sábado, 31 de maio de 2014

A PRIVATIZAÇÃO DA MIJA




A fúria privatizadora deste Governo, das autarquias e dos agentes públicos não conhece limites. Todavia, em algumas áreas, esse zelo é mesmo anterior à vaga neoliberal que agora assola o país. Tomemos como exemplo os sanitários públicos.

Na vigência do Estado Novo, existiam, que eu ainda me lembro, diversos urinóis públicos espalhados pela cidade de Lisboa, onde qualquer cidadão, gratuitamente, se podia aliviar. Já não sou do tempo das famosas vespasianas, em chapa, que, como os coretos, prestavam os seus serviços nos jardins públicos. Inegáveis peças de mobiliário urbano de indesmentível utilidade, sobre as quais Marina Tavares Dias, em homenagem a essa Lisboa Desaparecida, talvez pudesse publicar um livro.

Depois da Revolução de Abril, começou a verificar-se um movimento antidemocrático no que à urina diz respeito. Os sanitários públicos que sobreviveram à destruição das vespasianas começaram a ser progressivamente encerrados. Um dos casos mais lamentáveis  foi o do célebre urinol do Rossio, que serviu inúmeras gerações de cidadãos. Um após outro os urinóis foram sendo extintos, surgindo em seu lugar, e apenas em alguns lugares, umas casinhas esquisitas, sujeitas a estipêndio, habitualmente avariadas e que, por óbvia falta de utilização, foram, na maior parte dos sítios, retiradas. Deve acrescentar-se que a maior parte das pessoas tinha medo de lá entrar.

Subsistiram, é certo, ainda durante alguns anos, os sanitários das estações de caminho de ferro, mas mesmo esses, com o andar do tempo, não escaparam à sanha persecutória. Ou foram encerrados ou privatizados, sendo que hoje quem não tiver uma moedinha para introduzir na ranhura não mija.


Creio que a política das administrações dos caminhos de ferro foi, durante uns meses, fechá-los por períodos de alguns dias, possivelmente para o público se ir habituando, com a desculpa de que se encontravam em manutenção ou que se haviam registado actos de vandalismo. O caso da Estação do Cais do Sodré é um exemplo flagrante. A intermitência da possibilidade de urinar gratuitamente arrastou-se ao longo de um ano, até à decisão drástica de colocar à entrada uma espécie de parquímetro que, no caso, bem se poderia apelidar de urinómetro.


Tenho ouvido os mais veementes protestos contra esta política que, especialmente num período de crise, obriga os cidadãos a uma espórtula para satisfação das suas necessidades fisiológicas, nos poucos locais que restam. Tanto mais que é proibido urinar na rua, ainda que, de noite, muitos se aventurem a tal. E o recurso aos WC de cafés, hoje raros em Lisboa, não é solução, já que os proprietários dos mesmos, identificados com as novas teorias (se queres mijar, pagas), reservam a utilização aos clientes dos estabelecimentos.

Suponho que a situação existente em Lisboa é comum ao resto do país.

Não me recordo, todavia, da comunicação social se ter debruçado alguma vez sobre esta eliminação de tão necessários serviços públicos, mas talvez seja distracção minha.

Uma coisa é certa: não é democrático um país que priva os seus habitantes, encontrando-se no espaço público, de urinar quando têm vontade. Por isso, e usando do direito à indignação, protestamos contra os poderes fácticos que limitam, e mesmo impedem, o direito à micção!


quarta-feira, 28 de maio de 2014

A CRISE NO PARTIDO SOCIALISTA




Não me surpreende a crise no Partido Socialista. Ou melhor, surpreende-me que só agora tenha ocorrido. Ao longo dos três anos de liderança de António José Seguro, o PS esteve longe de protagonizar a oposição que a política criminosa do actual Governo requeria. O discurso socialista tem-se limitado a enunciar propostas vagas com nenhum efeito na vida nacional e o partido nem mesmo apoiou o Manifesto dos 70, esse sim um documento fundamental, assinado por pessoas de todos os quadrantes políticos, e em que se pedia a reestruturação da dívida.

A pouca expressiva votação no Partido Socialista, nas eleições europeias de domingo passado, deveu-se ao facto do PS actual não ser considerado uma alternativa à governação da coligação PSD/CDS. Daí muitos potenciais eleitores socialistas terem optado por votar branco/nulo, por se abster ou por votar noutras forças, como no Partido da Terra ou mesmo no Partido Comunista.

Como secretário-geral do PS, António José Seguro tem demonstrado não ter as qualidades mínimas para a liderança do partido, e o resultado obtido nas últimas eleições demonstra amplamente que não convenceu os eleitores. Por isso, muitos saúdam a disponibilidade de António Costa para concorrer à sucessão, como, aliás, já fora previsto o ano passado.

Não sei se António Costa é a figura ideal para "reabilitar" o Partido Socialista. Confesso que a sua gestão do Município de Lisboa deixa, na minha opinião, muito a desejar. Mas presumo que não faça pior do que Seguro.

