quinta-feira, 30 de junho de 2011

A OBSCENIDADE DA DEMOCRACIA


É suposto (e escrevo que é 'suposto' pois já de quase nada tenho a certeza) que a Grécia é a mãe da DEMOCRACIA. A própria palavra 'democracia' é grega. Todavia, os acontecimentos que se verificam desde há semanas (ou meses) naquele país, não abonam muito a favor do conceito de 'governo ou poder do povo'.  As sucessivas medidas de austeridade impostas à Grécia ameaçam a sobrevivência desta nação enquanto estado independente e a contestação às mesmas na praça pública (poderíamos dizer na 'agora') tem-se revelado, por enquanto, relativamente inócua.

Parece que os gregos têm vivido "acima das suas possibilidades", expressão hoje largamente utilizada na indigente comunicação social nacional mas que foi usada várias vezes, em tempos idos, por Salazar, a propósito do reequilíbrio das finanças portuguesas. Não sei se a generalidade dos gregos trabalha pouco e ganha muito, mas de certeza que a crítica situação financeira a que chegou a Grécia se deve em especial à má governação, à corrupção da classe política (como é atestado pelas cerca de três centenas de fotografias identificadas que constam dos cartazes afixados nas principais ruas de Atenas) e à especulação financeira globalizada que, se não for travada, destruirá completamente o planeta.

Ensinou-me a idade e a experiência da vida que não há regimes bons, sendo que uns são piores do que outros. Assim, considerando-se as democracias superiores às ditaduras, e havendo democracias más e muito más e ditaduras más e muito más, poderá ocorrer que uma ditadura má seja superior a uma democracia muito má. De resto, é bom não esquecer, foi na velha democracia ateniense que Sócrates (o Filósofo) foi condenado no Tholos da Agora a beber a cicuta.

Ruínas do Tholos na Agora de Atenas

As medidas draconianas (o termo é apropriado, já que Drácon foi uma espécie de ditador) impostas agora ao povo grego têm o mérito de revelar a face oculta de uma organização totalitária (a União Europeia) e de uma classe que não ousa dizer o nome (a banca internacional). Não creio que essas medidas salvem a Grécia e receio mesmo que contribuam para o desastre total da Europa, governada por criaturas ambiciosas, ineptas e inaptas, mergulhando o Velho Continente na miséria e no caos.

Reclamando-se a União Europeia dos mais lídimos princípios da democracia (que até pretende exportar, tal como os Estados Unidos, para outras latitudes e longitudes), não poderemos deixar de contemplar o rosto obsceno desse tipo de democracia.

Essa contemplação levou-nos a reflectir sobre o livro de Jacques Vergès La démocratie à visage obscène. O seu autor é um advogado controverso, todavia um dos mais notáveis advogados da França e do mundo. Apelidado muitas vezes  de "advogado do Diabo", tem defendido, ao longo da sua extensa carreira, as mais controversas figuras da vida internacional.

O livro em questão tem a ver com a invasão do Iraque por George W. Bush, e com os procedimentos criminosos das forças armadas americanas. Mas é igualmente um libelo acusatório contra os países, e os políticos, que envergando as vestes da democracia, actuam como os próceres das mais sanguinárias ditaduras.

Assim, deveremos acautelar-nos dos rótulos democráticos e dos propósitos dos democratas. Todo o cuidado é pouco com os falsos profetas. Atente-se nas palavras do Evangelho: «Pelos frutos os conhecereis».

domingo, 26 de junho de 2011

A MORTE DE CILINHA


Passou relativamente despercebida a morte, o mês passado, de Cecília Supico Pinto (30.5.1921-25.5.2011), em vésperas de completar 90 anos. Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto - que foi casada com Luís Supico Pinto, uma figura da maior projecção no Estado Novo - desempenhou um papel de relevo no apoio às tropas portuguesas que combateram em África, durante a guerra colonial.

