quinta-feira, 10 de maio de 2012

A PRIMAVERA ÁRABE EM DAMASCO



Parece que a chamada Primavera Árabe, que tanto entusiasmou a chamada comunidade internacional e uma parte das populações envolvidas, está a resvalar para uma catástrofe de proporções incalculáveis.

As notícias que hoje nos chegam de Damasco, onde duas explosões verificadas na zona de Qazzaz, a sul da capital, provocadas por carros armadilhados, provocaram mais de 50 mortos e centenas de feridos, podendo mesmo o número atingir um milhar, demonstram à saciedade o equívoco de apoiar movimentos sem real base de sustentação, ou a intenção deliberada de provocar o caos no mundo árabe. No momento em que a missão das Nações Unidas, segundo o plano de Kofi Annan, avalia a situação no terreno e tenta encontrar uma plataforma de entendimento entre as partes em confronto, este recrudescimento da violência tende a generalizar a guerra civil que já se vive no país.

Enquanto o governo de Assad responsabiliza os revoltosos por este acto sanguinário, os membros do chamado Conselho Nacional de Transição atribuem o morticínio ao regime, com o pretexto de demonstrar que são grupos ligados à Al-Qaeda (uma criação norte-americana, não o esqueçamos) que espalham o terror. Ignoro qual das hipóteses é verdadeira, mas não me parece credível que o regime esteja empenhado em incrementar o pânico no país, ao passo que todos sabemos que grupos fundamentalistas sunitas, a soldo do Ocidente, da Arábia Saudita, da Turquia, e dos países do Golfo (que  contribuem com dinheiro, com armas e até com homens para desestabilizar a região), se encontram operacionais em toda a Síria.

 Não sei o que pensam os chamados "Amigos da Síria", grupo de estadistas potencialmente criminosos, que sem mandato dos seus povos para intervir em países terceiros, logo se propuseram, consciente ou inconscientemente, derrubar o regime de Assad para instalar um "regime democrático" que se constata não ser mais do que uma generalizada guerra civil.

Depois da sinistra decisão de invadir e destruir o Iraque, tomada por dois dos maiores criminosos contemporâneos, Bush e Blair, acolitados por alguns serventes menores, que o mundo árabe não tem sossego. Já tinha havido antes a guerra no Líbano, mas fora um episódio, certamente terrível, mas localizado e comandado directamente por Israel.

A chamada "revolução do jasmim" na Tunísia, que, à primeira vista pareceu espontânea, está a transformar o país num estado islâmico fundamentalista. A invasão da Líbia e o assassinato de Qaddafi (que não sendo um modelo de virtudes merecia um julgamento independente) mergulhou o território numa guerra civil de que os jornais agora pouco falam, com a Cirenaica praticamente autónoma do resto da país e os apoiantes da Al-Qaeda a governar em Tripoli (não sei se com o aval do sionista francês Bernard-Henri Levy). No Egipto, onde o número de mortos soma e segue, e os partidos islamistas obtiveram para o parlamento, por convicção ou equivocação, uma votação esmagadora, não se vislumbra, mesmo com a eleição de um presidente da República, um período de tranquilidade, ainda que as Forças Armadas continuem a controlar o poder. Isto é, o cenário mais provável é uma guerra civil no Egipto, inicialmente de baixa intensidade. Em Marrocos, as concessões do rei proporcionaram um provisório período de acalmia, mas nada sabemos quanto ao futuro. A Argélia, perante manifestações e repressão vai-se aguentando, No Iémene, afastado o presidente Saleh, reina uma "relativa" tranquilidade.  Na Arábia Saudita e nos países do Golfo "não se passa nada". Curioso!!!.

Abstenho-me, por ora, de falar da África Central, onde os ventos não correm igualmente de feição.

Conheço a Síria, onde estive mais do que uma vez, ainda há poucos anos, e não me pareceu existir uma verdadeira e generalizada contestação ao regime. Por outro lado, tive oportunidade de constatar que as desigualdades económicas e sociais eram na Síria substancialmente inferiores ao resto dos países árabes, possivelmente com a exclusão da Tunísia. Creio poder mesmo afirmar que a Síria e a Tunísia eram, no seu conjunto, os países árabes (e conheço quase todos) com um nível educacional e económico mais elevado, os mais cosmopolitas e, se quisermos, os mais ocidentalizados, no que a palavra encerra de bom e não de mau. Reinava na Síria uma absoluta liberdade religiosa, num país com cerca de 20 confissões, cristãs, muçulmanas, judaica e outras, coexistindo com agnósticos e ateus. A liberdade que se pretende impor agora na Síria é a da perseguição a todos os que não seguirem a cartilha que eventualmente venha a ser adoptada caso se verifique uma queda do regime. Para além do êxodo populacional (só possível aos mais favorecidos), teremos, como no Don Carlo, de Verdi, "la pace dell'avel, a "paz dos cemitérios".

Intriga-me sempre a posição dos Estados Unidos no fomento (ou ajuda) destes conflitos nacionais, com o fim de degenerarem em conflitos regionais. Não creio que lucrem com isso, a médio prazo, a menos que se comprazam no ódio que é votado aos americanos em quase todo o mundo.

Recordo que o bombardeamento da Sérvia foi forçado até o último instante por Madeleine Albright. Que a invasão do Iraque (sendo Colin Powell secretário de Estado) foi pressionada por Condoleezza Rice. E que é agora Hillary Clinton que se arvora em campeã dos direitos dos sírios. Estas três mulheres têm levado a desgraça e a morte a milhões de seres humanos. Infelizmente, continuam vivas.


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