quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A OUTRA HISTÓRIA DO MUNDO


Acabou de ser traduzido para francês o notável livro do antropólogo britânico Sir Jack Goody (n. 1919), professor da Universidade de Cambridge e membro da Academia Britânica, The Theft of History (2007), com o título Le Vol de l'histoire: Comment l'Europe a imposé le récit de son passé au reste du monde.


A propósito da edição francesa, o autor concedeu uma entrevista, que importa consultar, ao Nouvel Observateur desta semana (nº 2400). Não sendo possível aceder ao site com o texto, transcrevemos algumas passagens da mesma, que traduzimos para português:

«Foi só a partir do Renascimento que se impôs uma tradição nova com os progressos da ciência, e nas artes com a emergência da pintura clássica e dos temas herdados da Antiguidade. Durante esse tempo, e até ao fim do séc. XVIII, a China vendia a sua seda e as suas porcelanas nos quatro cantos do mundo. A prosperidade económica que a China actualmente conhece não tem nada de novo: o seu declínio no séc. XIX foi parcialmente compensado pelo impulso no fim do séc. XX. Esta "história pendular" é ignorada pelos historiadores europeus que preferem afirmar uma superioridade ininterrupta do seu modelo cultural da Antiguidade aos nossos dias, apesar de termos conhecido uma passagem a um vazio cultural profundo, o que conferiu ao Oriente uma superioridade que não foi posta em causa até ao Renascimento, quando regressámos ao modelo antigo com a ajuda dos árabes que tinham traduzido e preservado todos os textos em que estavam consignados o saber e a cultura da idade clássica.»


«A democracia e a consulta popular eram frequentes em numerosas sociedades antigas. A Grécia não foi um caso isolado. O Ocidente apropriou-se dos ideais de liberdade e de individualismo, que se encontram contudo em outros lados sob formas ligeiramente diferentes. Sobrestimámos a nossa singularidade, como o demonstra o que se passa actualmente no mundo. As sociedades primitivas consultavam muitas vezes o povo quando era preciso tomar uma decisão importante. ... A nível local, quer se tratasse de uma aldeia ou de uma cidade, as sociedades pretensamente despóticas da Ásia funcionavam muitas vezes de forma "democrática". ... O Ocidente tem tendência a considerar que a democracia faz parte da herança grega. ... »

«Os conceitos de renascimento e de renovação estão presentes em numerosas sociedades evoluídas... O Ocidente é devedor de todas essas culturas do escrito em graus diversos, seja do Islão  pela transmissão e aperfeiçoamento do saber dos gregos, seja da Índia pelas matemáticas e pelo nosso sistema numérico (onde estariam as matemáticas sem ele) , seja da China pelo seu contributo tecnológico e científico (a pólvora para canhão, a imprensa, o papel, a porcelana, o ferro). Estas contribuições maiores foram muitas vezes ignoradas pelos pensadores ocidentais, que consideraram que a troca se realizou em sentido inverso e em sentido único. »

NOTA: O livro está também publicado em tradução brasileira

1 comentário:

Anónimo disse...

É verdade que os historiadores distorcem a história em prol duma cultura ocidental sem cuidarem de saber o alto nível de outras sociedades ao longo do tempo. trata-se do imperialismo ocidental no seu melhor