quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

GENET, FASCISTA E ANTI-SEMITA ?


O impressionante número de livros escritos sobre Jean Genet foi aumentado no final do ano passado, a propósito do 100º aniversário do nascimento do controverso escritor francês.

Entre as obras recém-publicadas, figura o livro de Tahar Ben Jelloun, Jean Genet, Menteur Sublime. O escritor marroquino (n. 1944), que obteve o Prémio Goncourt em 1987 por La nuit sacrée, conheceu Genet em 1974, a pedido deste, que havia lido Harrouda, o primeiro livro de Ben Jelloun, publicado em 1973. A partir daí, desenvolveu-se uma amizade entre ambos, amizade que excluía (como refere o autor na obra agora editada e que constitui de alguma forma as suas memórias de Genet) qualquer tipo de relação sexual. Ben Jelloun, apesar de marroquino, não seria porventura o tipo de homem que interessaria a Genet, a não ser pela contribuição literária que lhe poderia dar acerca do mundo árabe.

A ligação de amizade, várias vezes interrompida pelas súbitas e prolongadas ausências de Genet em viagem, duraria até à morte deste em 1986. Da leitura do livro transparece uma imensa admiração pelo autor de Notre Dame des Fleurs, o que não impediu Ben Jelloun de criticar, sempre que o entendeu, as atitudes e posições públicas de Jean Genet.

Jean Genet, Menteur Sublime retém, em 40 pequenos capítulos, as impressões que o seu autor reteve de Genet, nos mais variados aspectos, durante uma convivência de 12 anos. Sobre a vida de Genet, os seus amigos (e inimigos), os seus amantes, as causas que sustentou, as mentiras que inventou (muitas vezes gratuitamente), as suas incoerências, as posições políticas que defendeu. Trata-se, pois de uma obra interessante a mais de um título, e que não tendo a pretensão de uma biografia (existe a de Edmund White, até hoje a obra de referência), contribui para iluminar alguns aspectos menos claros do percurso do escritor maldito.

Quase esmagado pelo livro de Sartre, Saint-Genet, Comédien et Martyr, introdução às suas Obras Completas e que provocou a interrupção da sua escrita por vários anos, Genet assume a defesa de causas políticas: os Black Panthers americanos, a Fracção do Exército Vermelho (Grupo Baader-Meinhof) e nomeadamente a Causa Palestiniana, que defendeu em todas as circunstâncias, em especial pela pena (Quatre heures á Chatila), pois encontrava-se no Líbano aquando do massacre perpetrado pelos falangistas libaneses com o apoio do exército israelita comandado por Ariel Sharon.

Tem o livro de Ben Jelloun, a propósito das ambiguidades, ou pseudo-ambiguidades, de Genet (há que ler Genet simbolicamente e no contexto da vida e da obra), o mérito de denunciar aqueles que se vêm comprazendo em considerar que Genet era fascista, mesmo nazi e designadamente anti-semita, etiqueta que tem constituído um cavalo de batalha de alguns escritores sionistas franceses, como Éric Marty, professor na Universidade de Paris VII ou Ivan Jablonka, jornalista e mestre de conferências da Universidade do Maine.

Para Jablonka (Les vérités inavouables de Jean Genet-2004), toda a vida de Genet teria sido uma mistificação que importa desconstruir. Ele, ladrão e homossexual, admirador de criminosos e terroristas, nutria um fascínio pelos crimes da Milícia e pelos campos de extermínio nazis. Para Éric Marty (Bref séjour à Jerusalém-2003 e Jean Genet, post-scriptum-2006), o seu anti-semitismo, que Sartre negara ao afirmar provocatoriamente em nota de rodapé (Saint Genet, Comédien et Martyr, p. 230) « Genet est antisémite», inscreve-se no Tabu da transacção imaginária que Genet impôs aos seus leitores. O último livro de Marty, mais breve e mais bem escrito do que o de Jablonka, desenvolve toda uma elaboração filosófica para chegar aos fins pretendidos.

Em matéria tão vasta e tão complexa, cabe aos leitores destas obras ajuizarem da bondade das teses. Há, todavia, uma certeza: Genet foi um dos maiores poetas, dramaturgos e prosadores franceses do século XX.

2 comentários:

Anónimo disse...

A sedução que as forças militares e policiais exerciam sobre o imaginário sexual de Genet explicam o seu fascínio pelos regimes fascista e nazi; além disso Genet odiava a França e "gostou" que ela fosse invadida pelos alemães. A França foi submetida tal como Genet gostava de ser sexualmente submetido. Tudo tem uma explicação.

Não a deu o autor do post, certamente por falta de espaço, mas ela está implícita no seu texto. As minhas felicitações pela oportunidade da sua publicação.

ALCEU disse...

Será que Ben Jelloun nunca "conviveu" intimamente com Genet??? Se ele afirma que não no livro é para desconfiar. Aliás, também não tem importância e talvez não tivesse o perfil exigido por Genet. Genet já não é tanto um mistério, Sartre enganou-se imenso ao escrever sobre ele, mas um ser que nem sequer era muito ambíguo. Sabia era o que queria e não hesitava para atingir os seus fins. Depois cultivava um ar de mal educado, q.b. para justificar os seus actos. Enfim, um ser soberanamente inteligente.