A verdadeira questão não é, fundamentalmente, de pessoas mas de políticas. Sabemos todos, ou sabem, pelo menos, as pessoas minimamente informadas, que a crise portuguesa (e europeia) não tem solução no quadro das normas institucionais vigentes. Tudo quanto se faça para mascarar a indisfarçável realidade de uma União Europeia bloqueada é pura fantasia. A demonstrá-lo, os inequívocos resultados obtidos por partidos de extrema-direita e extrema-esquerda nas recentes eleições.

Uma das razões do fracasso dos partidos socialistas europeus nas eleições europeias explica-se pela sua adesão progressiva à ideologia neoliberal que se instala na Europa. A votação no Partido Socialista Francês (graças a Hollande) foi humilhante. Já o mesmo acontecera, anteriormente, quando os partidos comunistas europeus se distanciaram do Partido Comunista da União Soviética: desapareceram. O PCP, porque resistiu, subsistiu. Pode-se criticá-lo pela sua ortodoxia, mas esta foi a sua salvação. E a sua expressão tenderá a aumentar se os outros partidos de esquerda desistirem perante o que julgam ser a irresistível ascensão da direita neoliberal, que já nem é bem uma direita, mas um conjunto de interesses meramente especulativos que se apoderou do poder político europeu.

Assim, mais do que saber se António Costa sucede ou não a António José Seguro, importa conhecer as propostas do primeiro, já que quanto ao segundo estamos conversados.


segunda-feira, 26 de maio de 2014

GLÓRIA A CARLOS QUINTO



Carlos Quinto, pelo Tiziano (Museu do Prado)

É pacífico afirmar-se que Verdi é um dos maiores compositores operáticos, senão mesmo o maior, de todos os tempos. Já é mais difícil hierarquizar as suas óperas, sendo que tal classificação é sempre um exercício arriscado e, afinal, irrelevante, uma vez que a beleza das criações é, por natureza, incomparável.

Uns escolherão Otello ou Macbeth (para ficarmos em Shakespeare), outros optarão por Aida, ou Un ballo in maschera ou Simon Boccanegra. Para mim, Don Carlo é, por excelência, a criação superior de Verdi.

Tem sido escrito, muitas vezes, que Don Carlo, que se inspira no poema dramático Don Karlos, Infant von Spanien, de Schiller (com libretto de Joseph Méry e Camille du Locle, traduzido para a versão italiana por Achille de Lauzières, Angelo Zanardini e Piero Faggioni), deveria chamar-se "Filippo", tal a importância de Filipe II no poema e na ópera. Pessoalmente, entendo que a denominação mais adequada seria "Carlo Quinto", já que é à sombra do sommo imperatore, que o drama se desenrola.


A mais recente criação operática de Don Carlo teve lugar em 13 de Agosto do ano passado, durante o Festival de Salzburg, tendo o vídeo desta notável realização sido agora editado em DVD, para grande satisfação dos melómanos.


(Clique na imagem para aumentar)

A produção de Salzburg foi servida por um extraordinário naipe de cantores, incluindo Jonas Kaufmann (Don Carlo), Anja Harteros (Elisabetta de Valois), Thomas Hampson (Rodrigo, Marchese di Posa), Matti Salminen (Filippo II), Ekaterina Semenchuk (Principessa Eboli) e Eric Halfvarson (Grande Inquisitore). Uma palavra para a participação especial de Robert Lloyd, já septuagenário, no pequeno papel do espectro de Carlos Quinto, e que foi em tempos um notável intérprete de Filipe II, nesta mesma ópera.



O maestro Antonio Pappano dirigiu a Orquestra Filarmónica de Viena e a encenação esteve a cargo de Peter Stein, que assinalou devidamente a presença tutelar de Carlos Quinto ao longo da ópera, apresentada na sua versão integral (4 horas). Também teve Stein o mérito de evidenciar a amizade amorosa existente entre o infante Dom Carlos e o marquês de Posa (um desempenho brilhante de Jonas Kaufmann e Thomas Hampson), nem sempre convenientemente realçada em outras realizações da ópera.

Sabemos todos que a versão dramática de Schiller não respeita a verdade histórica, já que o poeta molda os acontecimentos às suas conveniências românticas. Também o libretto utilizado por Verdi não é fiel ao poema de Schiller, ambos sacrificando a veracidade dos factos para satisfação de leitores e ouvintes, ao gosto das respectivas épocas.


A paixão de Dom Carlos pela madrasta (Elisabeth de Valois) é uma fantasia de Schiller retomada por Verdi, já que o infante era homossexual (cf. Jan Bremmer, Moments in the History of Sexuality, Utrecht, 1989). É por isso que nas encenações modernas da ópera se salienta a sua ligação ao marquês de Posa, que o texto do libretto permite realçar.

As convicções "liberais" de Dom Carlos e o seu empenho na luta dos patriotas flamengos são também uma invenção literária, uma vez que o infante, fruto de uma muito próxima consanguinidade, não era um cérebro político, e, para mais, ficou muito afectado por uma queda que deu aos 17 anos. É certo que odiava Filipe II, que, aos 23 anos,  o encerrou numa masmorra onde morreu seis meses depois, devido a doença ou mandado assassinar pelo pai, segundo alguns depoimentos.

