segunda-feira, 30 de abril de 2012

O AMANTE RUSSO



Publicado em 2002, L'amant russe, de Gilles Leroy, conheceu já várias edições, a última em fins de 2009. No livro, o autor descreve a grande (e única) paixão da sua vida. Única até 2008, quando Leroy encontrou em Bucareste o jovem romeno evocado no livro Dormir avec ceux qu'on aime, a que fiz referência neste post.

Na obra que hoje se comenta, descreve Leroy  (n. 1958) uma visita à União Soviética, presumivelmente em 1974, já que o escritor refere ter na altura 16 anos. Integrado numa visita de estudo de jovens comunistas franceses (não sendo ele comunista) que percorre durante três semanas o vasto território da União, a viagem termina em Leninegrado, onde acontece o coup de foudre. Instalado durante alguns dias no Hotel Kiev, na Dnepropetrovskaja, Leroy e o seu grupo prosseguem o programa previamente estabelecido, entre visitas a fábricas e a museus, serões musicais e de dança (à moda da época) e assistência à projecção de filmes, sempre acompanhados pelos jovens camaradas komsomols (os membros do Komsomol, a União Comunista da Juventude (Kommunisticheskii Soyuz Molodyozhi)). Mas o imprevisto acontece, e marca o escritor para o resto da sua vida. Numa das muitas sessões oferecidas aos visitantes, para os distrair mas também para enaltecer a superioridade do regime soviético, Gilles Leroy cruza o seu olhar com um jovem russo de 26 anos, Vladimir K., de diminutivo Volodia, e logo se estabelece uma cumplicidade, primeiro feita de pequenos nadas (olhares, palavras, meros toques), depois mais arrojada, embora cuidadosa, por causa da presença dos rapazes e raparigas franceses, mas especialmente dos russos, para os quais intimidades homófilas eram banidas pelo regime então vigente e, segundo o que parece, ainda pelo regime actual, pelas notícias que nos chegam quotidianamente dessas paragens.

Entre esperas e desesperanças, encontros e desencontros, alguns contactos furtivos, Leroy anseia pela sua hora. Que tarda. E é apenas no penúltimo dia, quando tudo parece perdido, que, durante a visita do grupo a uma escola de agronomia (em dia feriado e, por isso, deserta), no salão da qual será projectado um filme, que Volodia ordena ao jovem Leroy que, terminada a sessão, suba as escadas até ao terceiro andar.

Volodia aguarda-o no alto da escadaria, longe dos olhares indiscretos dos colegas, e condu-lo por intermináveis corredores em direcção aos lavabos da instituição. E aí, fechados num dos compartimentos, o jovem russo possui o ainda mais jovem francês. Tudo se passa em escassos minutos, quiçá em escassos segundos, mas o acto fora consumado. Cumprira-se o destino e Leroy conservou até hoje a recordação dos momentos mais inesquecíveis da sua vida. No dia seguinte, despediram-se normalmente na estação de caminho de ferro, e o (futuro) escritor regressou a Paris. Não voltaram a ver-se, mesmo após o fim do regime soviético.

Ao longo de quase meio-século, Leroy conheceu (no sentido bíblico do termo, obviamente) centenas de homens. Mas nenhum o fez esquecer o longínquo Volodia, cujos olhos o fascinaram desde o primeiro momento. Até o dia em que surgiu, em 2008, em Bucareste, outro jovem igualmente fascinante, o romeno Marian Iliescu, com quem mantém uma relação, também efémera, mas mesmo assim menos precipitada que a outrora havida com Volodia.  A este episódio, já não aguardado na sua vida (mas a vida tem sempre surpresas, até o derradeiro instante), se refere Gilles Leroy no romance Dormir avec ceux qu'on aime, que referimos aqui.

Acrescente-se que Gilles Leroy é um dos mais conceituados escritores franceses contemporâneos, tendo sido galardoado em 2007 com o Prémio Goncourt, pelo seu romance Alabama Song. Desde 2010 é cavaleiro da Ordem Nacional do Mérito.

Dispensando-nos de exemplos, deve salientar-se o poder de sedução exercido pelos eslavos (e assimilamos aqui os romenos, embora latinos, aos eslavos, por uma questão geográfica, estética e comportamental) sobre os escritores franceses. Desde há muito tempo. Não só sobre os escritores. E não só sobre os franceses...

sábado, 28 de abril de 2012

FERNANDO PESSOA, SEMPRE



Acabou de ser publicado o livro Fernando Pessoa - uma quase-autobiografia, de José Paulo Cavalcanti Filho, que entre outras actividades, profissionais ou académicas, foi ministro das Finanças do Brasil.

Trata-se de mais um título, a acrescentar à imensa bibliografia passiva pessoana, mas não se tratará, possivelmente, de uma repetição, no conteúdo, mas especialmente na forma, do que se tem escrito sobre o imortal autor de Mensagem.

Deve-se a João Gaspar Simões, e nunca é demasiado referi-lo, a primeira biografia de Pessoa. Outras se sucederam, com destaque para a que foi elaborada por Robert Bréchon, E foi Maria José de Lancastre que publicou a primeira fotobiografia do poeta.

O livro agora editado é, no dizer do autor, "a biografia de alguém que nunca teve vida". E está escrito já não sei se em brasileiro ou  se no português do famigerado acordo ortográfico, ainda que Cavalcanti diga que "Esta edição portuguesa foi revista e atualizada, em relação à brasileira. Em alguns pontos, com alterações significativas. Ficou melhor.".  Divide-se o texto em quatro actos:

Ato I - Em que se conta dos seus primeiros passos e caminhos

Ato II - Em que se conta da arte de fingir e dos seus heterónimos

Ato III - Em que se conta dos seus muitos gostos e ofícios

Ato IV - Em que se conta do desassossego e do seu destino

Esta forma de "arrumar" a matéria poderá verificar-se bastante conveniente para os estudiosos que procurem, em dado momento, encontrar os dados de que carecem, mas também se torna interessante para o leitor comum, ao permitir um conjunto não despiciendo de referências afins na mesma "cena" de qualquer um dos "actos".

Leia-se pois, ou consulte-se, esta nova obra que enriquece os estudos pessoanos e a literatura em geral.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

25 DE ABRIL DE 2012



Comemoram-se hoje 38 anos sobre o movimento militar que derrubou a II República. Golpe de estado promovido por um grupo de militares, que há muito, por razões corporativas mas também por razões políticas, conspirava contra o Estado Novo, o movimento dos capitães rapidamente evoluiu para uma situação revolucionária que transformou profundamente o regime, então decadente, titubeante e incapaz de resolver o principal problema com que se debatia: encontrar uma solução para a questão colonial que pudesse ser aceite pelas várias correntes políticas que controlavam o poder e pela chamada comunidade internacional.

Sobre a I República, sobre a Ditadura que vigorou de 1926 a 1933, sobre a II República (que muitos insistem em designar apenas por Estado Novo), sobre o período revolucionário de 1974 a 1976 e sobre a actual III República, têm sido escritas centenas de milhar de páginas. Não é nem o momento nem o sítio para tecer considerações relativamente a épocas que ainda nos são demasiado próximas e que, por isso, impedem uma análise serena e objectiva. Assim, apenas umas breves notas.

A I República foi proclamada porque a Monarquia, a própria monarquia constitucional, esgotara com D. Carlos, o seu prazo de validade, embora tivesse, nomeadamente entre a população rural, e por razões ancestrais, ainda largo número de apoiantes. Mas os políticos da I República não conheciam bem o povo português e, mesmo com louváveis intenções, cometeram sucessivos erros que levaram ao descrédito do regime. Registaram-se levantamentos monárquicos, ocorreu o parêntese Sidónio Pais (matemático e militar que gozou de uma enorme popularidade) e, ao fim de 16 anos, um golpe militar pôs fim a um regime em que muitos haviam depositado as maiores esperanças. Fora a I República um período de grande instabilidade política, frequentes pronunciamentos militares, profunda insegurança interna, culminando numa desastrosa situação financeira. O país estava à beira da ruína.

