sábado, 30 de maio de 2009

A FNAC

Tem a FNAC largamente anunciado um upgrade do seu cartão, com "mais vantagens e descontos" que se julgavam verdadeiros após a empresa, há alguns meses, ter retirado os 10% de desconto que fazia nos livros a qualquer cliente, com ou sem cartão, como acontece hoje com a maior parte das livrarias.

MAS NÃO! Para surpresa dos clientes habituais, o que se verificou foi uma diminuição das regalias concedidas até ao dia 12 de Maio corrente, data da entrada em vigor do novo sistema.

Vejamos. O sistema em vigor até àquela data para os possuidores de cartão era o seguinte:
1) Um desconto de 10% nos livros e 3 pontos por cada aquisição diária (independentemente do valor) e que se traduziam, os pontos, ao fim de 65, num cheque de € 10 a abater nas compras futuras;
2) Um desconto de 6% numa compra a escolher pelo cliente por cada € 1.500 de compras acumuladas (isto independentemente dos pontos).

O novo sistema mantém o desconto de 10% nos livros (era só o que faltava que o retirasse) mas elimina os pontos nos livros. Estes existirão só para outro material que não livros e na modalidade de 1 ponto por cada euro, podendo obter-se ao fim de 100 pontos um desconto de € 5 em compras futuras.

Quanto aos 6% de desconto sobre as compras acumuladas acabaram com a entrada em vigor do novo sistema, podendo ser utilizados durante um ano. Contudo, e nada escapa aos vigilantes gestores da FNAC, como o desconto era concedido em múltiplos de € 1.500, quem tiver agora, por exemplo, € 2.999 acumulados apenas poderá utilizar uma vez o desconto de 6%, já que não atinge os € 3.000, múltiplo de € 1.500. E como esta regalia, que era obviamente sempre acumulável, terminou, a diferença entrará nos cofres da FNAC, sem pré-aviso aos clientes, uma espécie de alteração das condições do contrato em plena vigência do mesmo.

Argumentará a FNAC que há outras vantagens (Dias Aderente, pagamentos facilitados, 10% no Café Fnac, parceiros Cartão Fnac, etc.) JÁ HAVIA!

Acresce que os livros encomendados ao estrangeiro, com valor expresso em euros, são acrescidos de 10% sobre o valor de capa (quando não mais) a título de despesas, e é sobre o valor final que são efectuados os 10%. Quanto àqueles cujo preço é expresso em dólares ou libras nunca se sabe qual o câmbio utilizado.

Que a FNAC necessite de eliminar regalias é um problema de gestão, e dado o baixo nível dos livros expostos (mais parece um supermercado) não admira que as vendas tendam a diminuir e os lucros a baixar, até porque a Amazon é um concorrente sério e de peso.

Agora que a FNAC pretenda lançar poeira para os olhos dos clientes, tomando-os por estúpidos, não lhe fica bem e penso que não é a política da FNAC em França.

terça-feira, 26 de maio de 2009

JÚLIO DANTAS

Completaram-se ontem 47 anos sobre o falecimento de Júlio Dantas. Figura insigne da literatura portuguesa, Dantas é uma daquelas personalidades sobre as quais foi lançado um manto de silêncio. Hoje em dia, os chamados intelectuais evitam pronunciar o seu nome e citar a sua obra e, quando o fazem, é normalmente com um sentido de escárnio e mal-dizer. Nos tempos que correm, só é possível mencionar o nome de Dantas quando se evoca o Manifesto Anti-Dantas, de Almada Negreiros, cuja redacção se deve unicamente à projecção de Júlio Dantas na sociedade portuguesa de então.

Júlio Dantas nasceu em Lagos, em 19 de Maio de 1876 e morreu em Lisboa em 25 de Maio de 1962. Médico por formação e escritor por vocação, oficial do exército, jornalista, tradutor, presidente do Conservatório Nacional, embaixador no Brasil, ministro da Instrução Pública e dos Negócios Estrangeiros, foi durante muitos anos presidente da Academia das Ciências, cargo em que se nobilitou e nobilitou a Academia.

Consideram muitos o seu estilo pomposo, a sua escrita retrógrada quando não reaccionária, censuram-lhe a sua suposta conivência com o anterior regime, a sua ignorância dos temas sociais. Nem sequer lhe reconhecem que foi, no seu tempo, um dos portugueses que melhor manejou a língua portuguesa e a quem figuras gradas pediam conselho antes de publicarem os seus escritos.

Para além dos discursos, peças de oratória notável que revelam uma cultura humanística das mais brilhantes do seu tempo, Dantas escreveu poesia, prosa e teatro, deixando-nos obras, hoje infelizmente esgotadas ou que apenas se encontram, e com dificuldade, em alfarrabistas e leilões, que foram um sucesso na sua época e muitas o seriam ainda hoje, se fossem lidas, o que é difícil dada a conspiração de silêncio que se teceu á sua volta.

