segunda-feira, 12 de maio de 2014

AS FRONTEIRAS NA EUROPA




Os referendos realizados ontem nas oblasti (províncias) ucranianas de Donetsk e Luhansk tiveram o resultado esperado. A esmagadora maioria da população manifestou-se a favor da independência relativamente à República da Ucrânia, cortando assim os laços com o governo de Kiev. Um segundo passo, ainda não avançado, é a integração na Federação Russa. Mesmo que o acto eleitoral não tenha respeitado as mais escrupulosas regras e que o escrutínio não tenha contado com a presença de observadores internacionais (que, aliás, recusaram o convite por considerarem o referendo ilegal), é um facto indesmentível que a afluência às urnas foi significativa e o resultado da votação suficientemente expressivo quanto à vontade popular. Segundo o  PÚBLICO, manifestaram-se pela separação 89,07% dos votantes em Donetsk e 96,2 em Luhansk.

Depois da Crimeia e das duas regiões agora em questão outras se seguirão no leste e sul do país, nesta vontade de se emanciparem do governo de Kiev. Era expectável, depois das manifestações na capital  do fim do ano passado e do início deste ano, e da tomada do poder por um grupo de duvidosa representação dos interesses do povo ucraniano no seu conjunto. Só espanta que no "Ocidente" não se tivesse previsto a eventualidade da secessão de parte do país e que os líderes europeus se tivessem empenhado não só na queda de Yanukovytch (o que não seria um mal, já que este não era uma pessoa muito frequentável, apesar disso constituir ingerência nos assunto internos de outro estado), mas, pior, no apoio aos "líderes" emergentes, tanto ou mais corruptos do que o deposto presidente.

Têm os governos da Europa Ocidental insistido na manutenção das fronteiras estabelecidas no pós-Guerra, o que não deixa de ser curioso, já que são os mesmos os artesãos da alteração de fronteiras, quando isso lhes interessa. De resto, a desagregação da Ucrânia não constitui um precedente.

Recordemos:

 Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, assistimos a uma primeira modificação: a reunificação da República Federal da Alemanha e da República Democrática Alemã, que originou, em 1990, a "nova" República Federal da Alemanha. Em 1993, a Eslováquia separou-se da Chéquia (Boémia e Morávia), pondo fim à Checoslováquia. Estas alterações foram pacíficas. Outro tanto não se poderá dizer da desagregação da Jugoslávia, iniciada em 1992. Primeiro, por pressão do Ocidente, maxime do Vaticano (sim, do Vaticano de João Paulo II) e da Alemanha, vimos a Eslovénia, a Croácia, a Macedónia e a Bósnia/Herzegovina abandonarem a Federação Jugoslava, que ficou reduzida à Sérvia e ao Montenegro,  e proclamarem a sua total independência. Em 2006, o Montenegro também se autonomizou, deixando sozinha a Sérvia, que era a cabeça e a mais importante das seis repúblicas da Federação. Pior, em 2008, depois de uma guerra sangrenta, a província autónoma do Kosovo (que não era uma república da Federação mas uma região da Sérvia), acedeu à independência, com o apoio político e militar do "Ocidente".

Mesmo sem alteração de fronteiras geográficas, ocorreram outras modificações de fronteiras, digamos políticas. O fim da União Soviética, em 1991, pôs fim à ligação umbilical da Federação Russa com as repúblicas da Estónia, Letónia, Lituânia, Bielo-Rússia, Moldávia, Ucrânia, Geórgia, Azerbaijão e Arménia.

Mesmo Chipre fora já dividido, em 1974, em República de Chipre e República Turca do Norte de Chipre.

Além disso, encontram-se em curso (aguardam-se os desenvolvimentos) os processos autonómicos da Escócia (em relação ao Reino Unido), da Catalunha (em relação a Espanha), da Flandres (em relação à Bélgica), da Lombardia (em relação à Itália). E, possivelmente, haverá mais.

Não se compreende, por isso, a excitação da União Europeia relativamente à Ucrânia. Ou melhor, compreende-se demasiado bem. Tal gesticulação está de acordo com a falta de vergonha de americanos (que neste caso são também parte interessada) e europeus. Vladimir Putin, que já fora enganado pelo "Ocidente" quanto à neutralidade dos ex-países da chamada "cortina de ferro" e até quanto à dos países da própria ex-União Soviética e havia "permitido" a dissolução da Jugoslávia e a independência do Kosovo, não está na disposição de assistir, impávido e sereno, ao cerco (pois de um cerco se trata) da Rússia. E tem a ambição de reconstituir, tant bien que mal, a antiga União Soviética.

O Ocidente fornece-lhe os pretextos.

2 comentários:

Anónimo disse...

Putin tem feito um bom trabalho na Rússia. Pena é as suas manias da "moral sexual", um tema que sempre provoca divisões na sociedade. Sobre esse aspecto, mais valia estar calado.

Anónimo disse...

Para a massa anónima da população russa nada disso interessa, pois o que sempre amaram e desejaram foram líderes fortes o resto, é conversa mole p'ra boi dormir!Essas ninharias deixam-nas para os chamados líderes da Europa Ocidental, que são apenas marionetas risíveis de outros interesses inconfessáveis, dos quais nem vale a pena falar, tão inúteis e fracos são. Não há dúvida, que como diz o nosso bloger, a Rússia vai reconstituí-se aos poucos, e armar, quer gostemos quer não. Disso já não existe a mais pequena dúvida. Os fracos e cobardolas do Ocidente que se organizem!
Olho Vivo