quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O PROCESSO


Não me refiro ao Processo de Kafka, um dos maiores romances mundiais e dos mais premonitórios, mas ao processo Casa Pia, também ele de contornos kafkianos. O acórdão do tribunal, cujas sentenças foram anunciadas no passado dia 3, à hora a que escrevo este post ainda não foi entregue aos interessados. Ao que consta, devido a dificuldades logísticas, mormente informáticas, atendendo ao elevado número de páginas.

Sendo o processo Casa Pia o mais longo e o mais mediático da história judicial em Portugal, estranha-se que à data da leitura da sentença, que aliás conheceu adiamentos, não estivesse concluído e pronto a ser distribuído o texto da mesma, até porque foram proferidas, segundo advogados, jornalistas, observadores diversos e o próprio bastonário da Ordem, pesadas condenações em relação a crimes semelhantes ou mesmo a outros considerados muito graves.

Depois de se terem ouvido as declarações de alguns dos arguidos, agora condenados, começa a instalar-se a dúvida. E a dúvida é o pior que pode acontecer às pessoas, e uma coisa a que a Justiça não se pode permitir. Recordo a célebre peça de John Patrick Shanley Dúvida, representada em 2007 no Teatro Maria Matos, com notáveis interpretações de Eunice Muñoz e Diogo Infante, e cujo tema é exactamente a dúvida que existia e persistiu quanto ao eventual relacionamento sexual entre um padre e um jovem negro, numa escola católica dos Estados Unidos.

Depois dos protestos dos arguidos contra as penas e contra o que dizem ser a falta de provas quanto à prática dos actos por que foram condenados, a demora na distribuição do acórdão pode levar a pensar que o mesmo está a ser rectificado para o pôr de harmonia com as condenações proferidas. Esta hipótese, já levantada por várias pessoas, se fosse verdadeira significaria a derrocada final da Justiça em Portugal. Não quero crer que assim seja, até porque tal situação colocaria todos os cidadãos à mercê de uma arbitrariedade ilimitada e significaria, na prática, o fim do Estado de Direito.

Prefiro acreditar que se trata realmente de problemas operacionais, mas que, em qualquer caso, não abonam muito em favor do funcionamento dos tribunais, para mais quando se trata de um processo que, desde o início da investigação, já leva oito anos de existência.

Aguardemos.

1 comentário:

Anónimo disse...

"Não quero crer que assim seja, até porque tal situação colocaria todos os cidadãos à mercê de uma arbitrariedade ilimitada e significaria, na prática, o fim do Estado de Direito."
Mas será que este bloguista ainda não percebeu que é exactamente isso que ESTA justiça tem feito? Se se dispuser a isso, conseguirá acusar e condenar qualquer pessoa,
de qualquer crime, com impunidade e por razões que apenas ela conhece.
Quando ouço dizer "eu tenho confiança na justiça portuguesa", respondo sempre "pois eu tenho TERROR da justiça portuguesa!