terça-feira, 9 de dezembro de 2014

CASANOVA, OUTRA VEZ




Escrevi há dias aqui um texto sobre o livro Vendégjáték Bolzanóban (1940), em que o escritor húngaro Sándor Márai, que se suicidou nos Estados Unidos em 1989, imagina uma "conversa" travada em Bolzano entre Giacomo Casanova e os condes de Parma.

Porque Casanova está de regresso, na literatura, com reedições das Memórias, e no cinema, The Casanova Variations (2014), de Michael Sturminger, com John Malkovich no protagonista, vem a propósito referir outro livro sobre o famoso libertino veneziano, também da autoria de um escritor húngaro, Miklós Szentkuthy (1908-1988), Széljegyzetek Casanovához (1939), À Margem de Casanova, na tradução portuguesa.

Não deixa de ser curioso o facto de ambos os livros terem sido publicados com diferença de apenas alguns meses, o que nos permite concluir que o tema suscitava então o interesse dos escritores húngaros. A menos que se trate de mera coincidência, mas muitos há que afirmam que na vida não existem coincidências.



 Casanova Variations, parcialmente filmado no Teatro Nacional de S. Carlos


Este livro de Szentkuthy constitui o primeiro volume de um projecto ambicioso, um grandioso ciclo de romances históricos a que deu o título de Breviário de Santo Orfeu (Szent Orpheus breviáriuma) obra concebida na esteira d'A Comédia Humana, de Balzac e de outras obras similares, composta por dez títulos.

 Em 1939, publica Fekete Reneszánsz (Renascimento Negro); em 1940, Eszkoriál; em 1941, Europa minor; ainda em 1941,  Cynthia; em 1942, Vallomás és bábjáték (Confissão e marionetas). Editados os seis primeiros títulos, Szentkuthy interrompe o Breviário devido à guerra e ao regime comunista, dedicando-se a outros temas. É só em 1972 que surge o título 7,  II Szilveszter második élete (A segunda vida de Silvestre II).

Em 1973, são editados em dois volumes os sete primeiros títulos do Breviário; em 1974, é editado o III volume com o oitavo título, Kanonizált kétségbeesés (Desespero  canónico); em 1984, surge o IV volume com o nono título, Véres szamár (Burro sangrento). Em 1993, é publicado postumamente o V volume com o décimo título, Euridiké nyomán (Nos passos de Eurídice).

Em À Margem de Casanova, Szentkuthy elabora uma narrativa delirante em que o escritor veneziano é mais pretexto do que texto. A profusão de referências culturais do autor, que demonstram uma erudição extraordinária, e a forma de as articular fazem com que seja comparado a Joyce ou a Borges. Eu acrescentaria Claudio Magris, autor triestino de Danubio e, também ele, um escritor da memória colectiva.

Neste livro, por intermédio de Casanova, desfilam perante nós a literatura, a pintura, a música, a religião, o teatro, a História, a vida e a morte, numa conjunção que solicita e implica a total adesão do leitor.

Além do título presente, foi também editado em português o tomo terceiro, Escorial.


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