Armas de Carlos Quinto

Tive ocasião de me referir aqui e aqui à pessoa do imperador e à ópera de Verdi. Nunca é demais evocar a poderosa figura de Carlos Quinto e, nesse aspecto, não só é claro o texto de Schiller como a música de Verdi suficientemente majestática. Quando as encenações servem esse desígnio, como é o caso desta produção de Salzburg, e os cantores excelentes, então o espectáculo é perfeito.

Para os interessados, indica-se o endereço (http://www.gutenberg.org/files/6789/6789-h/6789-h.htm#link2H_4_0001) onde podem encontrar a versão inglesa do poema de Schiller.

Um dos temas relevantes da ópera é o das relações entre a Igreja e o Estado, exemplificado na cena entre Filipe II e o Grande Inquisidor, que termina com esta frase do rei: «Dunque il trono piegar dovrà sempre all'altare!». A aparição do espectro de Carlos Quinto no final da ópera encerra a moralidade da estória: »Il duolo della terra/nel chiostro ancor ci segue;/solo del cor la guerra/in ciel si calmerà.»

Mosteiro de Yuste

Carlos Quinto, em 1556, abdicou da coroa do reino de Espanha a favor de seu filho Filipe II e da coroa do Santo Império Romano Germânico a favor de seu irmão Fernando I, que seria eleito imperador em Frankfurt, conforme as regras, em 1558. Depois da abdicação, retirou-se para o mosteiro de Yuste (San Giusto) onde morreu em 1558, poucos meses após a confirmação de seu irmão no trono imperial. Foi enterrado no mosteiro, tendo os restos mortais sido trasladados mais tarde para o mosteiro de San Lorenzo de el Escorial. É precisamente no mosteiro de Yuste que decorre o V (e último) acto da ópera Don Carlo.

Como curiosidade, note-se que Carlos Quinto (de Habsburg) é o único monarca a ser designado não pelo número romano (V) mas por extenso (Quinto), o que simboliza a grandeza da sua majestade.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

A INUTILIDADE DO VOTO ?




Encontro, a cada passo, pessoas que me dizem ir abster-se de votar nas eleições do próximo domingo. Primeiro, porque, tratando-se de eleições europeias, os resultados nada mudam na política nacional; segundo, porque, tratando-se de eleições europeias, os resultados também nada mudam na Europa. Essas pessoas têm, parcialmente, razão. Uma votação altamente penalizadora para a coligação que suporta o Governo não implica a demissão do mesmo; uma eleição altamente penalizadora para os partidos que suportam as políticas de austeridade não tem especial significado, já que o peso de Portugal no Parlamento Europeu é pouco mais do que residual. Pior. Mesmo que a votação a nível europeu significasse uma considerável derrota para os partidos que, na União Europeia, apoiam as políticas neo-liberais que estão (consciente ou inconscientemente) a destruir o Velho Continente, tal resultado não se traduziria na composição da nova Comissão Europeia, já que Angela Merkel teve a bondade de nos informar há dias que já estava escolhido pelos partidos da coligação governamental alemã (a CDU e o SPD) o novo presidente da Comissão e, certamente, uma parte dos seus membros.

Esta declaração da chefe do Executivo de Berlim (cujos membros são apenas a parte visível do "governo secreto alemão"), apesar da habitual desfaçatez da senhora, não pode deixar de provocar algum assombro. Segundo as regras da União, compete ao Parlamento Europeu aprovar o nome do presidente da Comissão (embora este seja proposto pelo Conselho Europeu) e da sua equipa. Estará Merkel tão segura de que a futura composição do Parlamento se inclinará perante o seu diktat? E, caso afirmativo, o que andaram a fazer, em campanha eleitoral pela Europa, o sr. Jean-Claude Juncker (pelo Partido Popular Europeu) e o sr. Martin Schultz (pelo Partido Socialista Europeu), dado que consta que a escolha de Merkel recaiu na srª Christine Lagarde (uma opção com certeza acarinhada por Sarkozy, que havia já propulsionado a sua ministra para o Fundo Monetário Internacional, e que provocará alguma satisfação ao chauvinismo gaulês)? A resposta só pode ser uma: representaram uma farsa, à custa deles (o que menos importa) e à custa dos cidadãos europeus.

Todavia, não é de todo inútil votar nas eleições do próximo dia 25. E, especialmente, votar bem. Sabe-se que os votos dos devotos tradicionais dos partidos são geralmente estáveis. Mas a grande massa dos eleitores, que não é filiada em partidos nem nutre especial afecto por eles, pode desempenhar, no período de grave crise que atravessamos, um papel relevante.

Os partidos do chamado "arco da governação", que são os responsáveis pela tragédia em que nos afundamos, e que não propuseram durante a campanha que hoje termina quaisquer soluções práticas e realistas para minorar as consequências do resgate, até porque comungam da visão da super-estrutura comunitária, merecem sofrer, nos votos, a indignação dos cidadãos eleitores. Daí, a importância de reduzir uma abstenção que se prevê enorme. Uma votação expressiva nos partidos fora do sistema, nomeadamente nos que apresentaram algumas ideias sobre a Europa, e as relações de Portugal com ela, constituirá um aviso sério à Aliança Portugal (que incorpora o PSD, que mentiu descaradamente para chegar ao poder, e o CDS) e ao Partido Socialista.