O golpe militar de 28 de Maio de 1926, que breve derrubou os seus principais protagonistas, como é de uso nas revoluções (Saturno devorou os seus próprios filhos e Büchner recorda-nos  oportunamente o episódio mitológico em A Morte de Danton) teve o propósito de instaurar um regime duradouro. E conseguiu o intento, indo buscar a Coimbra um professor que começasse por restaurar as finanças públicas e a credibilidade do país. Salazar chegou, retirou-se e regressou para não mais sair (até ao controverso incidente da cadeira). Terminado o período da Ditadura, com a Constituição de 1933,  Salazar passou a governar o país sem oposição (legal), já que o texto fundamental impedia a constituição de partidos políticos. Porque conhecia profundamente os portugueses, e porque dotado de uma polícia política (aliás todos os governos a possuem) e de uma censura (por vezes mais estúpida do que eficaz), Salazar governou sem grandes sobressaltos (aparte o caso Humberto Delgado) até ter sido exonerado, por incapacidade, por Américo Tomaz. Evidentemente que o sucessor, Marcelo Caetano (que logo na posse referiu a dificuldade de suceder a "um homem de génio"), não estava em condições de prosseguir a caminhada. E a situação internacional alterara-se profundamente.

O golpe militar de 25 de Abril de 1974, que também derrubou os seus protagonistas, pôs termo a um regime que ultrapassara igualmente a sua validade. Na época do PREC (período revolucionário em curso) cometeram-se excessos, dos quais, porventura, estaremos hoje a pagar a factura. Mas a Constituição de 1976, texto de compromisso e hoje já substancialmente alterado, permitiu a instauração de um regime democrático (pelo menos formal) e o restabelecimento das liberdades fundamentais (a mais nuns casos e a menos noutros). Porém, a adesão à CEE primeiro e à União Europeia depois restringiu o âmbito da democracia e das liberdades, ao estabelecer, de facto, que apenas o sistema capitalista poderia vigorar na União, derrubado que fora o Muro de Berlim e desmoronada a União Soviética e os regimes comunistas do Leste Europeu. A má governação desta III República conduziu a uma nova crise financeira, agravada pela crise internacional decorrente da investida de um modelo económico ultraliberal cujo objectivo último é, numa irónica evocação da democracia ateniense, reduzir as populações a duas categorias: os cidadãos (naturalmente uma minoria, infinitamente ricos) e os escravos (uma maioria, infinitamente pobres). É evidente que um tal regime só por escárnio se poderá designar de democrático. Mas a confusão semântica é hoje de regra. Não podemos esquecer-nos que, ao decidir invadir o Iraque, George Bush proclamou, para lá da mentira flagrante e evidente das armas de destruição maciça (em que só os ingénuos, os estúpidos ou os desonestos, para não empregar outro termo, acreditaram),  a necessidade de estabelecer a democracia naquele país. Bush confundia, muito convenientemente, democracia e economia de mercado ultraliberal. Além da democracia não ser, em caso algum, uma mercadoria exportável.

Passam hoje 38 anos sobre o 25 de Abril de 1974. Já não nos debatemos com o problema colonial, mas confrontamo-nos com uma profunda crise financeira ( e económica)  inserida numa crise financeira internacional, decorrente, em parte, da inacreditável desregulação dos mercados, que começou a ser promovida por Margaret Thatcher e Ronald Reagan. São impostas aos cidadãos (à maior parte dos cidadãos que é também a parte de menor recursos) medidas de austeridade que ultrapassam o limite do dignamente aceitável, mesmo em períodos de profunda crise. Nem Salazar, porque tão bem conhecia os portugueses, ousou, na sua época, reservadas todas as distâncias no tempo e na conjuntura, sobrecarregar a população com tão pesado ónus. E para quê? Estuda-se em Economia, logo no começo, que uma austeridade profunda acarreta uma recessão igualmente profunda. Logo, um crescimento negativo. Elementar. Por isso, as promessas de saída da crise com a aplicação de um tal regime são forçosamente falsas. Como, de resto, o futuro se encarregará de confirmar. E não creio que os actuais governantes, que não considero totalmente estúpidos, sejam inconscientes quanto às políticas que praticam. Além do mais, acentua-se o fosso entre os que cada vez têm menos e os que cada vez têm mais, numa intencional destruição da chamada classe média e num desejo (oculto) de destruir o "estado social" com o pretexto de o salvar.

Constituem estas linhas (e já são mais das que me propusera escrever) uma breve reflexão sobre a evolução do regime republicano em Portugal.

Como referi no início, comemoram-se hoje os 38 anos da Revolução de Abril. Não tenho a certeza de que, de hoje a um ano, possamos comemorar o 39º aniversário.


terça-feira, 24 de abril de 2012

MIGUEL PORTAS



Morreu hoje em Antuérpia, com 53 anos, Miguel Portas, eurodeputado do Bloco de Esquerda, economista, jornalista e militante político de relevo, especialista nas questões do Mundo Árabe e uma referência da Esquerda em Portugal.

Deixando o curriculum para as necrologias, não posso deixar de salientar a sua actividade política, antes e depois de se formar o Bloco de Esquerda, e de mencionar o seu livro Périplo, também argumento para uma série de televisão realizada por Camilo Azevedo, e que constitui um importante contributo para o conhecimento do Médio Oriente.

A morte prematura de Miguel Portas constitui uma perda significativa na vida política nacional.

ELEIÇÕES E DEMOCRACIA


«L'élection, ce n'est pas la démocratie»


Quando em França decorre a eleição para a presidência da República, o filósofo Jacques Rancière, discípulo de Louis Althusser, dá uma entrevista ao Nouvel Observateur (nº 2476, 19 a 25 de Abril), em que tece curiosas considerações sobre a democracia:

Le Nouvel Observateur L'élection présidentielle est généralement présentée comme le point culminant de la vie démocratique française. Ce n'est pas votre avis. Pourquoi?

Jacques Rancière Dans son principe, comme dans son origine historique, la représentation est le contraire de la démocratie. La démocratie est fondée sur l'idée d'une compétence égale de tous. Et son mode normal de désignation est le tirage au sort, tel qu'il se pratiquait à Athènes, afin d'empêcher l'accaparement du pouvoir par ceux qui le désirent.
La représentation, elle, est un principe oligarchique: ceux qui sont ainsi associés au pouvoir représentent non pas une population mais le statut ou la compétence qui fondent leur autorité sur cette population: la naissance, la richesse, le savoir ou autres.
Notre système électoral est un compromis historique entre pouvoir oligarchique et pouvoir de tous: les représentants des puissances établies sont devenus les représentants du peuple, mais, inversement, le peuple démocratique délègue son pouvoir à une classe politique créditée d'une connaissance particulière des affaires communes et de l'exercice du pouvoir. Les types d'élection et les circonstances font pencher plus ou moins la balance entre les deux.
L'élection d'un président comme incarnation directe du peuple a été inventée en 1848 contre le peuple des barricades et des clubs populaires et réinventée par de Gaulle pour donner un «guide» à un peuple trop turbulent. Loin d'être le couronnement de la vie démocratique, elle est le point extrême de la dépossession électorale du pouvoir populaire au profit des représentants d'une classe de politiciens dont les fractions opposées partagent tour à tour le pouvoir des «compétents».

Lorsque François Hollande promet d'être un président «normal», lorsque Nicolas Sarkozy se propose de «rendre la parole au peuple», ne prennent-ils pas acte des insuffisances du système représentatif?

Un président «normal» dans la Ve République, c'est un président qui concentre un nombre anormal de pouvoirs. Hollande sera peut-être un président modeste. Mais il sera l'incarnation suprême d'un pouvoir du peuple, légitimé pour appliquer les programmes définis par des petits groupes d'experts «compétents» et une Internationale de banquiers et de chefs d'Etat représentant les intérêts et la vision du monde des puissances financières dominantes.
Quant à Nicolas Sarkozy, sa déclaration est franchement comique: par principe, la fonction présidentielle est celle qui rend inutile la parole du peuple, puisque celui-ci n'a qu'à choisir silencieusement, une fois tous les cinq ans, celui qui va parler à sa place.

Mettez-vous la campagne de Jean-Luc Mélenchon dans le même sac?

L'opération Mélenchon consiste à occuper une position marginale qui est liée à la logique du système: celle du parti qui est à la fois dedans et dehors. Cette position a été longtemps celle du Parti communiste. Le Front national s'en était emparé, et Mélenchon essaie de la reprendre à son tour. Mais dans le cas du PCF cette position s'appuyait sur un système effectif de contre-pouvoirs lui permettant d'avoir un agenda distinct des rendez-vous électoraux.
Chez Mélenchon, comme chez Le Pen, il ne s'agit que d'exploiter cette position dans le cadre du jeu électoral de l'opinion. Honnêtement, je ne pense pas qu'il y ait grand-chose à en attendre. Une vraie campagne de gauche serait une dénonciation de la fonction présidentielle elle-même. Et une gauche radicale, cela suppose la création d'un espace autonome, avec des institutions et des formes de discussion et d'action non dépendantes des agendas officiels.

Les commentateurs politiques rapprochent volontiers Marine Le Pen et Jean-Luc Mélenchon en les accusant de populisme. Le parallélisme est-il fondé?