Conhecida popularmente como Cilinha, criou em 1961 o Movimento Nacional Feminino, de que foi a presidente, e que era uma organização de mulheres destinada a prestar apoio moral e material aos militares portugueses. Nessas funções, realizou diversas visitas a África e tornou-se mesmo uma personagem de relevo do antigo regime, chegando a exercer alguma influência política junto de Salazar.

Importa dizer-se que, para lá da apreciação que possa fazer-se da guerra colonial, o Movimento Nacional Feminino contribuiu inegavelmente para minorar as carências das tropas em combate, o que é ainda hoje atestado pelos sobreviventes do conflito ocorrido entre 1961 e 1974.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

O PERIGO ALEMÃO


Em 1990, Pierre Béhar, professor de literatura e civilização alemãs nas universidades de Clermont-Ferrand e de Limoges, director de investigação do Centro de Estudos Superiores do Renascimento da Universidade de Tours, professor de geopolítica da Europa Central no Instituto de Estudos Europeus da Universidade de Paris-VIII e na Academia Diplomática de Viena, etc., publicou um interessantíssimo estudo intitulado Du Ier au IVe Reich. Adquiri o livro aquando da sua edição mas, porque outros assuntos suscitaram com mais premência a minha atenção, só agora tive oportunidade de lê-lo.

Para além da análise criteriosa que desenvolve sobre a história do Império, vulgarmente chamado Alemão (o Santo Império Romano-Germânico), sucessor do Império Romano, a obra, ainda que desactualizada (decorreram já 21 anos sobre a sua publicação e o cenário europeu mudou bastante), tem um carácter premonitório sobre o que se passa actualmente na Europa.

A tese do autor é, de alguma forma, comparar a Germânia e o Império, o crescimento da primeira e a decadência do segundo. Sabemos todos que originalmente o termo Reich designava o Império Romano restaurado pelos alemães, e que se distinguia do Estado alemão, constituído pelo reino da Germânia.

Derrubado o Império Romano, no caso vertente o Império Romano do Ocidente, em 476, foi a dignidade restabelecida com a criação do Santo Império, de que foi primeiro titular Carlos Magno, coroado pelo papa Leão III no dia de Natal de 800. Por sua morte, a herança pulverizou-se em territórios imperiais que abrangiam grosso modo a França, a Europa Central, o norte de Itália. E em 887, Arnulfo foi proclamado rei da Germânia. Seu neto, Otão I (936-973),  foi também coroado imperador do Ocidente e com ele o Império recupera anteriores divisões e atinge o seu apogeu. Depois recomeça a fragmentação.

Não cabe aqui descrever todas as vicissitudes da Europa Central ao longo de mil anos. Aconselho vivamente que se leia o livro. Mas não resisto a registar alguns notas, especialmente sobre as ligações da Alemanha e da Casa de Áustria. Separada a França do Império, restaram muitos estados sob o chapéu do imperador, que eles mesmos elegiam. Os eleitores tinham diversas dignidades: príncipes, arcebispos, condes,etc. O Império não era hereditário, embora por vezes passasse de pais para filhos, donde a existência de várias dinastias. Uma das mais importantes foi a de Hohenstaufen, cujo monarca principal foi Frederico II (1220-1250). A instalação dos Habsburgos no Império deve-se a Rodolfo IV, conde de Habsburgo, que foi eleito rei da Germânia como Rodolfo I, instalou-se em Viena, mas não chegou a usar a dignidade imperial. O primeiro Habsburgo a ter a dignidade de Imperador foi Frederico III (1452-1493). Sucedeu-lhe seu filho Maximiliano I, e a este, o seu neto, Carlos-Quinto, também rei das Espanhas (que venceu na eleição o outro candidato, o rei de França, Francisco I), e que foi um dos mais poderosos monarcas de todos os tempos. Não conseguiu Carlos-Quinto que seu filho, Filipe II de Espanha cingisse a coroa imperial, que foi transmitida a seu irmão Fernando I. Depois, e simplificando, todos os imperadores pertenceram à Casa de Áustria (ainda que confirmados por eleição), até Francisco II, que em 1806, devido à derrota do Império nas guerras napoleónicas, depôs a coroa imperial e passou a usar o título de imperador da Áustria, com o nome de Francisco I. Estava extinto o I Reich.