Os portugueses precisavam de saber claramente o que pensavam esses partidos (numa altura em que o caos progressivamente se instala a nível europeu) sobre a reestruturação da dívida, a permanência de Portugal na Zona Euro, e até na União Europeia, e muitas outras coisas indispensáveis para compreenderam o seu futuro comum. Mas nada lhes foi dito a respeito de tão importantes matérias, tão só banalidades irrelevantes. Dos partidos com assento parlamentar nacional, a verdade é que só o Partido Comunista e o  Bloco e Esquerda elaboraram algum discurso e enunciaram as suas intenções.

Por isso, a votação nos partidos que não sacrificam no altar de Berlim,  a votação portuguesa e a votação dos outros países, é urgentemente indispensável. O "governo secreto alemão" sonha a edificação do IV Reich, como tem sido dito e escrito muitas vezes ao longo dos últimos anos. Agora a criação do lebensraum já não se dirige para Leste mas para Ocidente, apesar das recentes tentativas parcialmente frustradas de intromissão na Ucrânia. Porque não há duas sem três, como diz o povo, a Alemanha, duas vezes derrotada militarmente tenta a terceira oportunidade, agora por meios políticos, diplomáticos, económicos e financeiros. Só intervirá manu militari em caso desesperado. Mas não parece disposta a desistir. O sonho de ressuscitar o Velho Império de Carlos Magno e de Carlos-Quinto, tentado por Guilherme I, afundado por Guilherme II, recuperado e novamente afundado por Adolf Hitler, permanece num povo que, ao longo da História, tanto contribuiu para a cultura universal. Uma contradição humanística ou uma vocação deliberada para considerar untermenschen os seus próximos?

Um Parlamento Europeu maioritariamente composto por deputados opostos à ideologia dominante do directório franco-germânico da União obrigará este a alterar as suas políticas ou a realizar um coup d'État comunitário, o que implicará, inevitavelmente, a queda da máscara pretensamente democrática que ostenta.

O dilema que se coloca no domingo aos cidadãos europeus é, realmente, tão simples como isto: ou a manutenção da actual situação agónica, que levará à implosão pelo menos dos países do sul da Europa, após inúteis sacrifícios das suas populações; ou a refundação de todo o Projecto Europeu.

Em qualquer caso, o regime "contratual" vigente na Europa é insustentável por muito mais tempo.

Esta é uma poderosa razão para votar no domingo, e votar bem!

terça-feira, 20 de maio de 2014

A IRRESISTÍVEL PAIXÃO POR SE DESPIR




Cristiano Ronaldo posou nu para a revista espanhola Vogue, segundo informa o PÚBLICO, embora a parte mais cobiçada pelos adeptos tenha ficado oculta pelo corpo (vestido) da namorada Irina. Não que as intimidades de Cristiano não tenham sido já reveladas por fotos colocadas na net, mas os admiradores entusiasmam-se sempre com as aparições em pelo ou, melhor dizendo, depilado em que CR7 é pródigo e exímio.

Esta revisitação do corpo do jogador, depois de muitas outras, nomeadamente para publicidade de roupa interior, revelam o não obscuro objecto do desejo de Ronaldo que é a exibição do corpo, com a cumplicidade de talentosos fotógrafos capazes, como se diz na peça, de «fotografar quase a alma das pessoas». Nada mais verdadeiro.

Não pomos em dúvida, por um segundo, a genialidade de Cristiano Ronaldo como jogador de futebol, mas estamos igualmente convencidos de que a exposição mediática dos seus nus "aproximativos" contribuiu muito para a fama de que desfruta mundialmente.

É incontestável que Cristiano, desde a passagem pelo Manchester United, gere com mestria a sua carreira, inclusive este striptease mundano em que vai despindo progressivamente mais uma peça de roupa, dos cartazes de Armani às páginas da Vogue.

Esperamos vê-lo ainda, num futuro não muito distante (pelo menos enquanto os atributos físicos lhe forem propícios) no nu integral que a Pátria reclama, para que possamos afirmar, sem sombra de hesitação ou de pecado, que é ele o VERDADEIRO ARTISTA.

sábado, 17 de maio de 2014

A VIDA PRIVADA




O escritor francês Olivier Steiner (n. 1976) publicou há dois meses La vie privée, o seu segundo romance.

Para prevenção do leitor, transcrevemos da contracapa:

Huis clos dans une maison de bord de mer. Tandis que la dépouille d'Émile repose dans une chambre à l'étage, le narrateur attend le dominateur. Une voiture se gare, c'est lui, le voilà dans l'embrasure de la porte, pile à l'heure, et sa ponctualité est déjà une forme de sévérité. Se joue alors la scène primitive, danse d'Éros et Thanatos, entre ombres et lumières, "sexe et effroi". Poussés au derniers retranchements de la chair et de l'esprit, les corps exultent, souffrent et jouissent, livrent leur essence même. Avec La vie privée, Olivier Steiner signe un voyage sans retour, magnifique oraison funèbre, expérience de lecture rare où se dévoile notre humanité dans ce qu'elle a de plus noir et de plus cru.

