quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

A EUROPA VISTA PELOS PORTUGUESES




Neste ano prestes a findar, a Europa esteve, pelas melhores e pelas piores razões, no centro das preocupações dos portugueses. E, como sempre, vozes se ergueram a favor e contra a pertença do nosso país não ao Velho Continente, que geograficamente integramos, mas à instituição que, progressivamente, o vem representando.

É, por isso, interessante, determo-nos um pouco sobre uma pequena obra, editada recentemente, e que se debruça sobre a ideia que os portugueses tiveram da Europa desde que o seu nome entrou na nossa literatura.

Refiro-me ao texto do prof. Martim de Albuquerque, A ideia de Europa no pensamento português, publicado originalmente em 1981, com o título "Primeiro Ensaio Sobre a História da 'Ideia da Europa' no Pensamento Português", no In Memoriam de Ruben Andresen Leitão e incluído depois nos Estudos de Cultura Portuguesa, vol. I (1984), daquele historiador e jurista. A presente reedição, mais de 30 anos depois do seu aparecimento, justifica-se pela actualidade que conserva.

Dissertando sobre a realidade geográfica, histórica, psicológica, política, religiosa, económica e jurídica da Europa, o autor recorda-nos que é difícil precisar a entrada da palavra Europa na nossa literatura, mas que alguns textos e a história comparada permitem determinar com segurança o sentido prístino que alcançou entre nós e que foi, prima facie, um sentido geográfico.  Nese sentido, a palavra é mencionada na Crónica Geral de Espanha de 1344.

Na sua viagem pelo tempo, Martim de Albuquerque fala-nos da cultura greco-latina dos humanistas, e da revolução cultural dos descobrimentos, que são as duas linhas de força na construção da ideia de Europa. Refere-se a Erasmo, o "humanista dos humanistas"  e alude às utopias ao gosto de Thomas Morus. Camões, n'Os Lusíadas, reconduzindo a Europa à ideia de cristandade, configura-a como uma realidade no campo dos valores.

Em menos de cem páginas, encontramos, entre muitos outros, António de Sousa de Macedo, autor de Flores de España, Excelencias de Portugal (1631), o Padre Raphael Bluteau, Vocabulario Portuguez e Latino (1728), Garrett, Portugal na Balança da Europa (1830), Solano Constâncio, O Observador Lusitano em Paris (1815), José Máximo Pinto da Fonseca Rangel, Projecto de Guerra Contra as Guerras, ou da Paz Permanente Offerecido aos Chefes das Nações Europeias (1821), Vicente Ferrer Neto de Paiva, Elementos de Direito das Gentes (1857) e Antero de Quental, Causas da Decadência dos Povos Peninsulares (1871) incluído em Prosas (1926).

Também a noção de Europa (e a própria Europa) sofre no século XIX uma das suas grandes crises. Sobre o tema se debruça também Eça de Queiroz, Prosas Bárbaras (1903) e Notas Contemporâneas (1908). Já Magalhães Lima havia traduzido, em 1874, Os Estados Unidos da Europa, de Charles Lemmonier, que Martim de Albuquerque publica em apêndice à obra em apreço. Na luta pela ideia de Europa, são ainda mencionados, no século passado, Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Afonso Duarte, Adolfo Casais Monteiro, Agostinho da Silva, etc.

Conclui Martim de Albuquerque: «O Ensaio permanece em aberto, à espera de oportunidade para se desenvolverem as pistas indiciadas e para se explorar, nomeadamente, a Literatura Contemporânea. No entanto, aqui fica já delineado o processo cultural português de uma temática fundamental na história da civilização: o conceito de Europa. Da mais embrionária e linear concepção - mitológica-físico-geográfica-material - à última perspectiva aqui por nós abordada, de tipo abstracto e espiritualista, a ideia de Europa vai desenvolvendo um longo percurso, diferentemente concebido, segundo as marcas culturais e ideológicas de cada época. Mas sempre como uma constante do ideário português.»


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