La notion de populisme est faite pour amalgamer toutes les formes de politique qui s'opposent au pouvoir des compétences autoproclamées et pour ramener ces résistances à une même image: celle du peuple arriéré et ignorant, voire haineux et brutal. On invoque les pogroms, les grandes démonstrations nazies et la psychologie des foules à la Gustave Le Bon pour identifier pouvoir du peuple et déchaînement d'une meute raciste et xénophobe.
Mais où voit-on aujourd'hui des masses en colère détruire des commerces maghrébins ou pourchasser des Noirs? S'il existe une xénophobie en France, elle ne vient pas du peuple, mais bien de l'Etat lorsqu'il s'acharne à mettre les étrangers en situation de précarité. Nous avons affaire à un racisme d'en haut.

Il n'y a donc pas de dimension démocratique dans les élections générales qui scandent la vie des sociétés modernes?


Le suffrage universel est un compromis entre les principes oligarchique et démocratique. Nos régimes oligarchiques ont malgré tout besoin d'une justification égalitaire. Fût-elle minimale, cette reconnaissance du pouvoir de tous fait que, parfois, le suffrage aboutit à des décisions qui vont à l'encontre de la logique des compétents.
En 2005, le Traité constitutionnel européen fut lu, commenté, analysé; une culture juridique partagée s'est déployée sur internet, les incompétents ont affirmé une certaine compétence et le texte a été rejeté. Mais on sait ce qu'il advint! Finalement, le traité a été ratifié sans être soumis au peuple, au nom de l'argument: l'Europe est une affaire pour les gens compétents dont on ne saurait confer la destinée aux aléas du suffrage universel.


Où se situe alors l'espace possible d'une «politique» au sens où vous l'entendez?

L'acte politique fondamental, c'est la manifestation du pouvoir de ceux qui n'ont aucun titre à exercer le pouvoir. Ces derniers temps, le mouvement des «indignés» et l'occupation de Wall Street en ont été, après le «printemps arabe», les exemples les plus intéressants.
Ces mouvements ont rappelé que la démocratie est vivante lorsqu'elle invente ses propres formes d'expression et qu'elle rassemble matériellement un peuple qui n'est plus découpé en opinions, groupes sociaux ou corporations, mais qui est le peuple de tout le monde et de n'importe qui. Là se trouve la différence entre la gestion - qui organise des rapports sociaux où chacun est à sa place - et la politique - qui reconfigure la distribution des places.
C'est pourquoi l'acte politique s'accompagne toujours de l'occupation d'un espace que l'on détourne de sa fonction sociale pour en faire un lieu politique: hier l'université ou l'usine, aujourd'hui la rue, la place ou le parvis. Bien sûr ces mouvements n'ont pas été jusqu'à donner à cette autonomie populaire des formes politiques capables de durer: des formes de vie, d'organisation et de pensée en rupture avec l'ordre dominant. Retrouver la confiance en une telle capacité est une oeuvre de longue haleine.


Irez-vous voter?
Je ne suis pas de ceux qui disent que l'élection n'est qu'un simulacre et qu'il ne faut jamais voter. Il y a des circonstances où cela a un sens de réaffirmer ce pouvoir «formel». Mais l'élection présidentielle est la forme extrême de la confiscation du pouvoir du peuple en son propre nom. Et j'appartiens à une génération née à la politique au temps de Guy Mollet et pour qui l'histoire de la gauche est celle d'une trahison perpétuelle. Alors non, je ne crois pas que j'irai voter.
Propos recueillis par Eric Aeschimann 

segunda-feira, 23 de abril de 2012

AS ELEIÇÕES FRANCESAS


Com os votos praticamente contados, François Hollande, como se previa, ganhou a 1º volta das eleições presidenciais francesas, com cerca de 29% dos sufrágios, contra o seu adversário, o presidente cessante Nicolas Sarkozy, que não chegou a obter 27%. Marine Le Pen ultrapassou os 18%, Jean-Luc Mélenchon, com pouco mais de 11 %, ficou aquém das expectativas e François Bayrou não atingiu os 10%.

Os resultados desta 1ª volta permitem afirmar que os dados estão lançados, restando saber como se vão posicionar na 2ª volta os eleitores que escolheram os outros oito candidatos. Não é adquirido que Hollande vença a corrida para o Eliseu, embora tudo se conjugue nesse sentido. A taxa de abstenção, que roçou os 20% (melhor, de longe, do que em Portugal), poderá inflectir as percentagens, mas Hollande contará com os votantes de Mélenchon, com os de Eva Joly, com parte dos de Bayrou, e com os votos distribuídos nos quatro candidatos residuais. Assim sendo, afigura-se pacífico dizer que a vitória final de Hollande dependerá, em última análise, dos votos agora recolhidos por Marine Le Pen. Que não irão, pelo menos na sua maior parte, para Nicolas Sarkozy, quedando-se ou por Hollande (por ironia política) ou pela abstenção.

Independentemente de questões ideológicas ou partidárias, há um facto indesmentível: a maior parte dos franceses está farta de Sarkozy. A velha Gália ambiciona na chefia do Estado um homem com perfil de estadista, talvez mesmo com perfil "monárquico". Não esqueçamos que Napoleão III, antes de ser imperador, foi presidente da República. E que as posturas majestáticas de De Gaulle ou Mitterrand se adaptaram melhor ao espírito dos franceses que a esquizofrenia de Nicolas Sarkozy, homem sem allure para ser o supremo magistrado da nação.

Não é Hollande um político carismático, mas por comparação com Sarkozy (e a escolha é entre os dois) creio que os franceses optarão por Hollande.

Acrescente-se que as eleições em França se revestem de grande significado europeu. François Hollande não será um "servidor" de Angela Merkel e toda a actual política europeia conduzida pela chancelerina do Reich será posta em causa, com consequências aliás, neste momento, imprevisíveis. Mas temos boas razões para acreditar que a hegemonia germânica na União Europeia sofrerá um sobressalto. E que a Europa só terá a lucrar com a mudança.

Aguardemos, pois, 15 dias, para sabermos em definitivo quem será o novo inquilino do Eliseu. E aguardemos, mais umas semanas para sabermos o destino próximo de uma União Europeia à beira do colapso.

domingo, 22 de abril de 2012

AS ESPERANÇAS FRUSTRADAS





O coronel Rodrigo de Sousa e Castro, que foi porta-voz do Movimento das Forças Armadas, concedeu a António José Teixeira, na SIC Notícias, uma lúcida entrevista sobre as esperanças defraudadas dos portugueses relativamente à Revolução de Abril de 1974. Este oficial procede a uma análise serena da trajectória da nossa democracia (se assim ainda lhe posso chamar) e das mentiras dos sucessivos governantes ao povo português.

Importa ouvir integralmente as declarações de Sousa e Castro, mas não posso abstrair de comentar um dos aspectos por ele salientado e que é, em minha opinião, uma das origens da tragédia nacional: a influência nefasta das juventudes partidárias (coisa aberrante, corrosiva e nociva) na nossa vida pública, autêntico aviário de incompetentes dirigentes políticos que têm desgraçado o país. Foram estas "juventudes" que levaram a Assembleia da República a decidir a extinção do SMO (Serviço Militar Obrigatório), que, para além de todas as outras razões passíveis de invocar, constituía uma escola de virtudes, e que era para os mancebos, hoje desenraizados da vida familiar, uma forma de integração cívica e, porque não dizê-lo, patriótica, no mais nobre sentido da palavra.

OS ESCRITORES E A OCUPAÇÃO




Estando a pôr em dia a leitura das últimas revistas, noto que o nº 516 do Magazine Littéraire (Fevereiro) é dedicado ao tema "Les Écrivains et l'Occupation".

Trata-se de um dossier muito bem coordenado, como é apanágio da publicação, onde ressalta o depoimento de Claire Paulhan, neta de Jean Paulhan, o famoso director da Nouvelle Revue Française (NRF) de 1925 a 1940 e de 1953 a 1968. Claire traça um panorama geral da posição dos escritores franceses durante a ocupação alemã, destacando as opções estéticas, ideológicas e políticas, as hesitações, as ambiguidades, as tergiversações, os oportunismos, os dramas e as tragédias que ocorreram nesse período, em que alguns pensaram que a coabitação com o invasor era o caminho certo, numa Europa entalada entre o comunismo, que triunfara a Leste e o capitalismo, que não sendo ainda o flagelo que hoje conhecemos, manifestava já, a partir dos Estados Unidos, os tentáculos com que agora pretende abraçar o mundo. Depois, para muitos, Hitler, era chefe de um partido socialista (e nacionalista, o que para os franceses tinha algum significado) e chegara ao poder pela via democrática. Aliás, como Mussolini. E, de equívoco em equívoco, defenderam-se ideais, retractaram-se posições, cometeram-se suicídios, ocorreram fuzilamentos.

