Hafez pelo citado orientalista Joseph von Hammer, constituiu uma inestimável contribuição para a aproximação de culturas entre a Europa cristã e o Médio Oriente islâmico. Esta obra, que Goethe complementou com inúmeras notas, influenciou poetas como Friedrich Rückert e compositores como Schumann, Schubert, Mendelssohn, Hugo Wolf e tantos outros, como Luigi Dallapiccola, que escreveu Goethe Lieder para meio soprano e clarinetes.

Uma última palavra para a Bússola, a famosa bússola de Beethoven que indicava sempre o Oriente. Também este livro está decisivamente voltado para o Oriente, porque é do Oriente que nos vem a Luz e também porque, em mais do que uma acepção, o Oriente é Eterno.


sábado, 26 de dezembro de 2015

A INVENÇÃO DO MÉDIO ORIENTE





Nestes últimos dias do ano de 2015, em que a guerra continua a devastar o Médio Oriente (uma expressão inventada em 1902), com o seu ultrajante cortejo de vítimas e a subordinação aos interesses das grandes potências da sorte de milhões de pessoas, merece uma releitura atenta o dossier incluído no nº 92 (Julho de 2014) da revista "Qantara", relativo à forma como, na sequência da Grande Guerra, foi redesenhado o mapa da região.

Já evocámos várias vezes neste blogue os Acordos Sykes-Picot, a Declaração Balfour, o Tratado de Sèvres, a Conferência de San Remo, etc., etc. Mas nunca é demais reflectir sobre os efeitos das decisões tomadas, nomeadamente por britânicos e franceses, quanto à partilha do derrotado Império Otomano.

No próximo ano, comemora-se o centenário da Grande Revolta Árabe de 1916, um movimento de esperança na criação da grande nação árabe, incentivado e depois atraiçoado pelas conveniências políticas e económicas dos vencedores da Primeira Guerra Mundial.

Tivessem sido diferentes os caminhos da História e não seríamos confrontados com os acontecimentos que desde então, e especialmente nos últimos anos, têm ensanguentado a região e se repercutem hoje, com expressão progressivamente mais violenta, no mundo dito Ocidental.


quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

O NOVO MARKETING ELEITORAL




Só hoje reparei (e não vi notícia na imprensa portuguesa, mas pode ser falta minha), lendo o mais recente número de "L'Obs", que Alberto Rivera, líder do partido político Ciudadanos, que ficou em quarto lugar nas eleições espanholas do passado domingo, com cerca de 15% dos votos, posou todo nu para um cartaz de propaganda eleitoral.

Pela imagem, o rapaz é apresentável, mas esta nova forma de marketing político coloca os maiores problemas às futuras campanhas eleitorais por esse mundo fora. Que vão fazer os líderes partidários cuja nudez provocaria a repulsa dos eleitores? E será que, daqui em diante, a escolha do chefe do partido decorrerá mais de um concurso de beleza do que de um programa político?

Estamos perante um poderoso desafio colocado à classe política, aos publicitários, aos institutos de beleza e aos clubes desportivos. E também, é claro, aos eleitores!

Olhando para o caso português, um calafrio atravessa-me a espinha. Em quem votaria nas próximas eleições presidenciais?

Poderia ainda tecer outras considerações, relativamente ao sentido do voto, mas deixo-as à perspicácia dos leitores.


segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

A MORTE DE ROLAND BARTHES



Roland Barthes foi atropelado no dia 25 de Fevereiro de 1980, quando atravessava a Rue des Écoles, após ter almoçado com François Mitterrand. Atribui-se o fatal acidente (pois Barthes morreria um mês depois) a uma simples distracção do mestre, embora um amigo meu sustente que o eminente professor do Collège de France teria visto um rapaz interessante do outro lado da rua e que, por isso, se precipitara inadvertidamente para o passeio oposto.
 
Surge, agora, a tese do homicídio. Laurent Binet, no recém-publicado romance La septième fonction du langage, que mencionei aqui, defende que Barthes, que deteria o segredo da sétima função da linguagem, foi propositadamente colhido pela camioneta de uma lavandaria, conduzida pelo búlgaro Yvan Delahov, o que permite ao autor explorar a pista búlgara, que conduz inevitavelmente a Julia Kristeva, essa famosa intelectual franco-búlgara, mulher de Philippe Sollers, que publicara em 1990, Les Samouraïs, um roman à clef sobre o meio literário francês. Só que, no livro de Binet os escritores (e os políticos) são chamados pelos próprios nomes.

O desaparecimento da folha que conteria o "segredo", inquieta Giscard, então presidente da República em fim de mandato, que considera tratar-se de um segredo de Estado e põe em cena o comissário Jacques Bayard, dos Renseignments Généraux (RG) e Simon Herzog, um doutorando de Vincennes que o polícia arrebanha para o ajudar a decifrar a linguagem hermética da linguística e da semiologia, naturalmente desconhecida dos flics, pouco familiarizados com Saussure, Lévy-Strauss, Todorov, Lacan, Foucault, Derrida, John Austin, John Searle, etc. Este par Bayard/Simon vai estar no centro dos mais inesperados acontecimentos, que Binet descreve com um humor e suspense dignos de Umberto Eco, aliás, também ele uma personagem central do livro. É evidente a influência de O Nome da Rosa, e ainda que La septième... não seja uma obra tão volumosa (500 páginas) como o livro do escritor italiano, este inspirou sem dúvida o plot de Binet.

Roland Barthes

A descrição das visitas que se acotovelam no Hospital da Pitié-Salpêtrière para visitarem Barthes é deliciosa. Nem sequer falta Bernard-Henri Lévy, que já nessa altura se proclama grande amigo do mestre, ainda que mal o conhecendo. De resto, ao longo de toda a obra, BHL não deixa de ser alvo do humor cáustico de Binet.

