terça-feira, 8 de novembro de 2011

WAGNER, LÉVI-STRAUSS E A PAIXÃO DO INCESTO


A propósito das recentes transmissões televisivas em directo que a Fundação Gulbenkian tem estado a efectuar da Metropolitan Opera de Nova Iorque, dos espectáculos da Tetralogia O Anel do Nibelungo, e de uma revisitação que fiz da obra de Claude Lévi-Strauss, encontrei-me a folhear o livro de Yvan Simonis que figura na imagem acima.

De facto, antes de o autor de Tristes Tropiques se debruçar sobre o tabu do incesto, um interdito que cose a natureza e a cultura e que funda a ordem simbólica co-extensiva à natureza humana, mas que, até hoje, nunca deixou de ser infringido ao longo dos séculos e das civilizações, Wagner, um génio musical e ao mesmo tempo, como normalmente os génios, uma personalidade em extremo complexa, cultivou na obra o tabu ancestral e manteve na vida relações que o terão estimulado a compor óperas que revolucionaram, pela música e pelo argumento, as convenções da época.

Mais do que analisar aqui sumariamente o que Simonis sustenta no livro, a partir das três intuições fundamentais de Lévi-Strauss (Freud, Marx e a geologia) e das contribuições de L-S para a renovação da antropologia e do estruturalismo, de que é uma das figuras centrais, prefiro dedicar algumas linhas a Wagner e à Tetralogia.

Começando por Wagner, e saltando sobre a sua agitada vida política e muitas das suas ambiguidades (Hitler tributava-lhe um culto tão profundo que transformou Bayreuth num dos"santuários" do nazismo), o compositor envolveu-se sentimentalmente com várias pessoas, sucessiva e simultaneamente, desde Wilhelmine Planer (Minna), com quem casou, que o abandonou mas que acabou por regressar até à separação final, a Mathilde Wesendonck(com o apoio do marido desta, Otto), ao rei Ludwig II da Baviera e, por fim, a Cosima Liszt, filha do compositor Franz Liszt e mulher do grande amigo de Wagner, o famoso maestro Hans von Bülow, segundo director da Orquestra Filarmónica de Berlim e que dirigiu a estreia do Tristan und Isolde e de Die Meistersinger von Nürnberg. Cosima acabaria por se divorciar de von Bülow - aliás as duas últimas filhas do casal já eram filhas de Wagner - para casar com este. No entanto, o grande maestro nunca se zangou com Wagner de quem permaneceu amigo e discípulo, continuando a dirigir as suas óperas. Um percurso realmente sinuoso e apenas falámos das personagens principais da vida de Wagner. Claro que houve as secundárias.



Die Walküre, de Richard Wagner. Gwineth Jones em 'Brünnhilde' e Peter Hofmann em 'Siegmund'. Festival de Bayreuth, 1981. Direcção musical de Pierre Boulez. Encenação de Patrice Chéreau

No que respeita à Tetralogia, Wagner exalta aqui o incesto. Siegmund e Sieglinde, filhos de Wotan (o pai dos deuses da mitologia germânica), são irmãos e procriam Siegfried. Brünnhilde, uma das valquírias, também é filha de Wotan, e mantém uma relação sexual com Siegfried. E não deixou, pelo menos em teoria, de ser sensível aos encantos de seu irmão Siegmund. A vida do casal  Wotan/Fricka é também tempestuosa devido às infidelidades do marido.

Em Tristan und Isolde, que não vem agora à colação, os amores também são complicados, tal como no Lohengrin. Aliás, as óperas de Wagner retratam de alguma forma a vida sentimental agitada do compositor, e também a sua complicada vida social.

Um dia, com mais tempo e espaço, voltarei ao assunto.

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