Das suas peças, o público (e só o mais informado) conhecerá apenas A Ceia dos Cardeais, aliás traduzida em mais de vinte línguas, e A Severa, até pelo filme que dela extraiu Leitão de Barros e que foi o primeiro filme sonoro português. Quem se recorda de Um Serão nas Laranjeiras, Santa Inquisição, Frei António das Chagas ou Os Crucificados, em que se aborda pela primeira vez no nosso teatro, e num ambiente proletário, um caso de homossexualidade?

E da obra em prosa, quem se lembrará de Pátria Portuguesa, de O Amor em Portugal no Século XVIII ou de Marcha Triunfal? Já para não falarmos dos seus discursos, notáveis peças que fariam corar de vergonha, se a tivessem, os discursadores dos nossos dias!

Não cabe, neste pequeno apontamento, tudo o que haveria a dizer sobre Júlio Dantas, não só na literatura como na própria política. Agora considerá-lo um escritor menor, ou ignorá-lo, só poderá acontecer por ignorância (que é o que prolifera nos nossos dias) ou por má-fé.

PROFISSÕES VERSÁTEIS

PUBLICADO HOJE POR JOÃO GONÇALVES NO BLOG "PORTUGAL DOS PEQUENINOS"


Oliveira e Costa, o velho chefe do BPN, regressa à comissão parlamentar presidida pela improvável Maria de Belém. Parece que pretende falar sem comprometer o segredo de justiça. Faz bem. Senão qualquer dia acontece-lhe como àquele comerciante que, no "antigamente", estava numa "casa de meninas" quando houve uma rusga. Pedida a identificação dos presentes, o pobre homem constata, estupefacto, que as "meninas" se declaram cabeleireiras, recepcionistas, manicures, vendedoras, etc., etc. Quando chegou a sua vez, virou-se para os polícias e disse: "Olha-me esta, querem ver que agora a puta sou eu?"

sábado, 23 de maio de 2009

O BIG BROTHER HOJE E AQUI

Publicado hoje por Eduardo Pitta, no blog "Da Literatura"


Manuel Carvalho, Delação na sala de aula, hoje no Público. Excertos:


«[...] Encerrado, e bem, este caso com um processo disciplinar, esperava-se que o Ministério da Educação se preocupasse com o outro lado da questão: o método usado pelas alunas e assumido pelas suas encarregadas de educação. Ora, que se saiba, não haverá ao nível da escola nem da direcção regional qualquer diligência, o mínimo gesto, a mínima palavra de censura pelo acto. O que, para os cidadãos e, principalmente, para os professores, quer apenas dizer uma coisa: que a espionagem clandestina do que se passa na aula, o recurso a tecnologias para instigar a delação é um método que não causa o mínimo arrepio à tutela. [...]

[...] Doravante, o recurso a gravações clandestinas que não têm qualquer valor probatório em sede de processo na justiça ordinária (exigem autorização de um juiz), passa a ser legitimado nas salas de aula. Os momentos de descontracção, de diálogo franco e aberto, de proximidade entre professor e aluno estarão condenados a desaparecer das nossas escolas. Nenhum professor deixará de ter medo ao pensar no fantasma da gravação oculta sempre que arriscar sair da matéria oficial para fazer o que lhe compete: abrir horizontes aos seus alunos. [...]

[...] Querer resumir o incidente à condenação da professora é por isso um insulto a todos os que consideram a bufaria um daqueles vírus que a escola tem o dever de extirpar dos hábitos dos jovens.»


O fantasma do Big Brother transformado na realidade quotidiana. Para onde vai este país, e o mundo?

domingo, 17 de maio de 2009

HITLER E OS LIVROS

Acabou de ser publicada a tradução francesa (Dans la bibliothèque privée d’Hitler) do livro de Timothy W. Ryback, editado o ano passado Hitler’s Private Library, que o “Washington Post” considerou o melhor livro do ano e a que se refere, em extensa crítica, o número desta quinzena (14-27 Maio 2009) de “The New York Review of Books” (Volume LVI, Number 8).


A primeira notícia, a nível internacional, sobre a biblioteca de Hitler deve-se ao jornalista americano Frederick Oechsner, que publicou em 1942 um livro intitulado This Is the Enemy. Aí se relata que Hitler possuía para cima de 16.000 volumes, divididos entre a sua residência oficial em Berlim e o Berghof, o retiro alpino do Führer em Obersalzberg, perto de Berchtesgaden.


Desde então, e até ao livro de Ryback, várias obras foram publicadas sobre a biblioteca de Hitler, nomeadamente The Hitler Library: A Bibliography, de Philipp Gassert e Daniel Mattern, em 2001 e Hitler’s Library, de Ambrus Miscolczy, em 2003.


Sabe-se hoje que a biblioteca estava repartida por diversos sítios e sofreu algumas mudanças, de acordo com a carreira de Hitler e a situação político-militar da Alemanha. O que restou desse heteróclito conjunto de livros repousa hoje, na sua quase totalidade, na Biblioteca do Congresso, em Washington (1.200 volumes), na Brown University, em Providence - Rhode Island (80 volumes) e na Pennsylvania University, em Philadelphia.