Lutero, a Reforma, e a instalação do protestantismo em terras alemãs teve, a termo, um significado decisivo para este desenlace. Contra os Áustrias, fundamentalmente católicos, erguiam-se os príncipes alemães, maioritariamente luteranos. Mas o facto de a mesma dinastia, desde Carlos-Quinto, governar o Império e o reino de Espanha vai criar um antagonismo entre a Alemanha e a França, cujas histórias se tornarão inseparáveis.

Entretanto, começa a desenhar-se o reino da Prússia, verdadeiramente criado pela Ordem do Hospital de Santa Maria da Casa Alemã, também conhecida por Ordem Teutónica. Desta aventura não cabem aqui desenvolvimentos. Diga-se apenas que os teutónicos ofereceram, em 1511,  a dignidade de grão-mestre a um membro da Casa de Hohenzollern, estabelecida em Brandeburgo desde 1417: Albrecht de Brandeburgo. Porque o eleitor de Brandeburgo, Frederico III, dispunha de um principado que não dependia do Império nem de qualquer outro reino, o ducado da Prússia, de que era soberano, solicitou ao imperador autorização para se tornar rei, o que Leopoldo I acabou por consentir. Assim, em 1701, o eleitor de Brandeburgo Frederico III tornou-se Frederico I, rei na Prússia (e não da Prússia, visto que a Prússia ocidental pertencia ainda ao rei da Polónia). Pela primeira vez uma terra alemã era erigida em reino.

Desde a morte de Luís XIV (1.9.1715) até 8 de Maio de 1945, as relações europeias, e portanto as internacionais, vão ser determinadas pelas relações entre a Prússia - ou a sua metamorfose alemã - e as outras potências, designadamente a França.

A conjunção de três acontecimentos: o acesso dos príncipes Eleitores à dignidade real, o avanço da Áustria para o sudeste europeu e a instalação de um Bourbon no trono de Espanha (Filipe V: 1700-1746), mudava a face da Europa. Luís XIV fora o primeiro a compreendê-lo (e a perceber que o perigo para a França já não podia vir de Espanha) ao afirmar: «Já não há Pirinéus». E também não poderia advir da Casa de Habsburgo, reduzida apenas ao seu ramo alemão e que estava a  contas com o progresso militar dos turcos. O perigo residia tão só na possibilidade de uma Alemanha reunida sob a égide de algum novo príncipe. O velho Luís XIV, entre a assinatura do tratado de Rastatt (6.3.1714) e a sua morte (1715) concebeu uma inversão das alianças que implicava uma alteração radical da política francesa seguida desde Francisco I em relação à Casa de Áustria. Mais do que concebê-la, tentou aplicá-la, mas entretanto morreu. Não o compreendeu o imperador Carlos VI, que votava uma verdadeira aversão aos Bourbons (fora candidato ao trono de Espanha) nem o povo francês, que outrora não compreendera (tal como Richelieu ou Mazarino) a necessidade da guerra contra a Casa de Áustria, mas que agora passara a odiá-la por causa do último conflito relativo à posse do trono de Madrid. O desaparecimento de Luís XIV iria permitir livre curso às forças contrárias à França e à Áustria.

Os seguintes quarenta anos foram aproveitados pela Prússia, com Frederico I e depois com seu filho Frederico-Guilherme I , para se transformar numa potência moderna. O filho deste último, Frederico II, o Grande (rei na Prússia: 1740-1772 e rei da Prússia: 1772-1786) - de quem Hitler tinha o retrato no seu gabinete da Chancelaria do Reich e depois no bunker de Berlim - com o exército (83 mil homens) e o tesouro (10 milhões de thalers) que herdou do pai, podia acariciar as mais vastas ambições, e assim engrandeceu o seu reino. Diga-se que Frederico II foi um homem dedicado às artes e às letras e pessoa de requintado gosto.