Ao longo de centena e meia de páginas, o narrador, um jovem que fora acolhido pelo octogenário que agora jaz no salão, enuncia um monólogo entre o real e o onírico, aludindo ao seu relacionamento sexual ante e post-mortem com o defunto. Espíritos puritanos serão tentados a considerar o livro obsceno e abjecto, e até ridículo (sobre o ridículo das situações conferir p. 56), tais os pormenores com que o autor nos brinda. Puro engano. Ao evocar com precisão o passado, e o presente, e reflectindo sobre a condição humana, Olivier Steiner desenvolve uma narrativa certamente cruel mas de uma autenticidade profunda. Onde uns verão apenas uma imaginação delirante, e doentia, encontrarão outros uma meditação acerca dos arcanos do corpo e do espírito.

Uma imagem que poderia figurar no livro, se este fosse ilustrado

Realmente, La vie privée é menos uma obra abominável do que um insondável percurso místico.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

A EUROPA DO MEDO

A Europa do medo

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A propósito da publicação do livro do general Loureiro dos Santos abaixo referenciado, Fernando Dacosta publicou hoje no jornal "i" o texto que reproduzimos:

“A União que os europeus pensaram ser de solidariedade e de entreajuda está em vias de se transformar numa União do Medo”, sintetiza o general Loureiro dos Santos no seu notável livro “Reflexões Sobre Estratégia VII – Tempos de Crise”, agora em lançamento.

Especialista em questões de defesa – que perspectiva sob prismas culturais, históricos, sociológicos, económicos, políticos – o autor reafirma-se como um dos nossos pensadores, na sua área, de maior acutilância. A situação do mundo, da Europa e de Portugal (evoluções e alternativas) estrutura a sua última obra, tornando-a uma singular reflexão de lucidez e oportunidade, e actualidade. Rejeitando visões monetaristas, Loureiro dos Santos desmonta a ditadura da economia, da austeridade, da subserviência aos neo-imperialismos que estão a pôr em causa “a coesão social” e “os regimes democráticos”.

Uma consequência dessa política será o “afastamento dos 17 estados da União não pertencentes à zona euro, relativamente ao bloco germano-eslavo”; estados que passarão a aceitar novas e maiores “aproximações aos EUA”, fruto da sedução exercida sobre eles por parte de Washington, a fim de poder “constituir-se (juntamente com a Inglaterra e os restantes 16) um bloco marítimo” que evite “uma Europa alemã”, uma Europa onde a UE, a conformar-se já com “o seu próximo desmantelamento”, pouco contará.

De novo à solta, “os demónios da germanofobia” espalham-se pelos desfavorecidos, pelos humilhados povos europeus numa reacção às acusações “de laxismo e de gastadores” ante “o rigor e a disciplina germânicas”, o que recorda a arrepiante retórica “dos comícios que proclamavam uma raça ariana superior”.

Dada a importancia desta obra, sobre a qual Fernando Dacosta traça pertinentes comentários, a ela voltaremos brevemente.


segunda-feira, 12 de maio de 2014

LAMPEDUSA, OUTRA VEZ

 

Segundo o jornal "i", uma embarcação com 400 imigrantes ilegais a bordo naufragou hoje a sul da ilha de Lampedusa, provocando um número ainda indeterminado de mortos; apenas cerca de 200 pessoas foram até ao momento resgatadas.

Já referimos várias vezes as tragédias que ocorrem no Mediterrâneo com norte-africanos que procuram atingir a Europa. O próprio papa Francisco se deslocou o ano passado a Lampedusa, a fim de "chorar os mortos" que ninguém chora, como referimos aqui.

Também na semana anterior, segundo o mesmo jornal, naufragou outro barco com imigrantes ilegais, ao largo da costa de Al Garabuli, a 50 quilómetros a leste de Tripoli. Dos 130 passageiros, foram resgatadas com vida 52 pessoas.

O fenómeno migratório iniciado há mais de uma década, registou um substancial incremento com as revoluções da "Primavera Árabe", ainda que muitos daqueles que pretendem atingir o Velho Continente sejam de origem sub-sahariana.

A União Europeia tem sido pródiga em promessas de ajuda, mas a realidade é trágica. Os damnés de la terre, na expressão de Frantz Fanon, não desistem de alcançar a "Terra Prometida", hoje decadente mas ainda assim melhor que os seus países. Como escreveu uma vez Umberto Eco, não haverá fronteiras que consigam impedir este afluxo migratório; nem se percebe porque se obstina a União Europeia, que passa a vida a preocupar-se com o decréscimo demográfico, em não permitir a entrada dessa gente no território comunitário. Assim como assim, mais valia uma entrada controlada que uma futura invasão em massa. E quanto às identidades nacionais, sempre elas se foram moldando às circunstâncias ao longo dos séculos, como a História aliás ensina.