Desfilam diante de nós os nomes de Céline (um dos maiores escritores franceses do século XX), Brasillach, Drieu la Rochelle, Cocteau, Sartre, Gide, Aragon, Malraux, Colette, Lévi-Strauss, Maurras, Lucien Rebatet, Walter Benjamin, Pierre Benoit, Marcel Arland, Henry de Montherlant, Paul Morand, Jean Giono, Ramon Fernandez, Marcel Jouhandeau, Abel Bonnard, André Breton, Marguerite Yourcenar, Jules Romain, Saint-John Perse, Julien Green, Denis de Rougemont, Saint-Exupéry, François Mauriac, Benjamin Péret, Georges Bernanos, Raymond Aron, Vercors, Jean Guéhenno, Maurice Blanchot, Sacha Guitry, e tantos outros que seria ocioso citar. Sempre presente, o alemão francófilo Otto Abetz, embaixador do Führer em Paris, encarregado de seduzir a intelectualidade gaulesa à bondade da causa germânica.

Imagino que, pelas mais variadas razões, das mais às menos respeitáveis, se tratou de um período a todos os títulos difícil para os escritores franceses e, de uma maneira geral, para todos os homens (e mulheres) de cultura, fosse no teatro, no cinema, nas artes plásticas, nos mais diversos ramos. Muitos livros documentam já esta época controversa da história de França. Mas não posso deixar de saudar a excelente síntese deste número do Magazine Littéraire que, em menos de 50 páginas, traça um panorama elucidativo das atitudes dos plumitivos franceses sob ocupação alemã.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

ANTERO DE QUENTAL

Antero de Quental, por Columbano Bordalo Pinheiro



Antero de Quental, filósofo, ensaísta, poeta (um dos grandes sonetistas portugueses), nasceu em Ponta Delgada em 18 de Abril de 1842. Há 170 anos. Suicidou-se, também em Ponta Delgada, em 11 de Setembro de 1891.

Foi companheiro de lides literárias de Eça de Queiroz, Guerra Junqueiro, Ramalho Ortigão, Teófilo Braga, Oliveira Martins, Batalha Reis, e muitos outros escritores e pensadores do século XIX.

A biografia consta dos livros da especialidade. A bibliografia, activa e passiva, é vasta. Regista-se a efeméride, porque Antero continua a ser uma importante referência espiritual para a conturbada sociedade contemporânea.

terça-feira, 17 de abril de 2012

AS LIBERDADES



É MAIS OU MENOS ISTO

«A liberdade de opinião e expressão fizeram-se para permitir em primeiro lugar a expressão daqueles que detesto, não gosto e abomino. »

Hoje, no "Abrupto", via "Portugal dos Pequeninos".

O ETERNO RETORNO DO FASCISMO (II)


A propósito do "retorno do fascismo", que evocámos no passado dia 14, neste post, Mário Soares escreve hoje no Diário de Notícias, na sua coluna  O tempo e a memória:

O retorno do fascismo

«1. Na passada quinta-feira, a Fundação que tem o meu nome teve o gosto de receber, no auditório intitulado Gomes Mota, meu saudoso amigo desaparecido, vice- -presidente da Fundação, o reputado filósofo e ensaísta holandês Rob Riemen, diretor do Instituto Nexus, um centro internacional sediado na Holanda, que dissertou sobre a situação democrática em que se encontra a União Europeia e sobre a crise global que a está afetar, praticamente sem qualquer reação inteligente, da parte dos seus atuais dirigentes.
Rob Riemen é autor de vários livros, um dos quais se intitula O Eterno Retorno do Fascismo, cuja publicação, em português, se deve à Editorial Bizâncio, bem como de um outro livro, também traduzido pela mesma editora, que se chama Nobreza de Espírito, Um Ideal Esquecido, prefaciado pelo sociólogo George Steiner.

A ideia central da sua conferência consiste na falta de humanismo e de ética que hoje existe nos partidos e nas instituições europeias, que não têm especialmente a ver com o fascismo italiano ou o fascismo alemão, mas que, nem por isso, deixam de estar a pôr em causa o projeto político e cultural, de paz e de aprofundamento democrático, da União Europeia e a destruí-la, no plano social, primeiro e depois no político.

Nas bases do projeto europeu sempre estiveram os valores éticos, como a solidariedade, a igualdade dos Estados, pequenos ou grandes, ricos ou pobres e os grandes princípios da democracia económica e social e dos direitos humanos. Hoje tudo mudou: o supremo valor é o dinheiro e os interesses mesquinhos dos especuladores que põem os mercados acima dos Estados e a comandá- -los, e não, como devia ser, o contrário.

O professor Riemen sabe do que fala - e tem autoridade para o dizer - porque a Holanda de hoje tem um partido e um governo que chegaram ao poder por via do voto popular - como, aliás, Mussolini e o próprio Hitler -, não se diz fascista, que horror, mas na prática procede como tal. Como aliás está a acontecer também com a Hungria. E com a própria União Europeia, sobretudo da Zona Euro, porque graças ao comando da chanceler Merkel, educada na ex-Alemanha de Leste, não o esqueçamos, associada ao volúvel Presidente Sarkozy, por pouco tempo, espero, tem vindo, para evitar a inflação, que tanto a aterroriza, a deixar prevalecer a austeridade sobre a recessão e o desemprego, ambos crescentes - com as consequências trágicas que daí resultam - pelo menos em seis Estados europeus prestigiados, como: Grécia, Irlanda, Portugal, Chipre, Espanha e Itália. E os que aí vêm, como é inevitável.»


segunda-feira, 16 de abril de 2012

AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS NO EGIPTO

Hazem Abu Ismaïl

De acordo com o"Guardian", a comissão eleitoral que averigua dos requisitos dos candidatos à eleição presidencial, decidiu excluir 10 dos 23 concorrentes ao escrutínio.

Entre os excluídos, figuram o general Omar Suleiman, chefe dos serviços secretos de Mubarak (que foi por alguns dias vice-presidente da República, antes da renúncia do raïs), o dirigente da Irmandade Muçulmana, Khairat al-Shater e o o xeque Hazem Abu Ismaïl, do partido salafista Al-Nur. A Irmandade Muçulmana possui um outro candidato, Mohammed Morsi (do Partido Liberdade e Justiça, profundamente ligado à Irmandade), que fora escolhido na previsão do impedimento de al-Shater.

Ao encontrar obstáculos legais para três dos mais conhecidos candidatos, a comissão eleitoral, certamente de acordo com o Conselho Supremo das Forças Armadas, procurou equilibrar a exclusão de al-Shater e de Abu Ismaïl com a do general Suleiman, um homem forte do antigo regime e que provavelmente se candidatou com o propósito de vir a compensar com a sua retirada a dos outros dois candidatos profundamente desagradáveis ao poder militar.

Assim, para a eleição dos próximos dias 23/24 de Maio aumentam as possibilidades de um homem não comprometido com os islamistas ou com os revolucionários e também não próximo do poder militar, Amr Mussa, que foi em tempos ministro dos Negócios Estrangeiros de Mubarak e depois secretário-geral da Liga Árabe.

Como se calcula, os militares, que continuam a controlar o Egipto, conduzirão o processo eleitoral pela forma que considerarem mais conveniente para o país, e para eles mesmos. Não será a forma mais democrática, mas talvez seja, afinal, a que permitirá uma transição mais tranquila. Mas só o futuro poderá confirmar a bondade desta opinião.

domingo, 15 de abril de 2012

PARA UMA REFLEXÃO SOBRE O PODER



Boris Godunov, de Mussorgsky. A mais recente gravação vídeo. Acto IV - Cena Final. Orlin Anastassov, em Boris. Coro e Orquestra do Teatro Regio di Torino, direcção de Gianandrea Noseda; encenação de Andrei Konchalovsky. Em 5 de Outubro de 2010.

sábado, 14 de abril de 2012

O ETERNO RETORNO DO FASCISMO


Acabou de ser publicada entre nós a tradução portuguesa do livro do filósofo holandês Rob Riemen, O Eterno Retorno do Fascismo.