Também os diálogos com Michel Foucault demonstram o bom conhecimento de Laurent Binet sobre o meio homossexual. Ao contrário de Barthes, que cultivava a discrição e apenas no fim da  vida se expôs mais publicamente (o único livro em que aborda directamente o tema, Incidents, só foi publicado, postumamente, em 1987), Foucault exibia com ostentação a sua homossexualidade (e também a sua preferência sado-maso). As diligências do comissário Bayard levam-no ao Café de Flore (ponto de reunião de escritores, de homossexuais e de escritores homossexuais) mas dessa vez só encontra Sartre e Françoise Sagan, além dos gigolos que engatam na zona. Interrogando-os, sabe contudo que a última pessoa a ver Barthes antes do acidente foi um jovem marroquino que, segundo os outros rapazes árabes que deambulam em torno do Café, poderá encontrar nos Bains Diderot, uma sauna junto à Gare de Lyon. E enquanto Bayard e Simon percorrem timidamente a sauna, em que dezenas de homens e rapazes se entregam às mais diversas práticas sexuais, eis que deparam com Michel Foucault, todo nu, a ser chupado pelo rapaz que procuravam, o jovem Hamed. Este estivera, de facto, dias antes em casa de Barthes, mas não tinham tido verdadeiramente uma relação sexual, apenas aquilo a que o escritor chamava faire du bateau, uma conversa sentimental. E de nada mais sabia. Nas várias passagens do livro em que menciona Foucault, Binet não deixa de salientar o lado antipático da personagem, o seu habitual riso sarcástico, um certo pedantismo, a que não é alheia a circunstância de ser considerado à época, e ainda hoje, um dos mais prestigiados intelectuais franceses do século passado.

Laurent Binet

Ao longo da obra, Binet evidencia um profundo conhecimento dos bas-fonds parisienses, com particular destaque para saunas, clubes e bares especialmente frequentados por homossexuais e por rapazes (homossexuais ou não) interessados em receber algum dinheiro pelas suas prestações sexuais. E como não poderia deixar de acontecer, há sempre rapazes árabes envolvidos nestas aventuras. Toda a gente sabe que a imigração beur, de 2ª ou 3ª geração, é quem fornece (ou forneceu atá há poucos anos) o maior contingente de rapazes disponíveis para práticas homossexuais. Desde o século passado, os mais famosos escritores franceses gays tiveram (e ainda têm) um petit ami de origem magrebina.

É o momento de abrir um parêntese para explicitar quais as funções da linguagem, um conceito criado pelo célebre linguista russo Roman Jakobson (1896-1982), que foi um dos iniciadores do Estruturalismo. Segundo Jakobson, a cada um dos seis factores inalienáveis da comunicação verbal corresponderiam seis funções da linguagem: Função Emotiva ou Expressiva; Função Referencial ou Denotativa; Função Apelativa ou Conativa; Função Fática; Função Poética; Função Metalinguística. O romance gira à volta de uma sétima função que Jakobson não teria enunciado mas de que Barthes seria conhecedor, consignada num documento que lhe teria sido roubado no momento do seu acidente. Segundo o presidente Giscard d'Estaing, esse documento poria em causa a segurança nacional. Isto é, quem tivesse acesso ao conhecimento da sétima função da linguagem teria um poder absoluto sobre o mundo.

O romance encontra-se recheado de referências culturais, mais facilmente intelegíveis pelo público francês, mas que denotam a familiaridade do autor com as grandes obras da literatura francesa e universal e o seu conhecimento dos meios políticos da França.

Transcrevo, por curiosidade e atendendo às pessoas que serão personagens centrais no romance, a notícia (e os comentários) à morte de Roland Barthes ( jornal televisivo de 26 de Março de 1980, às 20 horas). Informação às 20 h 24: «Roland Barthes est... (pause de PPDA) mort cet après-midi à l'hôpital de la Pitié-Salpêtrière, à Paris. (Giscard arrête de parapher, Mitterrand arrête de grimacer, Sollers arrête de fourrager dans son caleçon avec son fume-cigarette, Kristeva arrête de touiller son sauté de veau et accourt de la cuisine, Hamed arrête de enfiler sa chaussette, Althusser arrête d'essayer de ne pas s'engueler avec sa femme, Bayard arrête de repasser ses chemises, Deleuze dit à Guattari:"Je te rappelle!", Foucault arrête de penser au biopouvoir, Lacan continue à tirer sur son cigare.)»

Comecei a escrever este post em Setembro p.p., mas outros afazeres impediram-me então de concluí-lo. É-me difícil neste momento, e sem notas, prosseguir, ainda que em síntese, o desenrolar dos acontecimentos. Vou cingir-me, pois, a algumas notas.

Laurent Binet, que com este livro era "candidato" ao Prémio Goncourt, afinal atribuído a outro notável romance, Boussole, de Mathias Énard, conseguiu ainda assim obter o Prémio Interallié e o Prémio Roman Fnac.

Consegue Binet movimentar no livro todo um universo esotérico, ainda que profundamente ligado à realidade, combinação difícil mas que empresta à narrativa um especial sabor. Estamos, como escrevi acima, nos terrenos de Umberto Eco, que Laurent Binet explora com reconhecido êxito.

O gigolo Hamed é entretanto assassinado por aqueles que supostamente tentam obter o documento com o segredo. A polícia, que pretendia obrigá-lo a revelar o que eventualmente saberia, ouve apenas as últimas palavras do moribundo: «Écho». Entre muitos episódios, alguns bem divertidos, começa a surgir a existência de uma pista búlgara, que inevitavelmente conduzirá a Julia Kristeva (não esquecer que o motorista da camioneta que atropelou Barthes é búlgaro).

Ao longo do livro, Binet aproveita a ocorrência de diversos acontecimentos trágicos para fundamentar a sua tese quanto ao homicídio de Barthes. Assim, sabendo-se que o eminente filósofo marxista Louis Althusser estrangulou a sua mulher Hélène (em circunstâncias nunca totalmente esclarecidas  ou que se preferiu ignorar - a justiça francesa considerou-o inimputável) em 16 de Novembro de 1980,  Binet atribui o acto ao facto desta ter atirado para o caixote do lixo, por ignorância, o documento que conteria o segredo e que lhe fora confiado por Julia Kristeva.