Abreviando porém, porque o texto vai já longo, veremos que é Napoleão o verdadeiro pai da unidade alemã. Com a Revolução Francesa, o Primeiro Império e a guerra europeia que se lhe seguiu a Prússia é derrotada, o que não impede que saia confortada do Congresso de Viena de 1815.

Entretanto, com Napoleão senhor da Europa, em 1806, como acima se referiu, o imperador Francisco II depusera a coroa do Santo Império e proclamara-se imperador da Áustria, com o nome de Francisco I. O I Reich, fundado por Carlos Magno e restaurado por Otão, o grande, chegara, pois, ao fim.

A sublevação de 1848 faz crer à Prússia que chegou a sua hora. Os deputados do parlamento de Frankfurt, incapazes de proceder à unificação da Alemanha, oferecem a Frederico-Guilherme IV a coroa de "Imperador dos Alemães", que este declina, pensando obtê-la antes dos príncipes alemães. Guilherme I sucede a seu irmão Frederico-Guilherme IV em 1861 e chama para chanceler o conde, depois príncipe, Otto von Bismarck. A guerra franco-prussiana e a capitulação de Napoleão III em Sedan em 1870, determinou a criação da Terceira República Francesa e a proclamação, em 1871, na Galeria dos Espelhos, em Versalhes, de Guilherme I como imperador da Alemanha. Nascera o II Reich. Mas o Império Austríaco continuava a existir. Com o atentado de Sarajevo, que vitima o arquiduque herdeiro da Áustria, Francisco Fernando, a Alemanha entra na Primeira Guerra Mundial ao lado da Áustria. As Potências Centrais (os Impérios Alemão, Austro-Húngaro e Otomano) perdem-na a favor da Tríplice Entente (Império Britânico, França, Império Russo, até 1917 e Estado Unidos, desde 1917). Guilherme II da Alemanha exila-se nos Países Baixos e é proclamada a República de Weimar, retalhada no seu território e obrigada a pagar pesadas indemnizações aos vencedores. Os franceses tudo fazem para a humilhação da Alemanha. A Áustria passa também a ser uma república. A propósito, Jacques Bainville escreve a famosa obra Les Conséquences politiques de la Paix.


Os alemães não se conformam com o Tratado de Versalhes. Inicia-se a corrida para o abismo. Em 1933, Adolf Hitler torna-se chanceler da Alemanha; em 1934, por morte do presidente da república, o marechal Hindenburg, Hitler assume também a chefia do Estado, proclamando-se Führer do que passou a ser o III Reich, isto é, a ressurreição do Santo Império de Carlos Magno.

Chegámos aos nossos dias. Hitler invade parte da Europa, é desencadeada a Segunda Guerra Mundial que a Alemanha perde, e o Führer suicida-se (segundo a história oficial) no seu bunker de Berlim, em 30 de Abril de 1945. A Alemanha é dividida em quatro zonas de ocupação: britânica, francesa e americana (que virão a constituir a República Federal da Alemanha e russa (que será a República Democrática Alemã).

Em 1989, na sequência das transformações na União Soviética, dá-se a queda do Muro de Berlim. A Alemanha é reunificada. Desde então muita água passou sob as pontes. O livro que analisámos foi publicado em 1990, mas o seu autor, desconhecendo obviamente o futuro, não deixou de escrever: «Il est bien évident que si l'on constitue l'Europe politique sur le modèle de l'Europe économique, c'est-à-dire celui d'une intégration pure et simple, on aboutira nécessairement à une prépondérance politique de l'Allemagne en Europe». E acrescenta: «Une telle intégration politique serait le moyen le plus assuré de déséquilibrer l'Europe de l'intérieur». Estaremos na iminência de um IV Reich, como premonitoriamente receava o autor, ou ele já hoje existe?