Procede o autor a uma análise pertinente da presente situação "espiritual" europeia e internacional, a partir do célebre romance de Albert Camus, A Peste, uma obra premonitória cuja actualidade persiste. Salienta o autor, citando Goethe, a mudança fundamental da sociedade, ocorrida no século XIX,  e a perda dos valores espirituais, prevista por Nietzsche e posteriormente analisada por Ortega y Gasset, que salienta a grande contradição entre o indivíduo que se liberta do jugo da tirania e da Igreja, da aristocracia e do sistema feudal, em que a liberdade é (ou deveria ser, digo eu) respeitada e o novo tipo de indivíduo que ganha influência na sociedade: o homem da multidão, o homem-massa. Não apenas em quantidade, mas em qualidade, com um certo tipo de estado de espírito, ou mais precisamente uma ausência de espírito.Um homem-massa que surge em todas as classes sociais, tanto entre os pobres como entre os ricos, tanto entre os ignorantes como entre os cultos. Segundo Ortega y Gasset, e cito o autor, «a ascensão do homem-massa - a rebelião das massas! - representa uma ameaça directa aos valores e ideais da democracia liberal e do humanismo europeu».

Continuo a citar Riemen: «No século XX, os fenómenos de massas, a história de massas, não resultam de um aumento da população, sendo, antes, uma consequência fundamental do psiquismo deste homem moderno, destituído de espírito e indiferente. O medo e o desejo dominam o comportamento das massas. E quando estas começam a governar, quando a democracia se torna uma democracia de massas, a democracia deixa de existir. No fim do seu livro A Rebelião das Massas, Ortega y Gasset resume a sua análise da sociedade de massas na seguinte frase: Isto significa que a Europa já não tem moral.»... «Na primeira década do século XX, o humorista vienense Karl Kraus criticou mordazmente os jornalistas que, a despeito das suas pretensões, evidenciam uma tendência para minar a democracia, em vez de a proteger. Como é preciso encher páginas e vender jornais, estes são uma torrente interminável de banalidades, sensacionalismos e disparates.»...«Não só os mass media são a melhor escola para os demagogos, como estes retiram o seu poder do facto de o povo, à força de se alimentar de uma linguagem que mais não faz do que simplificar, não compreender mais nada, nem querer ler ou ouvir coisas diferentes.»...«O homem moderno necessita de ruído, de excitação constante, quer satisfazer as suas necessidades. Como nos tornámos cada vez mais insensíveis, necessitamos de métodos mais grosseiros de satisfazer a nossa ânsia de estimulação. Tornámo-nos dependentes dos acontecimentos. Se nada acontece, sentimo-nos vazios. "Os jornais não trazem nada", comentamos desapontados. Fomos intoxicados pela ideia de que tem de acontecer alguma coisa, estamos obcecados com a velocidade e a quantidade. Um barco nunca é grande demais, nem um automóvel ou avião suficientemente rápidos.»...«Vivemos passivamente. Submetemo-nos aos telefones, ao nosso trabalho, à moda. A vida torna-se cada vez mais uniforme. O aspecto, o carácter, tudo tem de se parecer com tudo o resto, e a média tende sempre a nivelar-se pelo mais baixo. Uma das características mais chocantes do mundo contemporâneo é a sua superficialidade: oscilamos entre a superficialidade e a inquietação. Possuímos os brinquedos mais belos de sempre. Que divertimento! Nunca tivemos tantos brinquedos! Mas quantas preocupações! Nunca sentimos tanto pânico! E é-nos exigido um esforço intelectual cada vez maior.»

Apenas citei alguns fragmentos que me parecem ilustrar o pensamento de Rob Riemen, cujo livro é um implacável requisitório contra o mundo contemporâneo. O seu diagnóstico da situação em que se vive, nomeadamente na Europa, é profundamente lúcido. E ainda que nos não dê propriamente novidades, tem o mérito de nos recordar a alienação destes tempos sombrios. É que o perigo, hoje como ontem, mantém-se. E as nossas democracias representativas começam a representar apenas os seus representantes.

Não subscrevo integralmente todas as conclusões de Riemen, mas não posso deixar de aconselhar vivamente o livro a quem se interesse por algo mais do que as banalidades que nos embalam no nosso quotidiano entorpecido.


N:B.:Os sublinhados são meus.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

AS DIFICULDADES DE JULGAR UM REGIME


Li agora, por fortuitas circunstâncias (e numa tradução francesa, Le porc-épic), o romance The Porcupine (1992), de Julian Barnes, um dos mais famosos escritores ingleses contemporâneos, autor do célebre Flaubert's Parrot (1984) e de The Sense of an Ending, que ganhou em 2011 o Man Booker Prize, que foi recentemente traduzido para português com o título O Sentido do Fim, e a que fiz referência neste post.

Neste livro, Barnes põe em confronto o deposto líder (durante 30 anos) de uma república do leste europeu (cujo nome nunca é mencionado), que ascendeu à "democracia" após a desintegração da União Soviética,  e o procurador-geral encarregado de formular a acusação, procurador que fora um elemento preponderante do anterior regime comunista. Na essência, o texto evidencia a dificuldade de julgar um homem de quem toda (ou quase toda) a nação foi cúmplice, e principalmente de julgar um regime a que a maioria dos cidadãos esteve associada. Tanto mais quando o novo poder, dito democrático, não trouxe ao povo as benesses esperadas mas sim uma maior carência dos próprios bens essenciais antigamente assegurados, ainda que de forma escassa.

Verbera Barnes a "venda" a Kohl dos 16 milhões de cidadãos da RDA por 41 mil milhões de marcos alemães, a que chama o preço da traição de Gorbachev, os trinta dinheiros do socialismo. E por aí fora...

É importante recordar que o muro de Berlim, derrubado em 1989, fora construído para evitar a passagem para Ocidente dos alemães de leste. E que os governos das democracias populares mantinham as maiores restrições às viagens dos seus cidadãos para o "mundo livre". Precaução inútil (como diria Beaumarchais). Pergunto-me quantos milhões de pessoas dos países do antigo Pacto de Varsóvia passaram para o mundo ocidental depois de levantadas as barreiras, quando finalmente viviam em democracia? Não custa perceber a razão: a democracia formal, capitalista, não substituiu as regalias, ainda que limitadas, que usufruíam no passado. Agora, é o Ocidente que não quer recebê-las e coloca os maiores entraves à imigração. Uma ironia da história.

Sendo The Porcupine um romance, não deixa de ser uma séria reflexão sobre as contradições do mundo contemporâneo. Por isso, e por ser o livro de um grande escritor, vale a pena lê-lo.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

A MORTE DE BEN BELLA


Morreu hoje em Argel, com 95 anos, Ahmed Ben Bella, herói da independência e que foi o primeiro presidente da República da Argélia (1962-1965). Deposto pelo seu ministro Houari Boumedienne, passou vários anos preso, depois dos anos que passara nas prisões coloniais francesas, num total de 24 anos.

Líder carismático e popular, Ben Bella foi um fervoroso adepto do movimento dos Não-Alinhados, juntamente com Fidel Castro, Jawaharlal Nehru e Gamal Abdel Nasser.

O actual presidente da Argélia, Abdelaziz Bouteflika, que juntamente com Boumedienne ajudou a derrubá-lo, lamentou hoje a sua morte, afirmando ser uma perda para a nação.

Julgo que o percurso da Argélia ao longo dos 50 anos que leva de país independente teria sido diferente se Ben Bella não tivesse sido afastado do poder pelo golpe militar de 1965.

Regista-se o óbito para memória futura.

ANTÓNIO DE SPÍNOLA


Passam hoje 102 anos sobre o nascimento, em Estremoz, do marechal António Sebastião Ribeiro de Spínola, que foi o primeiro presidente da III República Portuguesa. Militar ilustre, foi um dos opositores à fase final do Estado Novo e o presidente da Junta de Salvação Nacional instaurada após a revolução de 1974.

Tendo-se distinguido na carreira das armas, foi agraciado, "pelos feitos de heroísmo militar e cívico", com a grã-cruz da Ordem Militar da Torre e Espada, a mais alta condecoração portuguesa. O seu livro Portugal e o Futuro, serviu de detonador para o golpe militar de 25 de Abril, que levou à queda do regime.

A sua efémera passagem pela chefia do Estado (15 de Maio a 30 de Setembro de 1974) não se revelou tão esclarecida como o fora a sua carreira militar, até porque o clima político em Portugal, nesse período agitado da vida nacional, não se compaginava com as suas características pessoais.