Também o atentado terrorista contra a Estação Central de Bolonha, em 2 de Agosto de 1980, é relacionado com o tema.

A meio do livro surge uma associação secreta, o Logos Club (um piscar de olho à Loja P2?) dirigida por uma espécie de grão-mestre, o Grande Protágoras, cuja identidade nos é revelada no fim. O Logos, com ramificações em diversos países, dedica-se, entre outras coisas, à disputa retórica de assuntos de alto nível intelectual entre dois dos seus membros, em sessões especialmente convocadas, e ao que perder o combate (presidido por um júri) é-lhe amputado um dedo. Na hierarquia do Logos há sete níveis. Cito no original. Nível 1: parleurs; nível 2: rhéteurs; nível 3: orateurs; nível 4: dialecticiens; nível 5: péripatéticiens; nível 6: tribuns; nível 7: sophistes. Estes últimos usam um nome de código e é suposto terem alcançado uma perfeição inatingível.

Também Antonioni participa numa das sessões e, perdendo o confronto, acaba por ficar sem um dedo. E Bernard-Henri Lévy aparece em muitas ocasiões, eventualmente de camisa preta para passar incógnito! O autor nunca poupa BHL a um sarcasmo mordaz.

Toda a intelectualidade francesa vai desfilando neste romance, quase policial, de Binet. E as referências culturais (e políticas, e históricas) são realmente muitas, talvez mais do que muitas, o que obriga a uma atenção especial do leitor, que por vezes é obrigado, compreensão do texto oblige, a recorrer a um aide-mémoire para situar os acontecimentos.

Em dado momento o centro da acção transfere-se para os Estados Unidos onde, em 1980, na Cornell University, Ithaca, o professor Jonathan Culler organiza uma conferência, "Shift into overdrive in the linguistic turn". Participam Noam Chomsky, Hélène Cixous, Jacques Derrida, Michel Foucault, Félix Guattari, Luce Irigay, Roman Jakobson, Frederic Jameson, Julia Kristeva, Sylvère Lotringer, Jean-François Lyotard, Paul de Man, Jeffrey Mehlman, Avital Ronell, Richard Rorty, Edward Saïd, John Searle, Gayatri Spivak e Morris J. Zapp. O conteúdo das intervenções também é pretexto para saborosas considerações de Binet. E durante a estada nos EUA verificar-se-ão interessantes movimentações de alguns dos participantes em busca do segredo, tudo isto misturado com peripécias sexuais, até porque o magrebino Slimane (um dos amigos do falecido Hamed) foi convidado por Michel Foucault para esta viagem. É verdade que o autor, baseando-se em muitos factos reais, permite-se criar outros, como no caso da "morte" de Jacques Derrida, que só ocorrerá em 2004, ou do suicídio de John Searle, que ainda está vivo!

Já para o fim do livro, tem lugar uma sessão do Logos Club, realizada em Veneza, no La Fenice, em que participa o jovem Simon Herzog, citado no princípio e que vence a disputa, e outra, em que o júri é composto pela totalidade dos sofistas (10), ostentando máscaras venezianas, tal como os dois "concorrentes", sendo um o Grande Protágoras que vence o adversário, ou seja, Philippe Sollers. Durante a discussão, os presentes reconhecem pela voz que o Grande Protágoras é o próprio Umberto Eco. Vencido, Sollers, não perde um dedo mas os testículos, que lhe são amputados, a pena estabelecida quando se desafia directamente o Grande Protágoras. Julia Kristeva recolhe numa urna os despojos do marido e corre à Basílica de Santa Maria Gloriosa dei Frari, a essa hora fechada, mas que é, segundo Sollers, o coração glorioso da Sereníssima, e junto à pequena ponte contígua, tira um papel da camisa que rasga e lança no canal.

Há ainda um episódio final. O rapto de Simon pelo italiano que ele havia derrotado em La Fenice e que ordena aos seus esbirros que lhe cortem a mão.

A terminar, vem a saber-se, após François Mitterrand ter derrotado nas presidenciais Giscard d'Estaing, que a  sétima função da linguagem tinha afinal caído nas mãos de Jack Lang por ocasião do almoço para o qual convidara Barthes, pois o futuro ministro da Cultura sabia que este recuperara o manuscrito de Jakobson. Como o fizera, isso Lang ignorava. Durante o repasto, Lang subtraíra o papel do casaco de Barthes e entregara-o a Debray, que esperava escondido no vestíbulo. Debray correra a levar o documento a Derrida que que a partir do texto original forjou outro com uma falsa função, que Debray remeteu depois a Lang e foi parar novamente ao casaco de Barthes, antes que o almoço terminasse. Assim, Mitterrand pôde utilizar a famosa função no duelo televisivo contra Giscard.

Tout compte fait, só Mitterrand (e Jakobson, obviamente) conheceu o conteúdo do documento, pois nem Lang, nem Debray, tiveram tempo para o ler e Derrida, entretanto "morto", jurara guardar segredo.

Voltando ao início. O "écho" de Hamed moribundo seria, vertendo do francês para o italiano, Eco!!!

Muito fica naturalmente por dizer. Por isso, vale a pena ler o livro de Laurent Binet.

sábado, 12 de dezembro de 2015

A VIOLÊNCIA NO ALCORÃO




Pelo seu interesse transcrevemos o artigo de Faranaz Keshavjee na revista "Visão" :


A violência no alcorão

No livro sagrado do islão, os versículos sobre a guerra são muitos e estão espalhados por 12 capítulos. Mas é preciso entender que a interpretação desses versículos é complexa e ambígua. A própria ideia de “guerra santa” é uma invenção dos europeus.

Sempre que os “jihadistas” resolvem atuar (e não uso o termo terrorismo de propósito, porque aí não falaria só de Islão), lá vem o mundo muçulmano em massa dizer que não vale a pena “colocarem-nos a todos no mesmo pacote”, porque o islão deles não é o nosso, ou que aquilo que fazem não é sequer “islão”. O problema é que, qualquer que seja a justificação que se apresente, a lógica religioso-belicista destes grupos é baseada em leituras de versículos do alcorão que estão escritos e traduzidos e que apelam à guerra, à violência e morte aos infiéis.

