sexta-feira, 11 de maio de 2012

OS PRIMEIROS DIAS DE ROLAND BARTHES


Christian Gury, (n. 29/12/1950, Bordeaux) advogado honorário na Cour d'Appel de Paris, é também um escritor com vasta obra publicada, onde figuram livros como L'Extravagant Maurice Rostand, un ami de Proust et de Cocteau, Le Cardinal Grente, des maisons closes à l'Académie française ou Lyautey-Charlus, a que nos referimos aqui.

Este jurista, especialmente fascinado por Proust, acaba agora de dar à estampa Les premiers jours de Roland Barthes, précédé de Barthes en Arcadie. Não é, obviamente, um relato dos primeiros dias do autor de Fragments d'un discours amoureux, nem tão pouco dos primeiros anos, antes sim uma deambulação pela vida adulta de Barthes (e pela obra), num estilo muito ao gosto do autor, ainda que existam referências à sua infância e juventude. Livro recheado de alusões, citações e trocadilhos, esta nova obra de Gury pretende fazer-nos entrar na vida íntima de Barthes, nas suas frequentações (com relevo para a associação Arcadie, fundada em 1954 pelo antigo seminarista André Baudry, sob o patrocínio de Roger Peyrefitte, e dissolvida em 1982), na dupla personalidade Roland/Barthes, na sua frustração por não possuir um doutoramento de estado, na sua leccionação no Collège de France, na adoração pela mãe (que condicionou toda a sua vida e assumiu aspectos verdadeiramente doentios), em episódios do seu próprio conhecimento pessoal do Mestre.

De caminho, Christian Gury, como estudioso das marginalidades sociais,  aproveita a oportunidade para divagar sobre o meio homófilo parisiense, na prossecução dos seus estudos relativos à domesticação dos corpos e às fontes das obras dos escritores, avançando hipóteses originais, como a sustentada no livro acima referido de que o marechal Lyautey, que foi ministro da Guerra e residente-geral de França em Marrocos, um dos mais distintos oficiais da época e um apaixonado do mundo árabe, teria inspirado a Proust a figura de Charlus, em À la recherche du temps perdu.

O livro agora em apreço complementa, de certo modo, e à rebours, uma obra publicada em 2006, Les derniers jours de Roland B., por Hervé Algalarrondo, a que nos referiremos em próximo post. Como é do conhecimento geral, o Mestre, profundamente abalado pela morte da mãe, em 25 de Outubro de 1977, e que, por causa dela, manteve um diário entre 26 de Outubro de 1977 e 21 de Junho de 1978 (Journal de deuil, publicado em 2009), foi atropelado por uma camioneta, em Paris na Rue des Écoles, em 25 de Fevereiro de 1980, em consequência do qual viria a falecer, em 26 de Março, no Hospital de La Salpêtrière. Sustenta um amigo meu que Barthes teria visto no passeio oposto um rapaz que lhe despertou interesse, tendo atravessado inadvertidamente a rua. Opinam outros que se tratou de uma tentativa de suicídio. Nada faria prever, todavia, que o Mestre viesse a morrer por causa desse atropelamento, mas o seu passado de tuberculoso e também aquilo que poderíamos considerar como "desistência da vida" (ainda por causa da inultrapassável "orfandade" decorrente da morte da mãe), abreviaram os seus dias.

Figura do maior relevo no panorama intelectual francês e mundial da segunda metade do século XX, Roland Barthes, a que nos referimos neste post, deve ser lido, interpretado e meditado, pois a sua obra permanece, em boa medida, indispensável para a compreensão dos primeiros anos deste século XXI em que nos encontramos. E o seu percurso, apesar de todas as contradições, reais ou aparentes, constitui também uma lição de vida, lição certamente não inferior às que prodigalizou no Collège de France.


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