Deve, contudo, assinalar-se a data, para memória futura.

terça-feira, 10 de abril de 2012

"THE ECONOMIST", A "PRAVDA" DO CAPITAL

France in denial

Pelo seu interesse, transcrevemos o editorial de Laurent Joffrin no nº 2474 do Nouvel Observateur, de 5 a 11/4/2012:

Ces Français, décidément, sont très nuls. Ce peuple qui se prétend le plus politique de la terre a accouché d'une classe politique lamentable, dont les programmes sont plus atterrants les uns que les autres. Songez-y un instant : alors que la crise sévit, que la menace de la dette est terrifiante, les candidats en présence prévoient tous d'augmenter ou de maintenir les dépenses publiques, de taxer les riches, de brimer les entreprises et de conserver à l'Etat le rôle exorbitant qu'il joue dans l'économie. Sarkozy ? Hollande ? Mélenchon ? Le Pen ? Pas un pour racheter l'autre, ils vont tous dans le mur. What a pity !

Ainsi s'exprime en substance l'hebdomadaire mondialement connu "The Economist" dans un article au titre explicite : "France in denial", autrement dit : "La France dans le déni", c'est-à-dire dans le déni des réalités économiques les plus élémentaires. Article aussitôt repris en France sur le thème à succès : "Décidément, nous les Français, nous sommes très nuls." Article aussitôt commenté dans les milieux dirigeants, sur le thème : "Décidément, ils sont très nuls (au choix : les politiques, les électeurs, les journalistes, etc.)."

"The Economist", perroquet journalistique

Faut-il s'en alarmer ? Avant de répondre, il faut savoir qui attaque. "The Economist", contrairement à ce que beaucoup de Français pensent, n'a rien d'un journal impartial. Fondé au XIXe siècle pour soutenir par tout moyen le libre-échangisme et l'économie de marché, il défend les thèses les plus libérales avec une rigidité exemplaire. Quels que soient l'année, la saison ou le siècle, "The Economist", perroquet journalistique, soutiendra qu'il faut diminuer les impôts, alléger les règlements, réduire le rôle de l'Etat, faire reculer les funestes idées d'égalité ou de justice.

Et surtout oublier Keynes et tous les socialisants de la terre. Périodique militant et dogmatique, "The Economist" arbore une couverture pleine d'esprit. Mais ses articles, tous issus du même moule (et non signés pour cette raison), défendent depuis un siècle et demi les mêmes idées sommaires et immobiles. On le présente comme la bible des économistes. C'est la "Pravda" du capital.

Ils n'avaient rien vu venir en 2008

Un petit tour sur son site internet nous éclaire d'ailleurs sur sa compétence. Au début 2008, publiant ses prévisions annuelles, "The Economist" ne voit rien venir de la crise financière qui allait se déclencher six mois plus tard et prédit une année exceptionnelle pour la Bourse, alors qu'au mois de septembre suivant se déclenchait le plus grand krach boursier depuis 1929. Belle leçon de lucidité...
Le diagnostic qu'il pose sur la France est à l'avenant : comme toujours, il faut couper les dépenses publiques, supprimer les protections du travail, abaisser la taxation des riches, faire reculer l'Etat. Sinon le verdict des marchés jettera la France dans le cul-de-basse-fosse où croupit déjà la Grèce. "The Economist" omet deux choses : le programme des deux principaux candidats prévoit une réduction progressive des déficits sur quatre ou cinq ans, l'un par réforme fiscale, l'autre par limitation des dépenses. Aller plus vite - "The Economist" l'oublie - c'est risquer la récession, qui rendra tout impossible, dans un processus à la grecque.

Pour le reste, les deux candidats proposent d'aider l'industrie, de promouvoir les PME, de relancer la recherche, de moderniser l'éducation. Est-ce stupide ? On peut certainement faire mieux, on peut surtout prévoir la réforme de l'Etat, grande absente du débat. Mais on ne doit pas se plier bêtement aux préjugés d'un petit groupe de talibans du libéralisme. Et comme tout en France finit par des chansons, en voici une : "Et merde au journal d'Angleterre, qui nous a déclaré la guerre..."

domingo, 8 de abril de 2012

O CAIS DO SODRÉ JÁ NÃO É O QUE ERA


Segundo o PÚBLICO, «o Cais do Sodré mudou e os moradores não estão a gostar». Como eu os compreendo! Com o barulho até de madrugada e a porcaria pelo chão, o Cais do Sodré, em nome do "progresso", está a transformar-se num novo Bairro Alto, donde grande parte dos habitantes teve de fugir.

Diz-se que antigamente o Cais do Sodré tinha má fama. Depende do que se entenda por "má fama". Havia normalmente sossego e discrição nas ruas. Algumas "meninas" e também alguns "meninos" e soldados e marinheiros interpelavam, mais com olhares do que com palavras, os cavalheiros que passavam, a horas ainda razoáveis, e acompanhavam-nos a um poiso adequado, normalmente a velha pensão do Largo de São Paulo, creio que há muito tempo encerrada, e que foi um templo tranquilo para os "amantes sem dinheiro" (ou com pouco), como diria Eugénio de Andrade num poema.

Desde o começo da globalização, tudo mudou. As "meninas", que já eram nessa altura umas matronas, ou estão mortas, ou transformaram-se numa ruína ambulante que ninguém arrisca a levar para a cama. As novas no ofício (a mais antiga profissão do mundo), frequentam outros locais, que melhor se adequam a "senhoras" que adquiriram uma "posição" por força dos euros dos novos-ricos do capitalismo neo-liberal. Militares fardados em Lisboa é coisa que também já não existe, e os "meninos", que nessa altura já eram mais velhos que os conscritos, ou desaparecerem por força da idade, ou, nos casos mais felizes, encontram-se e convivem ainda, os que conservaram dois palmos de cara e de corpo, com "os senhores" que então os "desenrascavam".

Não conheço, nem pretendo conhecer, a nova fauna que deambula pelo Cais do Sodré, nesta Lisboa que a Câmara Municipal, na mais profunda ignorância das realidades sociais e da alma do povo português, pretende equiparar às outras metrópoles europeias, também elas (oiçam-se os residentes) cada vez mais decadentes e desertas, com a excepção de alguns guetos de "divertimento obrigatório", sujeitos, obviamente, às regras comunitárias de Bruxelas ou (quem sabe) da própria senhora Merkel, que tem agora uma palavra a dizer sobre todas as matérias que à União concernem.

Há meio século, Lisboa, no centro ou nos bairros periféricos, era uma cidade alegre e movimentada, sem barulhos e com segurança, mesmo à noite, onde era possível "curtir" desde que se mantivessem as aparências mínimas tão caras ao pensamento de Salazar (e da maior parte dos portugueses): «o que parece é»; logo, se não parecesse, não era "pecado", e ninguém levava a mal.

Em nome da liberdade e da democracia, vivemos hoje espartilhados por regulamentos e normas inimagináveis, tristes, inquietos, angustiados (embora o disfarcemos) e, ainda por cima, falidos e mal pagos, sabe-se lá se por causa dessa fúria legislativa que se apossou do governo europeu e dos governos nacionais, se por causa das regras do político e moralmente correcto que as sociedades "civilizadas" impõem aos seus cidadãos.

Excluindo os guetos a que me referi, Lisboa à noite é hoje uma cidade praticamente morta, abandonada, entregue a uns quantos delinquentes que tornam inseguro o mais inofensivo passeio para quem se aventure nas suas ruas. A mudança de paradigma de vida, exaltada e propagandeada até à exaustão pela comunicação social e pela publicidade enganosa, encarcerou os lisboetas (excluo os possuidores das "novas" fortunas) nas suas casas, em frente de um televisor ou (em menor percentagem) de um computador, como se as relações humanas fossem coisa para o lixo quando comparadas com o último grito das mais recentes tecnologias.

Recordo a Avenida da Liberdade, verdadeiro "Passeio Público", que se mantinha animada noite adentro, após o fim da 2ª sessão das revistas do Parque Mayer, um espaço agora morto e enterrado. E lembro as bichas (ambas) para as bilheteiras dos cinemas que se foram extinguindo, o Éden, o Tivoli, o Condes, o Odéon, para já não falar do antigo Teatro Avenida. Até mesmo o Olympia, o velho cinema de reprise (ponto de encontro da "melhor" e da "pior" sociedade lisboeta), adquirido não sei porquê nem para quê pelo Filipe La Féria, se encontra hoje de portas fechadas, definitivamente condenado.

Apesar das solicitações dos tempos modernos, Lisboa podia ter conservado uma parcela das características que a tornavam, na opinião de muitos estrangeiros, uma cidade sui generis, que os atraía e encantava. Mas não. Ano após ano, mercê de uma gritante falta de visão das sucessivas  edilidades, e também da incontornável especulação imobiliária, a cidade exaltada por Cesário Verde e Fernando Pessoa tornou-se na pálida sombra de si mesma, que nenhuma Ode Marítima pode já resgatar.