É preciso admitir que não existem estudos suficientemente conhecidos sobre o pouco que se tem feito para estudar a formação e evolução da noção de guerra no Islão ou que examinem de forma crítica as variadas perspetivas islâmicas sobre esta matéria. Acresce a esta lacuna científica, uma tradição clássica islâmica que desenvolveu a sua própria visão canónica sobre a formação e evolução da guerra sagrada, havendo algumas variações entre as escolas legais, mas com uma visão mais ou menos uniforme sobre o significado e aplicação da guerra divinamente orientada. E a verdade é que os estudiosos da guerra santa na civilização islâmica têm demonstrado uma tendência para aceitar de forma acrítica, e sem desafiar, estas perspectivas já normalizadas.


Versículos bélicos


Os versículos sobre a guerra são muitos e estão espalhados por 12 capítulos no Alcorão, contudo, é preciso entender que a exegese desses versículos é complexa e ambígua por uma série de razões: 1)porque a revelação foi sendo transmitida durante 23 anos ao Profeta Muhammad e aos muçulmanos, sempre oralmente; 2)porque os registos dessas revelações estiveram em materiais de vário tipo, desde peles de animais a folhas de plantas, entre outros, e são produto de discursos de retórica e dialéctica, dentro de determinado tempo e contexto situacional; 3) porque a compilação destes manuscritos aconteceu mais de 100 anos após o desaparecimento do Profeta; 4) porque a redação do Alcorão foi ainda mais tardia e provavelmente obedecendo a critérios de seleção, organização e abrogação questionáveis; 5) porque a apresentação dos capítulos não é cronológica: as últimas revelações aparecem primeiro, e as primeiras revelações surgem no fim; 6) porque houve versículos omitidos ou integrados em capítulos onde se pensava, à época, fazerem mais sentido (e de acordo com os interesses religiosos e políticos do momento e das facções que existiam); 7) porque a linguagem poética dos árabes pré-islâmicos merece sempre uma análise cuidada pela multiplicidade de interpretações e traduções; 8) porque há necessidade de conhecer o pensamento, a organização social, política e económica dos árabes pré-islâmicos para que a exegese do alcorão seja analisada por analogia ou contradição a algo que já existia; e, finalmente, 9) porque as interpretações e traduções posteriores à redação do alcorão acabaram por permanecer numa ordem que se tornou hegemónica na versão dominante da canonização islâmica que não passou do século XII/XIII depois da morte de Averróis, quando no Islão se fecharam as portas da Ijtihad, ou o processo de análise humanista.

São inúmeros os exemplos que refletem todos estes pressupostos de complexidade. Para dar apenas um, no capítulo 16, versículos 125 a 127 diz-se:

(125)Convida (todos) para o caminho do teu Senhor com sabedoria e sermões belos, e discute com eles nas formas que sejam mais belas e mais graciosas: pois o vosso Senhor conhece bem quem se desviou do Seu caminho, e aqueles que recebem os Seus ensinamentos.(126) Se os punis, então puni-os do mesmo modo com fostes atormentados. Mas se persistirdes pacientemente, isso será melhor para o paciente.(127) Sejai pacientes. A vossa paciência existe apenas através de Deus

Estes versos, entre muitos outros, foram largamente discutidos por terem suscitado dúvidas sobre se o verso 125 estaria cronologicamente ligado aos restantes dois. Existem várias versões que indicam que esse teria sido revelado noutros contextos e noutro momento da história do Islão. Uma discussão interessante mas que não posso, por razões óbvias, prolongar neste artigo. Mas para além dessa polémica, é também curioso perceber que o verbo ‘aqaba surge três vezes nestes versículos sendo o seu significado alternar, punir ou punir de volta, no sentido de retribuição em função de algo que foi feito, ou vingança, dependendo da tradução. Nestes excertos, as palavras associadas ao verbo são “punição” e “tormento”. Se utilizarmos o verbo nestas variadas possibilidades de interpretação, o versículo poderia tomar outra forma e entendimento.

Para além das questões de cronologia e interpretação/tradução, é preciso perceber o pensamento e a organização social, económica e política na arábia pré-islâmica. Em linhas gerais, os árabes (ou nómadas) não partilhavam de um significado transcendente aplicado ao ato de guerra, nem havia algum tipo de recompensa numa vida para além desta. Os beduínos permaneciam sempre num estado de guerra, e as lutas ocorriam, salvo alguns meses do ano, e alguns locais sagrados, para afirmação da honra, para a dinâmica económica e o prestígio social. O parentesco era o que determinava a aliança entre os grupos. Contudo, quando falamos de guerra não estamos necessariamente a falar de combate. A Guerra pode ser um estado ou uma condição entre grupos humanos. A Guerra-Fria, por exemplo, não se reflete num combate direto entre as partes envolvidas. Do mesmo modo, a Jihad – que significa literalmente, ultrapassar-se a si mesmo, procurar, explorar, aguentar dores extraordinárias ou inimigas, não tem a ver originalmente com uma guerra no sentido de combate. Muito provavelmente, a Jihad aqui teria de ver com o exercício de ultrapassar um modo de pensamento e ideologia pré-islâmica para uma outra trazida por Muhammad. Porque na verdade, a palavra árabe para luta é qital, e a de guerra é gharb. E a ideia de “guerra santa” é uma invenção dos europeus.

Para se entender a Jihad no sentido FUNDACIONAL (e não FUNDAMENTALISTA, como propôs M. Arkoun) é preciso entender a transição de uma cultura de parentesco para outra baseada numa ideologia de comunidade religiosa – a Umma, e perceber que este não foi um processo simples. Não só o conceito de Deus único veio abalar todo um sistema de crenças já existente, como a própria aliança de grupo veio destruir a ideia de aliança por parentesco que até então existiu. E tão difícil e penosa foi essa transformação na sociedade árabe do século VII que encontramos inúmeros capítulos onde o conceito de Jihad é utilizado, desde contextos de não agressividade até aos de militância. E tanto mais ele é utilizado quanto maior se revela a incapacidade de os muçulmanos se defenderem dos que ameaçavam a possibilidade de existência de uma comunidade islâmica.