AS FRONTEIRAS NA EUROPA




Os referendos realizados ontem nas oblasti (províncias) ucranianas de Donetsk e Luhansk tiveram o resultado esperado. A esmagadora maioria da população manifestou-se a favor da independência relativamente à República da Ucrânia, cortando assim os laços com o governo de Kiev. Um segundo passo, ainda não avançado, é a integração na Federação Russa. Mesmo que o acto eleitoral não tenha respeitado as mais escrupulosas regras e que o escrutínio não tenha contado com a presença de observadores internacionais (que, aliás, recusaram o convite por considerarem o referendo ilegal), é um facto indesmentível que a afluência às urnas foi significativa e o resultado da votação suficientemente expressivo quanto à vontade popular. Segundo o  PÚBLICO, manifestaram-se pela separação 89,07% dos votantes em Donetsk e 96,2 em Luhansk.

Depois da Crimeia e das duas regiões agora em questão outras se seguirão no leste e sul do país, nesta vontade de se emanciparem do governo de Kiev. Era expectável, depois das manifestações na capital  do fim do ano passado e do início deste ano, e da tomada do poder por um grupo de duvidosa representação dos interesses do povo ucraniano no seu conjunto. Só espanta que no "Ocidente" não se tivesse previsto a eventualidade da secessão de parte do país e que os líderes europeus se tivessem empenhado não só na queda de Yanukovytch (o que não seria um mal, já que este não era uma pessoa muito frequentável, apesar disso constituir ingerência nos assunto internos de outro estado), mas, pior, no apoio aos "líderes" emergentes, tanto ou mais corruptos do que o deposto presidente.

Têm os governos da Europa Ocidental insistido na manutenção das fronteiras estabelecidas no pós-Guerra, o que não deixa de ser curioso, já que são os mesmos os artesãos da alteração de fronteiras, quando isso lhes interessa. De resto, a desagregação da Ucrânia não constitui um precedente.

Recordemos:

 Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, assistimos a uma primeira modificação: a reunificação da República Federal da Alemanha e da República Democrática Alemã, que originou, em 1990, a "nova" República Federal da Alemanha. Em 1993, a Eslováquia separou-se da Chéquia (Boémia e Morávia), pondo fim à Checoslováquia. Estas alterações foram pacíficas. Outro tanto não se poderá dizer da desagregação da Jugoslávia, iniciada em 1992. Primeiro, por pressão do Ocidente, maxime do Vaticano (sim, do Vaticano de João Paulo II) e da Alemanha, vimos a Eslovénia, a Croácia, a Macedónia e a Bósnia/Herzegovina abandonarem a Federação Jugoslava, que ficou reduzida à Sérvia e ao Montenegro,  e proclamarem a sua total independência. Em 2006, o Montenegro também se autonomizou, deixando sozinha a Sérvia, que era a cabeça e a mais importante das seis repúblicas da Federação. Pior, em 2008, depois de uma guerra sangrenta, a província autónoma do Kosovo (que não era uma república da Federação mas uma região da Sérvia), acedeu à independência, com o apoio político e militar do "Ocidente".

Mesmo sem alteração de fronteiras geográficas, ocorreram outras modificações de fronteiras, digamos políticas. O fim da União Soviética, em 1991, pôs fim à ligação umbilical da Federação Russa com as repúblicas da Estónia, Letónia, Lituânia, Bielo-Rússia, Moldávia, Ucrânia, Geórgia, Azerbaijão e Arménia.

Mesmo Chipre fora já dividido, em 1974, em República de Chipre e República Turca do Norte de Chipre.

Além disso, encontram-se em curso (aguardam-se os desenvolvimentos) os processos autonómicos da Escócia (em relação ao Reino Unido), da Catalunha (em relação a Espanha), da Flandres (em relação à Bélgica), da Lombardia (em relação à Itália). E, possivelmente, haverá mais.

Não se compreende, por isso, a excitação da União Europeia relativamente à Ucrânia. Ou melhor, compreende-se demasiado bem. Tal gesticulação está de acordo com a falta de vergonha de americanos (que neste caso são também parte interessada) e europeus. Vladimir Putin, que já fora enganado pelo "Ocidente" quanto à neutralidade dos ex-países da chamada "cortina de ferro" e até quanto à dos países da própria ex-União Soviética e havia "permitido" a dissolução da Jugoslávia e a independência do Kosovo, não está na disposição de assistir, impávido e sereno, ao cerco (pois de um cerco se trata) da Rússia. E tem a ambição de reconstituir, tant bien que mal, a antiga União Soviética.

O Ocidente fornece-lhe os pretextos.

terça-feira, 6 de maio de 2014

PAGLIACCI




O primeiro-ministro, rodeado pelos membros do Governo, anunciou solenemente ao país, anteontem, que Portugal sairia do programa de assistência financeira sem necessidade de recurso a qualquer programa cautelar, aquilo a que tem chamado uma saída "limpa". Tal proclamação não constituiu, porém, novidade já que se esperava essa decisão, determinada mais pela vontade dos credores internacionais (a quem não interessava agora a criação de um novo sistema de protecção) do que pela vontade do Executivo, ainda que a medida lhe possa hipoteticamente granjear votos no próximo acto eleitoral. E não obstante se terem erguido autorizadas vozes discordantes, que teriam preferido uma saída protegida, digamos, uma saída "suja".