A proliferação de centros comerciais, dentro da própria cidade, levou ao desaparecimento das lojas e cafés tradicionais, substituídos por agências bancárias e afins, esses lugares de culto do mundo dos nossos dias. O incêndio do Chiado, e a sua penosa e inconcebível reconstrução,  foi o toque de finados de uma zona aonde restam, como testemunhos de uma época passada, o Teatro de São Carlos, a Basílica dos Mártires, o Grémio Literário, a Livraria Bertrand e a Brasileira, onde Pessoa, imortalizado no bronze frente à porta, não poderia hoje escrever no interior qualquer dos seus poemas.

Comecei por falar do Cais do Sodré, passei pela Avenida e já estou no Chiado. É tempo de terminar. Acrescentarei tão só que as episódicas manifestações de cultura e/ou divertimento que se realizam em Lisboa, públicas ou privadas, não passam de epifenómenos que em nada alteram o panorama sombrio da vida quotidiana da capital do país. Antes, vivia-se habitualmente, sem que isso significasse necessariamente uma aurea mediocritas. Vive-se hoje artificialmente. De facto, prefiro a primeira forma.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

A INDEPENDÊNCIA DE AZAWAD


O Movimento Nacional para a Libertação de Azawad (MNLA) proclamou hoje a independência da região, considerada o berço da nação Tuaregue, no norte do Mali, e que inclui as zonas de Timbuktu, Gao e Kidal. O comunicado do secretário-geral do Movimento,Bilal ag Asherif, emitido esta madrugada, rebentou como uma bomba em Bamako, a capital do país. O MNLA, que é um movimento secular, distinto dos islamistas do Ansar Dine, deseja conservar as fronteiras estabelecidas com os países limítrofes e negociar a secessão pacífica com a Junta Militar que, contra a vontade da comunidade internacional, continua a "governar" o Mali.



Segundo um porta-voz do MNLA, as suas tropas não passarão para lá da região reivindicada, e a decisão da independência poderá mesmo contrabalançar os esforços dos rebeldes islamistas do Ansar Dine (um braço do AQMI, a ramificação da Al-Qaeda no Magrebe Islâmico), cujo chefe Iyad ag Ghali pretendia manter as fronteiras integrais do país, nele proclamando uma república islâmica.

Aguardam-se as decisões do Conselho de Segurança da ONU, da União Africana e da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental).

DESCOINGS TERÁ SIDO ASSASSINADO EM NOVA IORQUE??


Richard Descoings, presidente do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po), que foi encontrado morto no seu quarto do Hotel The Michelangelo, em Nova Iorque, completamente despido, na passada terça-feira, como escrevemos aqui, terá sido assassinado?

Segundo a polícia americana, a autópsia não foi conclusiva e serão necessários novos exames. Descoings, que era casado, mas cuja homossexualidade, conhecida nos meios sociais e académicos, fora recentemente revelada pelo jornal "Le Monde", mostrara-se bastante incomodado com esse outing. Segundo alguma imprensa americana, o presidente de Sciences Po fora visitado por dois homens na noite anterior e, conforme refere o "Daily News", o seu telemóvel e o seu computador portátil foram encontrados sobre um pequeno telhado do 3º andar, enquanto Descoings ocupava um quarto no 7º andar.

É estranho que a polícia americana, tão lesta a prender Dominique Strauss-Kahn, aquando do suposto assédio a uma empregada no Hotel Sofitel, também em Nova Iorque, não tenha ainda encontrado explicações para o óbito do scholar francês.

Todavia, há uma lição a tirar: os hotéis de Nova Iorque são locais perigosíssimos, aliás como os próprios Estados Unidos. Antes de viajar, pense duas vezes.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

ATÉ À MARCHA SOBRE BERLIM


TRANSCREVEMOS DO BLOGUE "AVENIDA SURREALISTA":
(com a devida vénia)

Até à marcha sobre Berlim ou o IV Reich.

Se há coisa que o séc. XX nos ensinou foi a olhar para os germânicos com redobrado cuidado e as devidas ressalvas. Foi, de facto, um século penoso e a Alemanha tem a fatia maior de responsabilidade. Da I Guerra ao III Reich, enfim, foram tempos sangrentos, e a eficiência alemã esteve bem patente, infelizmente pelos piores motivos. Grave é que o passado não ficou lá longe nem é uma memória histórica cristalizada. Longe disso. Primeiro porque a eficiência alemã leva-os a superarem sempre os maus momentos, segundo porque o seu código genético é intrinsecamente violento, expansionista e bárbaro. Cada povo com a sua genética constrói a sua identidade: os portugueses de alma fadista, trágica e "desenrascada"; os italianos alegres e bons-viventes; os britânicos humanistas e rigorosos; os alemães expansionistas e eficientes; e por aí fora. Da mesma forma que o Comunismo tem muito de feudal e agrário, a psicologia alemã tem muito de imperial. É por isso que hoje, com cuidado mas sem receios, afirmo que vivemos o IV Reich, agora financeiro, é certo, mas não diferente no ideal: a anexação de toda a Europa. Claro que nós latinos fizemos uma gestão “labrega” das contas dos Estados, é um facto, mas o orgulho calculista e paternalista com que a Alemanha conduz os desígnios do Velho Continente é falso, arrogante e enganador. Mais não seja porque os alemães agem como se fossem modelos de gestão das suas contas e capazes de ensinar os vizinhos europeus a porem as suas finanças em ordem. Ora, o erro deste cálculo é o revisionismo histórico. Desde a I Guerra Mundial que a Alemanha anda a reboque das ajudas externas e do perdão de dívidas. A isto se junta as dívidas por saldar, nomeadamente à Grécia, a quem impõe a sua austeridade, em suma, o seu jugo, mas a quem não retiram a obrigação de importar produtos alemães, cite-se a título de exemplo, os submarinos.

Poderá a Europa, diante da actual crise financeira e de modelo ideológico, remontar o ideal da Paz Kantiana? Sinceramente não sei. Até porque tenho sérias dúvidas que “paz” e “Alemanha” sejam conceitos conciliáveis. O gene expansionista alemã estará sempre lá. Agora não é mais o poderio bélico mas é o domínio financeiro. No futuro veremos se não será também político. Hitler pode muito bem estar morto, mas ele nunca foi mais do que a personificação (extrema) de um ideal germânico, que naturalmente lhe sobreviveu.

Ora, a Europa não permanece toda em silêncio, mal seria. Os britânicos sabem bem que os alemães não são “pêra-doce” e os gregos expressam bem a sua revolta contra a tirania. O suícidio pode ser físico mas não é moral. Enquanto existirem povos capazes de dizer “não” à ditadura atual imposta por Merkel e os poderes nazis-financeiros ocultos haverá esperança numa Europa real e renascida. Importa e muito que a França faça cair a marioneta que dá pelo nome de Sarkozy. Uma virada à esquerda do governo francês será uma “lufada de ar fresco” nos desígnios europeus. Merkel não é nem pode ser dona da Europa. Pode até ser uma alemã raivosa, castradora, clerical (o factor direita-católica amarra a Igreja de Ratzinger) mas não é senhora dos desígnios dos povos. Os povos latinos são bons a livrarem-se de tiranos, já têm longa tradição de primeiro os fazer subir ao poder, mas precisam dos lá do norte para os organizarem e conduzirem.

É fundamental que o IV Reich tombe, nem que seja marchando sobre Berlim, uma vez mais.

UM POEMA CONTRA ISRAEL


Transcrevemos do "Jornal de Negócios" o poema que Günter Grass, Prémio Nobel da Literatura em 1999, publicou ontem no "Süddeutsche Zeitung" e que tem sido objecto de grande divulgação e debate na imprensa internacional:

O escritor alemão Günter Grass, laureado com o Prémio Nobel da Literatura em 1999, disfarçou de poema um artigo sobre o programa nuclear iraniano, onde se opõe declaradamente a que Israel ataque o Irão. Vai mais longe: diz que Israel ameaça a paz mundial. Já há reacções. E bastante inflamadas.

Günter Grass é contra qualquer ataque ao Irão por parte de Israel. E di-lo hoje, com todas as letras, sob a forma de um poema intitulado “O que há a dizer” e publicado em simultâneo em vários jornais.

O escritor alemão, conhecido por obras como “O tambor” ou “A ratazana”, fala da “hipocrisia do Ocidente”, ataca a capacidade nuclear de Israel e o facto de não haver provas de que o programa nuclear do Irão se destine à construção de armas.

Além disso, critica a Alemanha por fornecer um submarino a Israel, que poderá com ele lançar mísseis sobre o Teerão.

No mesmo poema, Grass salienta que o seu sangue alemão o tem impedido de se pronunciar contra Israel (numa alusão “ao peso carregado” pela Alemanha devido às atrocidades de Hitler contra os judeus), mas que chegou a hora de quebra o silêncio.