Esta é a razão principal, para Reuven Firestone, para que o alcorão esteja repleto de chamamentos para a guerra por parte de muçulmanos que tinham dificuldade em ultrapassar um modelo de lealdade tribal para outro, fundamentado na fraternidade religiosa. Por outras palavras, os seguidores do Profeta que se recusavam a levantar para se defender eram os que seriam incapazes de ultrapassar os tais descrentes (kafirun) ou fitna (hipócritas), que hoje são designações atribuídas aos que não seguem a interpretação radical jihadista, onde todos nós, incluindo muçulmanos que não pensem nem ajam da mesma maneira, estarão inevitavelmente incluídos, e serão, como consequência, alvos a abater. Por isso Firestone considera que ao longo do processo de revelação vamos encontrar no Alcorão capítulos que vão desde a postura não agressiva até uma outra de militância absoluta. Para este professor na Graduate School of Judaic Studies na Hebrew Union College - Jewish Institute of Religion in Los Angeles, a evidência qurânica sugere que a comunidade muçulmana não tinha uma opinião homogénea em relação à luta durante o percurso da liderança de Muhammad, e que depois da sua morte, e na redação da revelação houve um agrupamento de versículos a partir de temáticas, algumas omissões e/ou substituições, e todo um processo de edição que revelou a existência de interesses de grupos distintos dentro do Islão. Tudo isto contribuiu para um tipo de exegese que acabou por tomar uma forma hegemónica que se canonizou como sendo a versão fiel da revelação, recebida ao longo de 23 anos da vida do profeta, continuando a ser oralmente transmitida durante mais de dois séculos, em períodos em que os muçulmanos estavam longe de ser alguma comunidade de interpretação homogénea, como de resto nem hoje são.


Valores éticos e morais


O que é de facto curioso é que os princípios de pluralismo e inclusão, e outros valores éticos e morais que o Alcorão também transmite, assim como a liberdade de um ser humano não ter sequer uma religião, nunca aparecem nos discursos dos radicais islâmicos. Ou aquela parte onde revela que se Deus quisesse que fossemos todos de uma só religião não teria permitido a existência de sinagogas, igrejas e mesquitas, mas que é efetivamente porque através dessa pluralidade, nos podemos conhecer melhor uns aos outros e, cada um no seu caminho, superar o outro, na via da consciência social, ou do bem comum, nada dito é referido pelos jihadistas. Nem mesmo os versículos que combatem a ignorância e empurram os muçulmanos para a procura do conhecimento, “nem que para isso tenham de ir até à China”, e outros parecidos com esse que estimularam todo um esforço para o conhecimento da filosofia greco-helénica, depois traduzida para o latim para os Europeus, da álgebra, das matemática, da caneta, da astrologia e da astronomia, que tanto serviram para os Descobrimentos, ou o humanismo dos Buyidas que acabaram por influenciar o século das Luzes na Europa; enfim, todos estes avanços civilizacionais que só foram possíveis em função de uma revelação qurânica e de uma religião chamada Islão, são referências que nunca surgem como parte de discursos dos radicais islâmicos.

Ora, é precisamente chegados a este ponto que precisamos saber definir, de uma vez por todas, que a honestidade intelectual para o estudo e a interpretação do processo de violência no alcorão só poderá ser devidamente estudado se conseguirmos separar o discurso FUNDACIONAL do discurso FUNDAMENTALISTA. Porque um pressupõe princípios éticos e morais de uma religião que representou um avanço civilizacional incontornável, e o outro está predisposto a destruir tudo o que não obedece a uma hegemonia anti-civilizacional.

O fracasso do discurso pluralista e cosmopolita, de valores e princípios éticos que os milhões de muçulmanos advogam como não sendo o dos radicais islâmicos, deve-se ao fracasso intelectual dos próprios muçulmanos. É um trabalho que não pode ser deixado a leigos mas sim aos saudosos Fuqaha (juristas formados nas Humanidades); aos pensadores e estudiosos do Islão, e aos próprios muçulmanos que há muito deixaram de se dedicar a uma honesta exegese do Alcorão. Porque está na hora de fazer a mudança positiva: a que passa da leitura sincrética e literal, para uma outra multidisciplinar e de honestidade intelectual; aquela que recupera toda a poética da beleza qurânica.


 Nota: Onde aparece escrito no texto que a palavra "guerra" em árabe é gharb, importa dizer que se deve tratar de um erro de transliteração, pois de facto é harb.


quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

O MUSEU HISTÓRICO DE CRETA





O Museu Histórico de Creta, instalado num edifício neoclássico de grande qualidade arquitectónica, foi fundado em 1953. Nele são contados dezassete séculos de história e cultura cretenses, dos primeiros tempos da era cristã até aos nossos dias. Arte e civilização bizantina, soberania veneziana, ocupação otomana, época das numerosas revoluções na longa marcha para a reunião à Grécia, Segunda Guerra Mundial, Batalha de Creta, Resistência e, finalmente, arte e cultura populares na Creta rural, são apresentados aos visitantes através de numerosas colecções de objectos cuidadosamente seleccionados, acompanhados por vasto material de informação tradicional e electrónica. Entre as joias do Museu contam-se dois quadros de Greco, O Baptismo de Cristo (1567) e Vista do Monte Sinai e do Mosteiro de Santa Catarina (1570), as suas únicas obras conservadas em Creta. Uma secção particular é dedicada a Nikos Kazantzakis, reunindo objectos pessoais e os manuscritos do célebre escritor cretense. A grande maqueta da cidade de Khandak (Heraklion), que data do século XVII, constitui um dos elementos marcantes do começo da visita.