Todavia, esta exultação do Gabinete é penosa e risível, já que os portugueses (a maioria deles) continuam amarrados a uma austeridade excessiva e infrutífera que se prolongará para além da saída da troika, conforme defende o chefe do Governo (se este entretanto não for substituído), consubstanciada no Documento de Estratégia Orçamental (DEO) e na carta de intenções endereçada ao Fundo Monetário Internacional, mesmo que esta não contenha, conforme afirmou ontem a ministra das Finanças, mais do que o compromisso de "manter as reformas já implementadas e de avançar com as que foram anunciadas". Em condições "normais", continuaremos, pois, a ser periodicamente avaliados pelos nossos credores por mais uns vinte ou trinta anos. E quando escrevo em condições "normais", refiro-me à manutenção do status quo, cuja duração aliás não se prevê se prolongue por tanto tempo. A implosão da União Europeia, um cataclismo nos mercados, uma guerra na Europa ou mesmo uma terceira guerra mundial levarão à modificação radical das regras de jogo vigentes.

A proclamação supracitada do primeiro-ministro foi acompanhada de um leque de considerações sobre a situação económica e social, no estilo que já conhecemos e a que já estamos habituados. Passos Coelho permite-se dizer numa mesma semana tudo e o seu contrário. Primeiro, não haveria mais impostos para 2015; afinal, não só se manterão as taxas existentes (que deveriam terminar com o fim do programa de ajustamento) como o IVA sobe para 23.25 %. Primeiro, seria aumentado o salário mínimo; afinal, diminui, com o aumento da TSU dos trabalhadores para 11.2%. A contribuição extraordinária de solidariedade (CES) sobre as pensões, que deveria terminar com a saída da troika, mantém-se para o próximo ano praticamente idêntica com o novo nome de contribuição de sustentabilidade. Etc., etc., etc...



Pagliacci, de Leoncavallo - Jon Vickers no papel de Canio - Orquestra do Teatro alla Scala, direcção musical de Herbert von Karajan - Encenação de Paul Hager (1968)  - A 13' 31''


Vivemos num reinado de mentira e o princípio da confiança é sistematicamente atraiçoado com a maior leviandade. O exercício da política confunde-se com uma prática "clownesca", que só divertiria se não estivesse em causa a vida e a dignidade das pessoas. Seria avisado que o primeiro-ministro colhesse o conselho de Canio na ópera Pagliacci: «Un tal gioco, credetemi, È meglio non giocarlo.» Possivelmente, não conhece a ópera, e se porventura a conhece não lhe importa o aviso do palhaço. Lamentável, porque quando se der conta da realidade só ouvirá, também de muitas outras e notáveis óperas: «È tardì!».

Não sabemos que surpresas nos reservará o Orçamento de Estado para 2015. Todos os receios são poucos.  Será o presente Governo a elaborá-lo, já que certamente não se demitirá, mesmo que o resultado das eleições europeias lhe seja funesto. Mas importa que os portugueses nelas demonstrem a clara condenação de uma política errática (mesmo quando intencional), incompetente e subserviente de interesses alheios aos da generalidade da população. Os portugueses não serão absolvidos pela História se não se verificar uma clara derrota nas urnas da actual maioria governamental.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

VICHY EM SIGMARINGEN




O mais recente livro de Pierre Assouline, Sigmaringen, publicado há pouco mais de um mês, é um marco na sua vasta bibliografia. Não obstante tratar-se de um romance, fornece-nos um conjunto de informações históricas que testemunham a vasta cultura e erudição do autor, o seu profundo conhecimento da época e, last but not least, transmite-nos, com pormenor, o métier de mordomo numa grande casa principesca.

Debruça-se  o livro sobre a permanência em Sigmaringen do governo exilado de Vichy, entre Agosto de 1944 e Abril de 1945. Uma dissecação do quotidiano das personagens, das suas inimizades, das suas idiossincrasias, das suas rivalidades, dos seus comportamentos, tudo analisado pelo narrador, o mordomo do Castelo de Sigmaringen, Julius Stein. Perpassam pelos nossos olhos, entre outros, o marechal Pétain, o presidente do Conselho Pierre Laval, o presidente da Comissão Intergovernamental Fernand de Brinon, o embaixador alemão em Paris Otto Abetz, os ministros Abel Bonnard e Marcel Déat, o secretário de Estado general Eugène Bridoux, o chefe da Milícia Joseph Darnand, o escritor Lucien Rebatet, o médico Bernard Ménétrel (clínico e conselheiro privado de Pétain), os jornalistas Jean Luchaire e Jacques Doriot e, inevitavelmente, o inefável dr. Destouches (mais conhecido como o escritor Louis-Ferdinand Céline). É, aliás, de Céline, a epígrafe do livro de Assouline: «C'est un moment de l'histoire de France qu'on veuille ou non... Ça a existé. Et un jour on en parlera dans les écoles.» De facto, a história  não pode apagar-se. O livro de Assouline confirma-o.

