segunda-feira, 7 de junho de 2010

OA AMORES DE PROUST


Foi recentemente publicada a tradução portuguesa (As Paixões de Proust) do livro do prof. William C. Carter Proust in Love. Trata-se de uma revisitação das relações íntimas de Marcel Proust (1871-1922)  por um dos maiores especialistas anglo-saxónicos da vida e da obra do autor de A la Recherche du Temps Perdu, talvez o mais importante depois de George Painter.

Aborda este livro as paixonetas adolescentes e as relações adultas de Proust, desde os colegas de liceu até aos criados do Hotel Ritz, e de que maneira a vida privada do escritor se reflectiu na sua monumental obra. A sua leitura é indispensável para se compreender devidamente o roman à clés que é a Recherche e a forma como o autor utilizou as pessoas que conheceu ou com quem privou intimamente para construir as personagens do seu imenso romance. Costumava dizer Proust que não possuía imaginação e que, por isso, recorria a figuras do mundo real para compor as figuras literárias. E parece que todas elas constituem uma transposição da vida para a ficção, ainda que sem correspondência biunívoca, já que ele, intencionalmente, lhes alterava as características pessoais. E até o sexo, sem cairmos contudo no exagero de Jean Cocteau, que afirma no seu diário, Le Passé défini, que todas as raparigas que figuram na obra de Marcel eram rapazes. 

Não é este o primeiro livro que se ocupa da identificação das personagens da Recherche, já que o seu objectivo é antes traçar o itinerário amoroso do escritor, mas constitui, para além disso, uma preciosa ferramenta na descodificação dos figurantes. Também, sobre a vida amorosa, já Henri Bonnet publicara, em 1985, uma obra de referência: Les Amours et la sexualité de Marcel Proust. E não é igualmente despiciendo consultar, quanto à matéria, a obra da sua governanta Céleste Albaret Monsieur Proust.

Diga-se que a tradução de As Paixões de Proust (Bernardo de Brito e Cunha) é fluente e geralmente correcta, embora, e  apesar de uma revisão da tradução de Daniela Agostinho e de uma revisão de Sofia Graça Moura, não se tenham evitado alguns disparates: cito como exemplo, na página 105, «imperador Guilherme II da Prússia». Ora a Prússia nunca teve imperadores, mas sim reis. Guilherme II foi imperador da Alemanha (o II Reich). O que está no original inglês é tão só «Kaiser Wilhelm II». Mais valia ter deixado «imperador Guilherme II».

1 comentário:

Anónimo disse...

Antes de mais,parabens por trazer Proust para a nossa blogosfera,de onde o próprio fugiria a sete pés,se ressuscitasse em português(não lhe desejaria tal sorte...). Em 1º lugar noto que curiosamente a capa da edição portuguesa,com o clássico retrato de Jacques-Émile Blanche,é bem melhor que o arranjo kitsch do original americano,a que se pode achar alguma graça,mas nada beneficia o autor. De resto o livro é excelente,de facto, com algumas novidades,pois a biografia do Proust acaba por se parecer com a própria "Recherche":infinita,e como tal sempre reservando surpresas. A questão dos "originais" das personagens do livro(a que nunca gostei de chamar "romance",pois está para alem de qualquer classificação) colocou-se desde o início,tendo o Conde Robert de Montesquiou cortado relações com o autor por algum tempo devido às semelhanças com o Charlus,e sabendo-se que a Condessa Grefuhle estava na base da Duquesa de Guermantes,M.me Lemaire na Verdurin,etc. As especulações têm-se multiplicado desde então,e julgo que hoje se pensa com razão que todas as personagens têm origens múltiplas,e passou o tempo em que se reduzia a Albertine ao Alfred Agostinelli. E é bom que assim seja,pois se há livro cujos meandros nunca nos conduzam à certeza de nada,é certamente a "Recherche"
E não resisto a notar ao autor do blog que os americanos,que sempre nos apresenta como nefastos bárbaros consumidores de hamburgueres e coca-colas, são afinal autores dos mais requintados recentes livros sobre Proust,o magnífico"Paintings in Proust",de Eric Karpeles,e o agora aqui objecto de simpática recensão. Nada é simples e ainda menos simplista,como o Proust bem sabia...