A ala mais antiga do edifício do Museu foi construída em 1903, para residência de Andréas Kalokairinos (1862-1930), no local onde se encontrava, desde 1870, a residência da família, destruída aquando dos acontecimentos de 25 de Agosto de 1898, em que morreu Lysimaco Kalokairinos, pai de Andréas e outros membros da família. A villa foi legada pelo seu proprietário à cidade de Heraklion, para albergar a Sociedade de Estudos Históricos Cretenses (SEHC) e o Museu (MHC).

Apresenta-se abaixo a planta do Museu:




A sala 1, dedicada a A.G. Kalokairinos, fundador da SEHC e do MHC, exibe uma interessante maqueta de Candia (ou Khandak, ou Heraklion, a cidade foi mudando de nome) na época veneziana.

Maqueta da cidade

A sala 2 é dedicada à cerâmica, nomeadamente do período bizantino. Durante o período veneziano perpetuou-se a tradição bizantina. Creta importou também cerâmica da Ásia Menor, mesmo antes da conquista otomana. Por razões que explicámos em posts anteriores, são raros os vestígios da ocupação árabe.

Bilha árabe
Prato veneziano
Pratinho otomano

As salas 3, 4 e 5 apresentam peças da estatuária bizantina, do primeiro e do segundo períodos em que Creta fez parte do Império. De realçar, alguns utensílios de bronze provenientes da basílica de São Tito (discípulo de São Paulo e primeiro bispo de Creta) em Gortyna, então capital da ilha, e da qual se podem hoje apreciar as ruínas. Não confundir com a igreja de São Tito, existente em Heraklion.

Utensílios religiosos da basílica de São Tito

Depois do século e meio de dominação árabe, que terminou em 961, Creta foi reconquistada pelos bizantinos e a sede do governo desta divisão administrativa do Império passou para Khandak, que. aliás, já era a capital desde os últimos tempos da ocupação árabe. Verificou-se então uma intensificação do sentimento religioso, testemunhado pela construção de muitas igrejas, utilizando algumas na sua construção materiais pertencentes a edificações anteriores, o que se tornou num costume ao longo da acidentada história da ilha.

Capitel de mármore da época paleocristã
Fragmento de capitel com o nome de Eumathios, general do exército da divisão administrativa de Creta

As salas 6 e 7 são dedicadas à escultura veneziana. É sabido que a ilha foi vendida ao doge Dandolo por Bonifácio de Montferrat, um dos chefes da Quarta Cruzada que se apossara de Constantinopla, deslocando assim o centro do Império Bizantino. A Sereníssima República atribuiu desde o início uma grande importância ao novo território, instituindo um apertado sistema de governo, servido por uma multidão de funcionários, e assegurando uma gestão diligente dos negócios do reino de Candia, denominação pela qual os novos senhores passaram a designar Creta. O leão de São Marcos, símbolo de Veneza, foi colocado nos edifícios administrativos e nas muralhas e, ainda hoje, como referi em post anterior sobre a ilha, se pode ver esse símbolo na fortaleza de Koules.

Leão alado (relevo proveniente das muralhas de Candia)
Fonte da casa "Ittar", em Heraklion
Brasão da família Kallerghis

A sala 8 apresenta vários fragmentos de frescos bizantinos, de carácter naturalmente religioso, já que a arte estava ao serviço do dogma ortodoxo, que cimentava os povos que compunham o Império. Além dos frescos que ornamentavam as paredes das igrejas, há a considerar os ícones, que tiveram (e têm) a maior importância na religião ortodoxa.

São João Baptista (fragmento do fresco da igreja de São Fanurios, em Varsamonero)

A sala 9 conserva a colecção numismática, dividida em secções que ilustram a vida económica da ilha em todos os períodos da sua história. O material exposto inclui moedas, notas de banco, selos de chumbo, medalhas, pesos, manuscritos, etc.

A primeira secção é consagrada ao passado da ilha, desde a introdução do uso da moeda, cerca do século V AC até ao século V da nossa era. A segunda secção é consagrada inteiramente ao primeiro período bizantino (séculos VI e VII). A terceira secção conjuga o período árabe com o segundo período bizantino. As moedas respeitantes ao período árabe constituem uma parte da mais completa colecção numismática existente no mundo cunhada no Emirado de Creta (827-961). Dão testemunho da fase mais enigmática da história da ilha. A quarta secção cobre o período da reconquista bizantina até à ocupação veneziana (961-1204/11). É uma época de grande prosperidade económica, ao mesmo tempo que a autoridade do Império se degrada. A quinta secção é consagrada ao período veneziano, que termina em 1669. Está exposta a quase totalidade das moedas que circularam nesta época, com especial ênfase para as que foram cunhadas para uso exclusivo de Creta. A sexta secção trata da situação monetária durante a ocupação otomana, que durou até 1898. A integração da ilha nas redes comerciais ocidentais leva a que as bolsas cretenses se encham não só das moedas locais oficiais, sucessivamente desvalorizadas mas de uma grande variedade de moedas estrangeiras. Na sétima secção são mostradas moedas do breve período de Creta autónoma (1898-1913) cunhadas fora da ilha. A oitava e última secção trata da evolução monetária a partir da união à Grécia, até ao desaparecimento da dracma. Inclui moedas estrangeiras, substitutos monetários locais, notas de banco, até ao euro, com o rapto de Europa por Zeus numa face e a efígie de Eleftherios Venizelos na outra.

Cnossos - Moeda de bronze (33/32 C)
Bizâncio - Moeda de ouro de Constâncio II (642-668)
Emirado Árabe - Moeda de bronze (século IX)
Veneza - Moeda de bronze do Doge Giovanni I Cornaro (1625-1629)
Império Otomano - Moeda de prata do sultão Abdul Hamit II (1876-1909)
Creta Autónoma - Moeda de prata do Príncipe Jorge (1901)
República Grega - Moeda de prata (1930)

O resto da exposição está centrada em diferentes grupos de objectos, possuindo todos um peso histórico específico. Selos de chumbo e carimbos para uso paramonetário, medalhas cretenses, acompanhadas da respectiva documentação. Uma vitrina é dedicada aos dois grandes doadores da colecção numismática: o casal Nicolas e Theano Metaxas e os herdeiros Galenianos.

