quarta-feira, 13 de novembro de 2013

NÃO HÁ MAPA COR-DE-ROSA




Acabei de ler o último livro de José Medeiros Ferreira (JMF) Não Há Mapa Cor-de-Rosa - A História Mal(dita) da Integração Europeia. Trata-se de um interessante e oportuníssimo estudo sobre a União Europeia, seus antecedentes e seu percurso até ao presente momento.

O autor começa por abordar as anteriores tentativas de criar uma união no Velho Continente. Para se compreender a génese da ideia importa recuar ao fim da Primeira Guerra Mundial e ao I Congresso Pan-Europeu de Viena, em 1926, organizado pelo conde austríaco Richard von Coudenhove-Kalergi e que reuniu algumas das mais eminentes personalidades da época. Foi ele, aliás, que inspirou o estadista francês Aristide Briand na sua proposta de um "laço federal" para os países europeus em 1929.

A Grande Depressão e a subida de Hitler ao poder inviabilizaram os esforços de Briand e do ministro dos Negócios Estrangeiros (e ex-chanceler) alemão Gustav Stresemann no sentido da formação de uma espécie de embrião da comunidade europeia. Será, contudo, o regime nazi que avançará mais concretamente no plano de uma "Nova Europa", naturalmente sob a égide da Alemanha. A proposta de uma "Nova Ordem", proclamada por Hitler, assumirá contornos diferentes no decorrer da Segunda Guerra Mundial. O próprio Goebbels se referirá em 1940 à reorganização da Europa e, em 1943, Joachim von Ribbentrop propõe claramente, para depois da vitória militar do Reich (?) a criação de uma Confederação Europeia, englobando determinados países e deixando um "alargamento" ao critério do Führer.

Com a derrota da Alemanha, é a vez dos Aliados apresentarem os seus projectos. Prepara-se então o terreno para a "solução" Jean Monnet, enunciada na Declaração do ministro francês dos Estrangeiros Robert Schuman, de Maio de 1950, em acordo com o chanceler federal alemão Konrad Adenauer. Surge, assim, a CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço) em 1951, englobando a França, a Alemanha (Ocidental), a Itália, a Bélgica, os Países Baixos e o Luxemburgo. E, em 1957 a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia da Energia Atómica (Euratom), criadas pelo Tratado de Roma, ainda com os seis países citados. Aderiram posteriormente o Reino Unido, a Irlanda e a Dinamarca (1973), a Grécia (1981), Portugal e a Espanha (1986). As três entidades fundiram-se em 1965 (Tratado de Bruxelas). Com o Tratado de Maastricht (1992) é criada a União Europeia (UE). Seguem-se os tratados Amesterdão (1997), de Nice (2001) e de Lisboa (2007). Sem contar com o malogrado Tratado Constitucional de 2005, com o Pacto de Estabilidade de 1998, e o Pacto de Competitividade (2011). E ainda o Pacto Orçamental de 2012, sem esquecer a criação do Espaço Schengen (1985) e da Eurozona (1999). Entretanto, a União Europeia absorveu novos membros, designadamente os países da chamada Europa de Leste. São hoje, ao todo, 28 estados.

Como salienta JMF, há um número inimaginável de escritos sobre a UE mas a sua verdadeira historia é ainda mal conhecida. Constituída principalmente à margem dos povos (em que países estes foram consultados sobre a adesão ?), a sua evolução é também assunto discutido nos arcanos das chancelarias. Et pour cause. Hoje como ontem verifica-se a preeminência da Alemanha como a grande nação da Europa, capaz de impor a sua vontade (se não pelas armas, pelo dinheiro) aos outros países do continente.

Muito haveria a dizer sobre o problema continental europeu (a tensão França/Alemanha) e sobre a insularidade do Reino Unido. Sobre as causas e as consequências das duas guerras mundiais e também, para lembrar Keynes, sobre as consequências económicas da paz. 

Mais concretamente, sobre Portugal, JMF escreve:

«Pouco, ou nada, se sabe sobre o processo negocial de adesão (de Portugal) entre 1977 e 1985 e respectivo Tratado, embora ainda seja o período sobre o qual mais se escreveu.»

«Pouco, ou nada, se sabe sobre as derrogações dos períodos transitórios, sobre a reforma da PAC em 1992, e sobre os mandatos para as organizações comuns de mercados (OMC).»

«Pouco, ou nada, se sabe sobre a decisão da entrada do escudo no Sistema Monetário Europeu (SME) em Abril de 1992, embora seja sobre esse caso que existe a única confissão de um desaire negocial português em Bruxelas.»

«Pouco, ou nada, se sabe sobre a decisão da entrada do escudo na zona euro e sobre os procedimentos que levaram à taxa de conversão do escudo em euros, em 1999.»

«Pouco, ou nada, se sabe sobre as condições de aceitação do superveniente Pacto de Estabilidade e, no entanto, ele condiciona quase toda a política orçamental e a própria execução dos fundos comunitários desde 2001.»

Diz JMF: «Estão por escrever As Décadas da Europa...»

E ainda:

«O maior perigo que espreita a República Portuguesa é mesmo o da alienação da sua vontade de participar activamente na política internacional, no exacto momento em que os mecanismos próprios do sistema financeiro mundial e do funcionamento actual da UE tendem a anular os interesses de países como Portugal. Ora, a sociedade portuguesa só pode vencer esse desafio com uma política externa própria e activa. E sem novas ilusões sobre qualquer Mapa Cor-de-Rosa que o prolongamento das dificuldades tem tendência a suscitar.»

Sobre o livro mais não escreverei, porque seria sempre uma pálida imagem do seu conteúdo. Trata-se de uma obra que importa ler e compreender, de um valiosíssimo contributo para o esclarecimento de uma matéria que à força de ser tão falada se tornou quase hermética.

Acrescentarei tão só duas coisas. Primeiro, que me parece que o último capítulo (com várias repetições) foi escrito mais apressadamente que o resto do livro. Segundo, que a designação "Comendador de Crentes" (pag 46), atribuída ao sultão otomano, não é correcta. O sultão intitulava-se, por ser também Califa do Islão desde Selim I (1517), Comandante dos Crentes (Amir al-Muminin, em árabe:
أمير المؤمنين .

O título de Comandante dos Crentes é ainda hoje usado pelo rei de Marrocos e pelo sultão do Brunei.


1 comentário:

Unknown disse...

Não aprecio especialmente o autor, Jose Medeiros Ferreira. Reconheço que o livro tem algum mérito e permite-nos de algum modo guiar no meio deste emaranhado de mistérios, enigmas e negociações secretas que é a história da U.E., reservada a (alguns) iniciados e…e…e. A dominação alemã, que teve a preciosa ajuda de François Mitterrand, é hoje um facto incontornável. Por muito activa que seja a política externa portuguesa não consegue contrariar o curso dos acontecimentos que a ultrapassam largamente, nem Portugal tem qualquer peso negocial. É triste mas é uma verdade insofismável.
Francisco Henriques da Silva