Termino com duas frases com que Pierre Béhar conclui a sua obra Du Ier au IVe Reich: Uma do cardeal de Bernis em instruções a Choiseul, embaixador em Viena: «Il faut tout prévoir et ne pas tout craindre». Outra do chanceler austríaco Kaunitz: «Bien des choses ne sont pas tentées parce qu'elles semblent impossibles; mais bien des choses ne semblent impossibles que parce qu'elles ne sont pas tentées».

domingo, 19 de junho de 2011

A CRISE GERAL

Como escrevi já mais do que uma vez, a crise internacional avoluma-se. Não é só a Grécia a braços com a dívida e a especulação dos mercados. São os países que, par lá da Islândia,  já recorreram ao resgate: a Irlanda e Portugal. E os outros (europeus) que estão na mira de intervenção: Espanha, Itália, Bélgica e mesma a França. Há uma União Europeia que, por mal construída, e pela cupidez de alguns, provoca a desgraça de muitos e que por isso tende a implodir mais rapidamente do que se pensa. Os países do leste europeu (dentro e fora da União) em piores condições que os ocidentais, tentam a custo sobreviver.

O mundo árabe permanece numa situação inquietante: em Marrocos, multidões contestam o projecto de nova constituição entregue ao rei; na Argélia, mantém-se elevada tensão que a comunicação social não tem relatado; na Tunísia, as eleições previstas para 24 de Julho vão ser adiadas; na Líbia, Qaddafi não fica nem sai e a NATO, excedendo o mandato das Nações Unidas, já bombardeia casas de habitação; o Egipto continua (até quando) governado por uma Junta Militar; na Síria, que se supunha passasse relativamente ao lado de medidas extremas, há mais de 1.500 mortos, sem se vislumbrar saída para a confrontação; os países do Golfo tentam um delicado equilíbrio, à excepção do Iémen, onde a confusão é total; o conflito israelo-palestiniano mantém-se há mais de meio século; o Líbano, entalado entre Israel e a Síria, permanece expectante; do Iraque, nem vale a pena falar.

Da Ásia, pouco mencionada na nossa imprensa, nada corre pelo melhor. Aliás, no Paquistão corre tudo pelo pior. O Irão aguarda qualquer mudança, mas ignora qual. O Afeganistão voltou à era taliban, apesar dos biliões que foram gastos e dos mortos em combate ou "vítimas colaterais". A Índia debate-se com sérios problemas e continua miserável como no tempo da ocupação britânica e a própria China não manterá por muitos anos o milagre económica de um regime e dois sistemas.

Os Estados Unidos a braços com grave crise económica e elevado desemprego não acharam com Obama uma resolução para os seus problemas, largamente herdados dos dois sinistros mandatos de George W. Bush. E os países da América Latina (Brasil obviamente incluído) a par dos êxitos que registam, vão averbando progressivamente incontáveis fracassos.

Na África Negra, da Nigéria à Costa do Marfim, do Zimbabué à Tanzânia ou à Somália (teoricamente árabe), o panorama é o que nos tem sido dado observar.

Sem a preocupação de um diagnóstico exaustivo, temos é a preocupação da situação presente, e mais do que esta, a da situação futura. Esperam-nos tempos sombrios, não por causa das medidas das "troikas", que por agora só afligem alguns países, mas porque não se pressente vontade, nem inteligência, nem seriedade, para atacar as causas susceptíveis de provocar a eclosão de uma tragédia planetária. Temos ficado por atacar, quando muito, apenas as consequências.

Não sou um pessimista, apenas um realista, e por isso acabo com uma nota de alegria. Lembro a manifestação entusiástica que hoje envolveu Cristiano Ronaldo em Istambul, na inauguração de um supermercado (!). C.R., mais ovacionado que a mais famosa estrela do espectáculo. Não é para admirar: talvez ele seja ainda um futebolista.Mas, mais do que isso, ele é, hoje, a personificação do espectáculo.