Frasco para transporte de água benta (século VI)

A sala 11 é dedicada à colecção bizantina e pós-bizantina. Com a introdução do cristianismo em Creta a partir do século V, até ao período otomano, e mesmo durante este, os aspectos da vida e da cultura religiosa exprimem-se através não só das obras de arte mas igualmente dos objectos de uso corrente. Humildes ou preciosos, eles constituem testemunhos da fé dos seus proprietários: lâmpadas de óleo em terracota ou em bronze marcadas com uma cruz, frascos de cerâmica para transporte de água benta do lugar do culto para casa, selos de madeira ou de cerâmica para imprimir símbolos cristãos no pão, talismãs e pedra ou de metal com a imagem do santo protector (supostamente para substituir os fetiches com poderes mágicos do fim do Império Romano).

Manuscrito das homilias de São João Crisóstomo (sécuo XVII)

Os mosteiros serviam de guardiães da identidade religiosa da população. Eram uma espécie de polos religiosos para os cristãos ortodoxos e tendo participado nas rebeliões e revoluções cretenses, tornaram-se também eminentes centros artísticos e educativos. Monges letrados e esclarecidos neles copiavam textos teológicos, evangelhos e escritos dos Padres da Igreja. Estes manuscritos medievais caligrafados, primeiro em pergaminho e depois em papel, e magnificamente iluminados, não só nos transmitiram importantes textos como constituem também verdadeiras obras de arte.

Cristo, por Emmanuel Bounialis (1675)

As oferendas dos fiéis às igrejas e aos  mosteiros e os objectos de culto, esculturas de madeira e peças de ourivesaria em prata são de grande qualidade artística. Também numerosos mosteiros acolhiam oficinas de tecelagem, de joalharia e de produção de vasos para uso litúrgico.

Anel de prata gravado com a cruz e o monograma de Cristo

É, contudo, a pintura religiosa que constitui a forma principal de expressão artística. Quando Constantinopla, caída nas mãos dos otomanos em 1453, deixou de desempenhar o seu papel de metrópole cultural do conjunto da cristandade oriental, regista-se a partir do século XVI a até meados do século XVII um excepcional desenvolvimento de novas correntes artísticas na Creta veneziana, a que não são alheias as influências ocidentais do Renascimento, ainda que a escola de pintura cretense continue regida pela espiritualidade bizantina do século XV. Os múltiplos ícones que ornamentam as naves dos mosteiros e as paredes das igrejas são testemunho dessa fidelidade à tradição, mas também da busca de uma nova estética. Abrem-se em Creta numerosos ateliers de artistas que procuram responder às encomendas dos comerciantes de Veneza, que desejam satisfazer os seus clientes. No seio desta comunidade artística vão emergir pintores de grande reputação, como é o caso de Domenikos Theotokopoulos, que a história ficaria a conhecer como El Greco. A tomada de Creta pelos turcos significa o fim do Renascimento cretense. Letrados e artistas fogem para Veneza ou para as ilhas Jónias.Um dos últimos pintores a abandonar a ilha será Emmanuel Tzanes Bounialis, que acabará, também ele, por se exilar em Veneza.

MuseuEl Greco, em Fodele

Nascido em Candia (Heraklion) ou, segundo muitos sustentam, em Fodele (27 km a oeste de Heraklion e onde existe mesmo um Museu El Greco), em 1541, Domenikos Theotokopoulos obteve em Candia o título de maestro em 1563. Nos finais dos anos 1560 partiu para Veneza, de que Creta era então uma colónia. Foi aluno do Ticiano e frequentou os artistas mais conhecidos do seu tempo. Em 1577 rumou a Espanha, acabando por se instalar definitivamente em Toledo, onde morreu em 1614. O estilo profundamente original que caracteriza as suas obras, em especial o alongamento exagerado das formas humanas (que alguns admitem dever-se a uma deficiência visual) e o tratamento dramático das paisagens, o uso audacioso das cores e da luz, tornaram-no famoso. Está hoje representado nos principais museus do mundo, especialmente em Madrid, no Museu do Prado.

"Vista do Monte Sinai e do Mosteiro de Santa Catarina"
"O Baptismo de Cristo"

Existem duas, e apenas duas, obras de El Greco em Creta, e que estão expostas neste Museu: Vista do Monte Sinai e do Mosteiro de Santa Catarina (c. 1570) e O Baptismo de Cristo (1567). A primeira não está assinada mas consta do catálogo da colecção Fulvio Orsini, bibliotecário do cardeal Alessandro Farnese, além de que El Greco reproduziu esta mesma paisagem, desta vez assinada, no Tríptico de Modena. O quadro foi adquirida pela Fundação Andréas e Maria Kalokairinos em 1990 e está desde então exposto no Museu. O segundo quadro foi adquirido pelo Município de Heraklion em 2004, e está igualmente exposto desde essa data, a título de empréstimo a longo prazo.

Colunas de túmulos otomanos de Heraklion

A sala 12 apresenta uma introdução à Colecção Histórica, desenvolvida na sala 13 (Período Otomano) e na sala 14 (século XIX e começo do século XX). A conquista de Creta pelos otomanos em 1669 mudou a natureza da ilha. Os laços estreitos que Creta mantinha com o Ocidente foram substituídos pelas influências orientais. Verificou-se uma difusão da religião muçulmana à qual se converteu uma parte não negligenciável da população cristã. Durante mais de três séculos e meio registou-se uma islamização da vida social e cultural com as consequentes implicações na vida local. A língua oficial passou a ser o turco (então ainda escrito em caracteres árabes), embora o grego e particularmente o dialecto cretense continuassem a ser usados na vida quotidiana. A arquitectura assume um aspecto oriental, com a presença dos minaretes das mesquitas, mas nos interiores das casas e no vestuário é encontrada uma solução de compromisso entre o que é oriental e o que é propriamente cretense. Os numerosos monumentos religiosos do islão e a presença de derviches (atestada por documentos) constituem sinais exteriores característicos do período otomano cretense. Tal como as inscrições e as placas votivas colocadas nas paredes das mesquitas. Vários documentos administrativos, redigidos em turco antigo e em grego informam-nos acerca das relações que as autoridades muçulmanos mantinham com a igreja ortodoxa.