As reacções ao poema de Grass, actualmente com 84 anos, não se fizeram esperar. A embaixada de Israel em Berlim respondeu com a sua própria versão de “O que há a dizer”. “O que há a dizer é que é tradição europeia acusar os judeus (…) o que há a dizer é que Israel é o único Estado do mundo cujo direito a existir é abertamente posto em causa”, diz a declaração da embaixada, sublinhando que os israelitas querem viver em paz com os seus vizinhos. 

“Não estamos preparados para desempenhar o papel que Günter Grass está a tentar atribuir-nos, como parte dos esforços do povo alemão de ajustar contas com o passado”, finaliza o comunicado, citado pelo “Spiegel Online”.

Em vários jornais alemães, é notória a crítica feita a Grass, que é acusado de ser um antisemita. Uns entendem e apoiam as críticas, outros defendem o escritor. Afinal, o que há a dizer?


O que há a dizer

Porque guardo silêncio, há demasiado tempo,

sobre o que é manifesto

e se utilizava em jogos de guerra

em que no fim, nós sobreviventes,

acabamos como meras notas de rodapé.

É o suposto direito a um ataque preventivo,

que poderá exterminar o povo iraniano,

conduzido ao júbilo

e organizado por um fanfarrão,

porque na sua jurisdição se suspeita

do fabrico de uma bomba atómica.

Mas por que me proibiram de falar

sobre esse outro país [Israel] onde há anos

- ainda que mantido em segredo –

se dispõe de um crescente potencial nuclear,

que não está sujeito a qualquer controlo,

já que é inacessível a qualquer inspecção?

O silêncio geral sobre esse facto,

a que se sujeitou o meu próprio silêncio,

sinto-o como uma gravosa mentira

e coacção que ameaça castigar

quando não é respeitada:

“anti-semitismo” se chama a condenação.

Agora, contudo, porque o meu país,

acusado uma e outra vez, rotineiramente,

de crimes muito próprios,

sem quaisquer precedentes,

vai entregar a Israel outro submarino

cuja especialidade é dirigir ogivas aniquiladoras

para onde não ficou provada

a existência de uma única bomba,

se bem que se queira instituir o medo como prova… digo o que há a dizer.

Por que me calei até agora?

Porque acreditava que a minha origem,

marcada por um estigma inapagável,

me impedia de atribuir esse facto, como evidente,

ao país de Israel, ao qual estou unido

e quero continuar a estar.

Por que motivo só agora digo,

já velho e com a minha última tinta,

que Israel, potência nuclear, coloca em perigo

uma paz mundial já de si frágil?

Porque há que dizer

o que amanhã poderá ser demasiado tarde,

e porque – já suficientemente incriminados como alemães –

poderíamos ser cúmplices de um crime

que é previsível,

pelo que a nossa quota-parte de culpa

não poderia extinguir-se

com nenhuma das desculpas habituais.

Admito-o: não vou continuar a calar-me

porque estou farto

da hipocrisia do Ocidente;

é de esperar, além disso,

que muitos se libertem do silêncio,

exijam ao causante desse perigo visível

que renuncie ao uso da força

e insistam também para que os governos

de ambos os países permitam

o controlo permanente e sem entraves,

por parte de uma instância internacional,

do potencial nuclear israelita

e das instalações nucleares iranianas.

Só assim poderemos ajudar todos,

israelitas e palestinianos,

mas também todos os seres humanos

que nessa região ocupada pela demência

vivem em conflito lado a lado,

odiando-se mutuamente,

e decididamente ajudar-nos também.

OS HOTÉIS DE NOVA IORQUE


Os hotéis de Nova Iorque são um perigo. Há um ano, num hotel da cidade, o jovem Renato Seabra terá assassinado o cronista Carlos Castro. Quatro meses depois, Dominique Strauss-Kahn foi preso por ter supostamente violado uma empregada do hotel onde pernoitara.

Anteontem, Richrad Descoings, de 53 anos, director de Sciences Po (o famoso instituto de estudos políticos de Paris), que se deslocara a Nova Iorque para assistir a uma conferência, foi encontrado morto no seu quarto num hotel de Manhattan. Segundo o "Nouvel Observateur", a autópsia foi inconclusiva, sendo necessária a realização de novos testes. A polícia de Nova Iorque informou que prossegue o inquérito às causas do óbito.

A morte do director de Sciences Po provocou a maior emoção em França.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

SUICÍDIO EM ATENAS


Segundo relata o "Guardian", um homem de 77 anos suicidou-se esta manhã com um tiro na cabeça na praça Syntagma, frente ao Parlamento de Atenas.

Deixou uma mensagem em que dizia ser reformado e não poder viver nas condições actuais a que está sujeito o povo grego. Acrescentava ainda que se recusava a procurar comida nos caixotes do lixo e que por isso punha termo à vida.

O acontecimento chocou profundamente a população da capital, que durante o dia acorreu ao local do suicídio, colocando flores.

Os políticos gregos (gente sem vergonha como a maior parte dos actuais políticos dos outros países) manifestaram a sua consternação.

Para mais informações deve ser lida a notícia do jornal britânico.

FUTEBOL E NACIONALIDADES


O futebol poderia ser, mas não é, um dos grandes contribuintes para o diálogo de civilizações.

Segundo informa o PÚBLICO, o jogador Zakaria Labyad, natural de Utreque, que completou há dias 19 anos, que integrou a equipa holandesa de sub-17, e que optou depois pela nacionalidade marroquina, para jogar na selecção do país dos seus pais, embora esteja hoje a jogar na equipa holandesa  PSV Eindhoven, vai transitar para o Sporting.


Teremos assim um natural da Holanda, de ascendência marroquina, que teve a nacionalidade holandesa e tem hoje a marroquina, a jogar em Portugal. Não é caso único, muito pelo contrário. A confusão de naturalidades e de nacionalidades no futebol é tal que mais valia que os jogadores tivessem sempre a naturalidade e nacionalidade dos clubes e das selecções que representam, ou, em alternativa, que fosse criada uma nacionalidade futebolística universal, e não mais houvesse problemas dessa natureza nas equipas.

terça-feira, 3 de abril de 2012

AGORA É O MALI


Anda o mundo islâmico em desassossego. Agora é o Mali, onde os confrontos que decorrem desde Janeiro estão a assumir proporções da maior gravidade. Estima-se que 200.000 pessoas tenham já abandonado as suas casas, metade das quais permaneceu no país, a outra metade refugiando-se nos países vizinhos (Mauritânia, Níger, Burkina Faso ou Argélia). O golpe de estado militar, dirigido pelo capitão Amadou Haya Sanogo, que na noite de 21 para 22 de Março depôs o presidente Amadou Touré, com o argumento de que este não conseguia controlar a revolta tuaregue no norte do país, resultou infrutífero, uma vez que os rebeldes, integrando grupos islamistas, não cessam de avançar no terreno, tendo já ocupado a histórica e simbólica cidade de Timbuktu.



A Comunidade de Estados da África Ocidental (CEDEAO) impôs, ontem, sanções à Junta Militar, o que está a provocar escassez de alimentos e de combustível e hoje a União Africana aprovou novas sanções contra os militares golpistas e os rebeldes, incluindo congelamento de bens e proibição de viajar. O principal grupo islamista em acção é o Ansar Dine, que está estreitamente ligado ao AQMI (Al-Qaeda no Maghreb Islâmico) e cuja pretensão é constituir uma república islâmica  pelo menos no norte do Mali, senão em todo o país. Combate aliado ao Mouvement national de libération de l'Azawad (MNLA), uma região que abrange uma parte do sul da Argélia, uma parte do norte do Mali e uma parte do norte do Níger.



Em Bamako, capital do Mali, receia-se um atentado, e o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Alain Juppé, pediu aos franceses que o possam fazer, que abandonem rapidamente o país. Os objectivos do Ansar Dine e do MNLA não são coincidentes. O primeiro quer manter a integridade territorial do Mali e aí instaurar a sharia, o que já começou a fazer em Timbuktu; o segundo pretende a independência do norte do território.

Segundo "Le Monde", a França obteve dos seus parceiros no Conselho de Segurança um "acordo de princípio" para uma declaração sobre o Mali, esperando que esse texto seja aprovado ainda esta noite ou amanhã. A declaração condena o golpe de Estado em Bamako e a ofensiva dos rebeldes no norte e exige o imediato regresso à ordem constitucional e o restabelecimento do presidente Amadou Touré e do governo democraticamente eleito.

Estamos a passar da Primavera Árabe para a Primavera Islâmica.