Diz mesmo a notícia que o internacional português foi "assediado por centenas de jornalistas". Vivemos também hoje um tempo de "assédios", certamente por causa da crise.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O GOVERNO MUNDIAL (III)


Realizou-se a semana passada a conferência anual do Clube de Bilderberg, em St. Moritz, na Suiça. Referimo-nos a esta "venerável" instituição no nosso post de 22 de Abril do ano passado. Porque o blogue Classe Política lhe dedicou ontem um post, dispensamo-nos por ora de mais comentários.

terça-feira, 14 de junho de 2011

LUC FERRY - UN FILS DE PUTAIN

Luc Ferry
O filósofo francês Luc Ferry, que foi ministro da Educação Nacional entre 2002  e 2004, declarou há duas semanas, no Canal+ da televisão francesa, ter conhecimento de um antigo ministro que fora preso em Marrakech, há anos, quando se encontrava numa orgia com rapazes menores. Disse textualmente: «un'ancien ministre s'est fait poisser à Marrakech dans une partouze avec des petits garçons». E acrescentou que o caso não teve consequências devido à intervenção das mais altas autoridades francesas e marroquinas. Depois do caso Strauss-Kahn, as afirmações de Luc Ferry têm agitado a França nos últimos dias. O Nouvel Observateur deu conta dos pormenores das infelizes afirmações proferidas na televisão e o seu director, Laurent Joffrin, chamou a Ferry um "délateur embrouillé". No seu editorial do número do Nouvel desta semana, que infelizmente não se encontra online mas que deverá ser lido, Joffrin escreve: «Comme il partage apparemment son temps entre les salons et les studios de télévision, Luc Ferry a fini par les confondre».

Recusando-se a nomear o visado, para evitar um processo judicial, mas dizendo que o seu nome seria amplamente conhecido do microcosmos político-mediático, Ferry levou a que todos os olhares se virassem para Jack Lang, ministro da Cultura (1981-1992) de Mitterrand e ministro da Educação Nacional (2000-2002), sob Chirac. Tem sido Lang, ao longo da sua carreira política, alvo de rumores que o associam a casos de homossexualidade, e mesmo de pedofilia,  desde o célebre Caso do Corral (em que também foram associados os nomes de René Schérer, professor da Universidade de Paris, do escritor Gabriel Matzneff, dos filósofos Michel Foucault e Félix Guattari e do próprio primeiro-ministro Pierre Mauroy) até às suas tomadas de posição favoráveis a relações sexuais entre adultos e pessoas menores de idade (não crianças, certamente) e ao seu apoio a Roman Polanski (perseguido pela justiça americana) e mais recentemente a Dominique Strauss-Kahn (preso nos Estados Unidos, a aguardar julgamento). Nunca, porém, se provou que Jack Lang estivesse envolvido em quaisquer casos de pedofilia ainda que, embora casado e pai de duas filhas, haja a convicção generalizada das suas preferências por rapazes.

As acusações televisivas de Luc Ferry, insinuando personalidades mas omitindo nomes, fazem pairar a suspeição sobre Lang, em primeiro lugar, mas também sobre alguns outros ministros da época. O caso ter-se-ia verificado na década de 90 do século passado. O actual ministro dos Negócios Estrangeiros, Alain Juppé, declarou à France Culture que o antigo ministro (Ferry) faria melhor de «saisir la justice» do que «bavasser dans la presse». E a anterior ministra da Justiça, Rachida Dati, afirmou: «Ce qu'il dit, c'est la non-dénonciation d'un crime», passível de três anos de prisão e de 45.000 euros de multa.

Este comportamento de Luc Ferry é claramente inadmissível. No editorial desta semana, Laurent Joffrin acusa-o de «desconfiança geral, calúnia rotineira e "poujadismo" com verniz metafísico". Eu chamo-lhe filho da puta.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

FERNANDO PESSOA


Passa hoje o 123º aniversário do nascimento de Fernando Pessoa, uma das figuras maiores do pensamento português e universal.

Porque não são necessárias mais palavras, regista-se a efeméride para os fins convenientes.