Stratis Deliyannakis

O despertar do sentimento nacional nos Balcãs leva a que os habitantes cristãos da ilha se comecem a definir como gregos, procurando libertar-se do jugo otomano e reivindicando abertamente a adesão de Creta ao reino da Grécia. Esta contestação da autoridade otomana provoca reflexos de defesa da minoria muçulmana, o que leva à instauração de um clima de tensão generalizada e de insegurança. As insurreições frequentes da população cristã desenvolvem no seu seio uma espécie de tradição épica cujos heróis assumem uma dimensão mítica. É o caso do chefe de guerra Mihalis Korakas e do grande resistente Stratis Deliyannakis. O massacre do mosteiro de Arkadi tornou-se um dos símbolos das lutas dos cretenses pela sua libertação e os estandartes, as armas e os objectos que pertenceram aos combatentes constituem preciosa relíquias da época.

Prato comemorativo do massacre do mosteiro de Arkadi

A última e mais sangrenta insurreição dos cretenses contra a suserania otomana teve lugar em 1897 e provocou a intervenção das grandes potências. Foi então encontrada uma solução provisória: Creta continuava formalmente dependente do Império Otomano mas acedia a uma autonomia alargada, com Constituição, parlamento e sistema administrativo próprio. Para Alto-Comissário deste Estado Autónomo de Creta foi designado em 1898 o príncipe Jorge da Grécia, segundo filho do rei Jorge I da Grécia. Surge então no campo político um advogado brilhante, Elefthérios Venizélos, que entra em conflito com o alto-comissário a partir de 1905 e se vai tornar numa das principais figuras políticas na luta pela reunião de Creta à Grécia. Viria a ser primeiro-ministro de Creta (1910) e mais tarde, e por diversas vezes, primeiro-ministro da Grécia. A união de Creta à Grécia foi concretizada em 1913.

Elefthérios Venizélos

A colecção da Segunda Guerra Mundial está distribuida pela sala 15 (Batalha de Creta, Ocupação e Resistência) e pela sala 16 (Sala Emmanouil Tsouderos).

Emmanouil Tsouderos

A eclosão da Segunda Guerra Mundial em 1939 surpreende a Grécia num período em que procura equilíbrios internos e externos. O país projectava prermanecer neutro mas, em 28 de Outubro de 1940, a Itália passa ao ataque. O conflito vai durar seis meses. Os combates desenrolam-se primeiro na fronteira da Grécia com a vizinha Albânia, depois no território albanês onde as tropas gregas alcançam vitórias. Porém, a invasão do norte do país pelas tropas alemãs em 1941 vai inverter a relação das forças em presença. O exército grego retira-se para Creta, ainda livre, onde se refugiam o rei Jorge II e o primeiro-ministro Tsouderos. Em 20 de Maio de 1941, após um intenso bombardeamento aéreo alemão, começa a invasão da ilha. É a Batalha de Creta. As unidades gregas estacionadas na ilha, mal equipadas, e a população civil, armada de velhas espingardas, oferecem uma resistência tenaz aos invasores até 30 de Maio, altura em que começa a ocupação ítalo-alemã da ilha. Uma parte da população urbana procura refúgio nas montanhas, durante os três anos e quatro meses que iria durar a Ocupação, durante a qual os invasores restringiram drasticamente o movimento dos habitantes e efectuaram pilhagens sistemáticas e execuções frequentes de civis. A Resistência nas cidades e nos campos começou desde os primeiros dias da invasão, tendo como primeiro objectivo ajudar as unidades aliadas que tinham ficado na ilha a embarcarem para o Egipto. Constituiram-se redes de combatentes que passaram à clandestinidade. O acontecimento mais espectacular destas operações foi o rapto do general alemão Heinrich Kreippe do seu quartel-general em Cnossos por dois oficiais britânicos e dois partisans cretenses. As represálias alemãs foram terríveis, sendo presos e executados 62 cidadãos de Heraklion, escolhidos entre os mais notáveis. E massacrada e deportada a população de muitas aldeias. A retirada alemã começou em Outubro de 1944, e a rendição às forças aliadas teve lugar na Villa Ariadni, em Cnossos, em 9 de Maio de 1945.

Escritório e biblioteca de Emmanouil Tsouderos na sua casa de Atenas

As salas 17, 18 e 19 são dedicadas ao célebre escritor cretense Nikos Kazantzakis. Nascido em Heraklion em 18 de Fevereiro de 1883, Kazantzakis passou a infância em Creta durante o período da ocupação otomana. Leitor assíduo desde muito jovem, estudou depois direito em Atenas e filosofia em Paris. Viajou um pouco por todo o mundo e tornou-se um admirador de Lenin, mas nunca se converteu ao comunismo, tendo mesmo manifestado desilusão com a ascenção de Stalin. É autor de uma vasta obra, em que se destacam os romances Zorba, o Grego (que o celebrizou), O Capitão Mihalis (conhecido pelo título Liberdade ou Morte), A Paixão Grega (conhecido como Cristo Recrucificado) e A Última Tentação. Foi igualmente tradutor, ensaista, dramaturgo e autor de livros de viagens. Várias vezes proposto para o Prémio Nobel da Literatura, perdeu o galardão por um voto a favor de Albert Camus, em 1957. Morreu na Alemanha em 26 de Outubro de 1957 e está sepultado no cemitério de Heraklion.

Biblioteca de Nikos Kazantzakis

Alguns meses antes de morrer, Nikos Kazantzakis legou à Socidade de Estudos Históricos Cretenses a sua biblioteca e os seus manuscritos, para que integrassem o novo Museu.

Busto de Kazantzakis, em Heraklion

As salas 20, 21, 22 e 23, no último piso, abrigam a Colecção Etnográfica

Reprodução de uma casa de camponeses de uma só divisão


NOTA: Algumas imagens são retiradas do Catálogo do Museu