Castelo de Hohenzollern (Hechingen)

Ao longo do romance, o autor procede a uma descrição pormenorizada do Castelo de Sigmaringen, propriedade ancestral da família Hohenzollern, originária do burgo de Hohenzollern, perto da cidade de  Hechingen, na Suábia, durante o século XI. A família dividiu-se em dois ramos: o ramo Católico Suábio e o ramo Protestante Franconiano. O ramo Suábio governou a região de Hechingen até à revolução de 1848. Os membros do ramo Franconiano, uns tornaram-se margraves de Brandenburg, em 1415, e outros duques da Prússia, em 1525. Da reunião destas duas linhas, em 1618, veio a resultar o reino da Prússia, em 1701, que conduziu à criação do Império Germânico (II Reich), em 1871. O título margrave [Markgraf, em alemão, que significa defensor da "marca" (província)], introduzido por Carlos Magno, originou em português a palavra marquês.

O condado de Hohenzollern (ramo Suábio) foi fundado por Frederico II, burgrave de Nuremberg, que, em 1204, fundiu o condado de Zollern e o burgraviato de Nuremberg, assumindo o nome de Frederico IV. Em 1576 o condado foi dividido em três ramos: Hohenzollern-Hechingen, Hohenzollern-Sigmaringen e Hohenzollern-Haigerloch.

O conde João de Hohenzollern-Sigmaringen (1606-1638) foi elevado a príncipe em 1623. Em 1850, o principado foi passado ao ramo franconiano da família, pelo príncipe Karl Anton (que veio a ser ministro-presidente da Prússia entre 1858 e 1862) e incorporado  no reino da Prússia. Contudo, ele mesmo e os seus descendentes continuaram a usar o título principesco de Fürsten von Hohenzollern-Sigmaringen até 1869, e ainda hoje usam o título de Fürsten von Hohenzollern.

Castelo de Sigmaringen

O condado de Hohenzollern-Haigerloch foi absorvido em 1767 pelo principado de Hohenzollern-Sigmaringen. 

O condado, e depois principado, de Hohenzollern-Hechingen foi também incorporado, em 1850, no ramo franconiano e integrado no reino da Prússia, tendo a linha sido extinta em 1869 por morte do príncipe  Konstantin.

O príncipe Carlos de Hohenzollern-Sigmaringen, fiho de Karl Anton, foi convidado em 1866 para substituir o príncipe Alexandru como príncipe soberano da Roménia. Em 1881, tornou-se rei dos Romenos, com o nome de Carol I.

Armas dos Hohenzollern

 A Casa de Sigmaringen esteve ligada às principais famílias reinantes europeias, incluindo a portuguesa. O rei D. Pedro V casou em 1858 (matrimónio não consumado) com a princesa Estefânia de Hohenzollern-Sigmaringen, irmã do futuro rei Carlos dos Romenos, supracitado.

O rei D. Manuel II  casou em 1913 com a princesa Augusta Vitória de Hohenzollern-Sigmaringen, matrimónio de que também não resultou descendência, ignorando-se se foi consumado ou não. Um azar das princesas nos maridos que escolheram, ou que as escolheram.

Como enfatiza Pierre Assouline, o castelo de Sigmaringen é imenso e abriga salões notáveis, como a Galeria Portuguesa, uma homenagem às ligações com o nosso país, ou o Salão dos Antepassados.

Castelo de Sigmaringen - Galeria Portuguesa

Castelo de Sigmaringen - Galeria Portuguesa (pormenor)

Castelo de Sigmaringen - Salão dos Antepassados

A Casa Hohenzollern, ramo de Brandenburg, reinou na Prússia de 1701 a 1918 e na Alemanha imperial de 1871 a 1918. Com a derrota do II Reich, o Império Alemão terminou em 1918 e o kaiser Guilherme II foi obrigado a abdicar, bem como o príncipe imperial Guilherme.

Armas dos Hohenzollern (imperiais)

Este romance de Pierre Assouline sendo uma obra de ficção é também uma obra histórica, tal a profusão de conhecimentos que o autor demonstra sobre o local e a época. Somos, através do narrador, transportados para o local e recuamos até 1944/5. Mas recuamos também na história do castelo e da família. Vestindo a pele do narrador, Assouline prodigaliza-nos igualmente uma soma de informações sobre a profissão de mordomo de uma casa principesca, que nos fazem imaginar de como ele muito bem saberia desempenhar tão exigente ofício.

Além do mais, trata-se de um livro muito bem escrito, com o rigor e o estilo a que o autor já nos habituou. No fim, Assouline inclui uma "Reconnaissance de dettes", em que agradece as contribuições de diversas pessoas para a elaboração do livro, à cabeça S. H. Karl Friedrich Fürst von Hohenzollern, e dos livros e artigos consultados, verdadeiramente uma imensa bibliografia, cuja elaboração é, por si, um notável trabalho.