AS REVOLUÇÕES ÁRABES



O desassossego no mundo árabe não conhece tréguas. Desde a eclosão da contestação na Tunísia, que levou à queda do regime de Ben Ali, os protestos e revoltas subsequentes não mais deixaram de agitar o mundo árabe.

Os incidentes mais graves do momento registam-se na Síria e na Líbia. Dois casos significativamente diferentes. A rebelião contra Qaddafi, que começou em Fevereiro, prossegue sem, contudo, e apesar do apoio ocidental, conseguir derrubar o ditador. O velho coronel conta ainda com muitos apoios e a estrutura da sociedade líbia, tribalmente complexa, foi subavaliada pelos países que, para proteger Benghazi da ira de Qaddafi, embarcaram numa aventura cuja desfecho permanece uma incógnita.

Na Síria, a revolta "improvável" contra o jovem Bachar Al-Assad assume contornos trágicos. Com uma pequena contestação iniciada em Deera, o movimento anti-regime alastrou a todo o país. A promessa de reformas de Assad não conseguiu acalmar os ânimos e a repressão sobre os manifestantes produziu novos contestatários. Os mortos são já mais de 1.000 e os feridos incontáveis. Milhares de pessoas do norte do país fogem para a vizinha Turquia. Muitos militares desertam. Nada faria prever semelhante hecatombe e receia-se que o próprio presidente esteja refém da "velha guarda" do regime e também da dureza de seu irmão Maher Al-Assad, comandante da Guarda Republicana e da 4ª Divisão Armada, a força de elite do exército. Muitos dos manifestantes estão hoje convenientemente armados (por quem???) e isso até já justificou o bombardeamento das populações por helicópteros.

Em Marrocos, depois das diversas e violentas manifestações e do atentado de Marrakech, foi entregue ao rei Mohammed VI um projecto de revisão constitucional. Na Argélia, também após violentos confrontos, Bouteflika tenta um compromisso com a criação de um novo partido. Na Tunísia, enquanto se aguardam eleições legislativas, um ex-ministro do Interior já do novo regime, teve há semanas a estupidez de afirmar que se preparava um golpe milita para o caso dos islamistas ganharem as eleições. O resultado saldou-se por novos confrontos, e proclamação do recolher obrigatório durante semanas. Nem cito o nome do idiota responsável por essas declarações. No Egipto, a Junta Militar vai atrasando o "processo de democratização". No Iémen, o presidente Saleh, ferido pelo bombardeamento do seu próprio palácio, está em tratamento na Arábia Saudita, onde a contestação , por ora, cessou, tal como nos restantes países do Golfo, Bahrein incluído, onde as tropas sauditas foram chamadas a acudir à monarquia face à contestação xiita.

Não falando da Palestina, um processo eternamente adiado, criado especialmente pela Grã-Bretanha, e que tem sido responsável por uma parte considerável da conflitualidade do Médio Oriente, nem do Líbano, que continua em equilíbrio instável, e posto de lado o caso do Iraque, uma das aventuras mais sinistras das últimas décadas, a Líbia e a Síria constituem os grandes problemas do momento.

Na Líbia, onde as forças da NATO já ultrapassaram largamente o mandato do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o desfecho a curto prazo é, como referimos acima, imprevisível. Uma solução seria a partição do país em Tripolitânia e Cirenaica, coisa que não convém às petrolíferas multinacionais. Também a manutenção de Qaddafi na Tripolitânia e a entrega da Cirenaica ao Conselho Provisório da Líbia, já hoje reconhecido por vários países ocidentais, não se afigura viável. Ao estado a que as coisas chegaram, a permanência de Qaddafi revela-se insustentável, quer para o Ocidente, quer mesmo para os países árabes que depuseram ou estão em vias de depor os seus ditadores.

