sexta-feira, 7 de setembro de 2012

FOI VOCÊ QUE PEDIU UMA PRIMAVERA ÁRABE ?



As revoltas contra alguns regimes ditatoriais do mundo árabe, iniciadas no fim de 2010 na Tunísia e que alastraram ao Egipto, à Líbia, ao Iémen, ao Bahrein e à Síria, e provocaram contestações em outros países, tornaram-se conhecidas como "Primavera Árabe" e foram saudadas com entusiasmo (porventura excessivo) pela chamada comunidade internacional.

Importa notar que a falta de liberdade nesses países, a corrupção, as gritantes desigualdades económicas e sociais, a permanência no poder de líderes tornados vitalícios, a ausência dos mais elementares mecanismos de democracia representativa (salvo a fachada, em alguns casos), justificaram o aplauso e mesmo o apoio do mundo dito democrático às populações revoltadas.

Tiveram os levantamentos populares êxito rápido na Tunísia e no Egipto, onde os respectivos exércitos declinaram continuar a sustentar os regimes, mas na Líbia foi necessária uma intervenção internacional para provocar a queda da ditadura. No Iémen, após muitos confrontos, o presidente resignou e no Bahrein o exército saudita, a pedido do rei, esmagou a revolução. Na Síria, prossegue uma guerra civil, que já provocou milhares de mortos, sendo que os opositores do regime não são apenas sírios mas também (e maioritariamente) mercenários estrangeiros ao serviço de outros interesses.

Contas feitas, esperava muita gente que os novos governantes promovessem a instauração de regimes se não verdadeiramente democráticos, pelo menos tão democráticos quanto o conceito do mundo ocidental. Puro engano. Debrucemo-nos sobre a Tunísia e o Egipto, já que na Líbia e no Iémen a situação é ainda confusa. Realizadas eleições, consideradas mais ou menos livres, optaram maioritariamente os cidadãos por dar o seu voto aos partidos "religiosos", mais pelo facto desses partidos, enquanto na total ou semi-clandestinidade, desenvolverem uma acção social que os governos haviam descurado do que propriamente por convicções religiosas profundas. E o que está a acontecer agora? Instalados no poder, partidos como o Ennahda na Tunísia ou os Irmãos Muçulmanos (e seus aliados salafistas do partido An-Nur) no Egipto começaram a desenvolver uma política de acordo com os princípios religiosos que defendem, política que nada tem de democrático, e ainda a procissão vai no adro.

Mesmo que formalmente estejam a ser seguidas as regras da democracia representativa, começam a verificar-se casos de violência ou de constrangimento que nada auguram de bom. Ainda a semana passada, Jamel Gharbi, conselheiro regional da Sarthe (em França), foi violentamente atacado em Bizerta (Tunísia) por um gang salafista, perante a inércia das forças da ordem. Num país em que a maioria das mulheres (pelo menos nas cidades) usava cabeça descoberta, são as mesmas agora pressionadas a cobrir a cabeça com véu. A república laica de Bourguiba corre os maiores perigos e ainda não foi promulgada a nova Constituição. No Egipto, a televisão nacional autorizou igualmente às apresentadoras o uso do véu nas emissões, que era proibido desde a proclamação da república. Não que venha mal ao mundo pelo facto das apresentadoras usarem o hijab, mas o que se receia é que a partir da autorização venha a imposição. Também na Tunísia está em causa o estatuto da igualdade homem/mulher, que vem dos tempos de Bourguiba. Assim como, no país do jasmim, os obscurantistas religiosos, através da violência, tentam proibir todas as manifestações culturais que não estejam de acordo com os seus preconceitos, num incrível atentado contra uma vida intelectual e artística das mais avançadas do mundo árabe. O novo presidente egípcio, que já demitiu os mais altos comandos militares, tradicionais garantes de uma relativa igualdade entre muçulmanos e coptas (mais de 10% da população do país), apoia agora a contestação ao regime laico sírio de Bashar Al-Assad e fecha os olhos à repressão saudita no Bahrein.

Assistimos, assim, à progressiva instauração de uma ordem islâmica em países conhecidos pela sua abertura e tradições pacíficas. Aquilo a que Laurent Joffrin, nas páginas do Nouvel Observateur, denunciou como FASCISMO VERDE. Para que serviram então as revoluções contra as ditaduras, certamente corruptas e despóticas, se no seu lugar se instalam outras, embora de cariz diferente? Para que serviu a Primavera Árabe, que tanto excitou o mundo ocidental?

Curiosamente, ou não, na Arábia Saudita e nas petromonarquias do Golfo, os regimes mais totalitários do mundo árabe, não se passa (pelo menos aparentemente) nada. Nem os Estados Unidos e a Europa se preocupam minimamente.

Muitos dos que combateram os regimes de Ben Ali e Mubarak, e que, felizmente, não perderam a vida durante os violentos confrontos que os opuseram às forças policiais daqueles governantes, interrogam-se hoje se terá valido a pena tão frontal, arriscado e perigoso combate. Vive-se hoje, pelo menos do ponto de vista económico e social, muito pior na Tunísia e no Egipto do que no tempo dos ditadores depostos. Quanto mais não seja pela ausência de turismo, uma das importantes fontes de receita daqueles países, e também de investimento.

As ditaduras não são boas (embora algumas possam ser melhores do que certas democracias de fachada). Mas a ter de escolher-se entre uma ditadura laica e uma ditadura religiosa, parece-me não oferecer dúvidas de que se deve escolher a ditadura laica.


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