Na Síria, a situação é muito mais preocupante. Opondo-se a Rússia, a China e outros países a uma intervenção armada, sabe-se também que a queda do regime alauita de Assad, dinastia minoritária que governa há décadas o país, poderá provocar o caos no país. E abstraindo dos elementos que estão particularmente interessados nesse próprio caos, o resultado seria catastrófico para a população, composta de diversas religiões e etnias, a quem tem sido garantido um relativo equilíbrio e segurança, tal como o era no Iraque no tempo de Saddam Hussein.

Na evolução do processo sírio permanece uma incógnita relevante: a posição de Israel. Interessará a Israel uma dissolução da Síria ou não. Existem teses contraditórias, mas nunca se sabe que raciocínios habitam as mentes perversas dos dirigentes do Estado Judaico.

Neste jogo de dominó em que as pedras são pessoas, perante a grande crise que se avizinha nos Estados Unidos, um país que entrou já na sua fase de decadência, face a uma União Europeia que se vai desmoronando dia após dia, com uma Rússia enfraquecida, uma China que conhecerá a breve trechos graves problemas, uma península Industânica em conflito entre hindus e muçulmanos, a instabilidade na América Latina e as permanentes guerrilhas na África Negra, diante de tudo isto, que é terrível, e espantoso, e único, só nos resta esperar o pior.

sábado, 11 de junho de 2011

A AGITAÇÃO NA GRÉCIA

Parlamento

A contestação na Grécia, especialmente em Atenas, às medidas impostas pela "troika", vem assumindo progressivamente maior expressão. Diariamente, na Praça da Constituição (Syntagma), frente ao edifício do Parlamento (Vouli), dezenas de milhar de pessoas, de todas as idades, sexos e categorias sociais contestam as imposições drásticas de instituições não eleitas, que atingem em particular, como em toda a parte, as classes mais desfavorecidas da população.


Especialmente à noite, centenas de bandeiras, na maioria gregas, mas também de muitos outros países, entre os quais Portugal, são agitadas frente àquele órgão de soberania, guardado por poderoso dispositivo de segurança. Gritam-se palavras de ordem e há assobios, apitos, mas igualmente música. Aliás, todos os locais nevrálgicos do centro de Atenas estão ocupados pela polícia civil e pela polícia militar, devidamente equipadas, sendo de notar a cordialidade mantida entre polícias (na maioria jovens) e manifestantes.


A praça, onde permanecem acampadas em tendas centenas de pessoas, apresenta os mais diversos dísticos contra os políticos que, nos últimos anos, saquearam ou desgovernaram o país. Há mesmo afixados, por toda a cidade, cartazes com as fotografias de cerca de 300 pessoas que os gregos consideram responsáveis pelo presente desastre financeiro, a quem acusam de ladrões e traidores e que exigem sejam julgados pelos seus actos.


Os protestos, que duram há já várias semanas, têm sido na generalidade pacíficos, havendo a registar-se contudo greves alternadas, especialmente nos meios de transporte, mas que nem por isso têm afugentado os turistas que, talvez em menor número do que em anos anteriores, acorrem à velha Hélada, nossa mãe espiritual.
Embaixada de Portugal

Os gregos aguardam as medidas que serão tomadas nas próximas semanas,  nomeadamente a reestruturação da dívida, e há expectativa quanto ao evoluir da situação. Sabe-se que a tomada de posições violentas afastará o turismo, uma das fontes de receita do país. Os gregos não quererão enveredar por uma situação como a que hoje se verifica na Tunísia e no Egipto, onde a quebra de rendimentos do turismo é quase total. Mas também não se vergarão, estou certo, a todas as imposições de uma "troika" que, lá como cá, pretende governar o país.  É que, e o futuro o dirá, há mais vida para além de instituições forjadas à margem e à revelia das populações.
(Clique na foto para ver melhor)

É possível que os gregos, independentemente do falseamento das contas de governos anteriores, tenham vivido acima das possibilidades. Não conheço suficientemente o problema. Mas corrija-se a situação em termos justos, sem cedências à especulação internacional.


Ao centro, a bandeira portuguesa