Na fase final do regime nazi os livros encontravam-se na Chancelaria do Reich, na Voss Strasse, nº6, em Berlim (cerca de 10.000 volumes), no Berghof e na residência austríaca de Hitler, no nº 16 da Prinzregentplatz, em Munique.


A biblioteca de Hitler, que este começou a organizar quando ainda se encontrava na tropa, durante a Primeira Guerra Mundial (o primeiro livro que comprou foi um guia de Berlim, de Max Osborn), compunha-se das obras mais diversas, avultando sobretudo livros respeitantes à arte da guerra (como o célebre tratado de Clausewitz), a grandes figuras da história universal, nomeadamente alemãs e em especial Frederico o Grande (cujo retrato o acompanhou até aos últimos momentos no bunker), obras esotéricas, obras sobre arte e arquitectura, alguns clássicos, como Shakespeare ou Cervantes, Goethe ou Schiller, mas também banda desenhada ou romances policiais ou de aventuras, como a colecção completa dos livros de Karl May, então popularíssimo na Alemanha onde vendeu 75 milhões de exemplares, encontrando-se traduzido em 100 países. Acresciam às obras adquiridas por Hitler aquelas que lhe eram oferecidas por amigos, por escritores da época ou por correligionários. Entre os inúmeros autores contam-se, além dos já citados, o próprio Hitler (Mein Kampf), Henry Ford (O Judeu Internacional), Houston Stewart Chamberlain, Alfred Rosenberg (O Mito do Século XX), Fichte (Obras Completas, uma oferta de Leni Riefenstahl), Anton Drexler, Ibsen (o Peer Gynt), Jünger, Dietrich Eckart, Wagner, Schopenhauer (O Mundo como Vontade e Representação), Nietzsche (Obras Completas), Hans Günther, Arthur Moeller van den Bruck (O Terceiro Reich), Paul Lagarde, Maximilian Riedel (A Lei do Mundo), Ernst Schertel, Hugo Rochs (Schlieffen, sobre o lendário marechal conde prussiano), Sven Hedin, etc.


A única parcela importante da biblioteca de Hitler encontrada intacta, cerca de 3.000 livros, foi descoberta nas minas de sal de Berchtesgaden e enviada para o Congresso, em Washington, onde hoje repousam apenas 1.200, na secção de Reservados. Os restantes volumes, aquando da catalogação, ou foram considerados sem interesse ou “desviados” para outros destinos. Estima-se que existam hoje nos Estados Unidos, nas mãos de veteranos de guerra ou seus descendentes, mais de 1.000 livros que, de vez em quando, aparecem no mercado.


Os livros existentes na Universidade Brown foram trazidos de Berlim por Albert Aronson, um dos primeiros americanos a entrar no bunker, e entregues àquela instituição por um sobrinho, no fim dos anos setenta. No seu livro, Ryback refere a certa altura que os livros foram retirados do bunker do Berghof, mas deve tratar-se de um lapso, pois contradiz a afirmação inicial do autor.


A Universidade de Pennsylvania recebeu, no começo dos anos noventa, alguns livros de Hitler provenientes do Berghof, entre os quais uma biografia de Frederico o Grande.


A biblioteca do Reichkanzler dispersou-se tão rapidamente quanto se desmoronou o seu império. À hora do suicídio de Hitler em Berlim, já os soldados americanos pilhavam as suas colecções de Munique. Quatro dias mais tarde, quando a 101ª divisão aerotransportada chegou ao Obersalzberg encontrou as ruínas fumegantes do Berghof e um cofre-forte arrombado, onde foram encontrados livros dispersos. O registo de um inventário classificado como secreto apenas revela três títulos: A Génese da Guerra Mundial, do historiador americano Harry Barnes, O Príncipe, de Maquiavel e as críticas do século XVIII de Immanuel Kant. Os livros com melhores encadernações foram autênticos achados para os soldados, que deles se apoderaram como recordações da vitória.


Quando a 2 de Maio a primeira equipa soviética penetrou no bunker de Berlim, quase abandonado, começou outra vaga de pilhagens que durou semanas e em que os 10.000 volumes da Chancelaria foram transportados pelas tropas soviéticas para Moscovo, onde desapareceram sem deixar rasto. No começo dos anos noventa, um jornal moscovita assinalou a presença desses livros numa igreja desafectada de Uzkoe, nos arredores de Moscovo, mas pouco tempo depois da publicação do artigo a colecção foi transferida para outro sítio e não tornou a ser vista.


Referem os seus contemporâneos que Hitler era um apaixonado pela leitura e que lia, em média, um livro por noite, mantendo-se para o efeito acordado até de madrugada. Grande parte deles está recheada de anotações pessoais, embora muitos não tenham sido sequer folheados. Admira, por isso, que uma pessoa que amava os livros tenha permitido ou apoiado, apesar das suas convicções políticas, a célebre destruição de obras de homens famosos, em 10 de Maio de 1933. Nesse dia terrífico, homens das SA e membros da Juventude Hitleriana queimaram mais de 20.000 livros de figuras como Thomas Mann, Siegmund Freud, Stefan Zweig, Erich Maria Remarque, Heinrich Heine, Karl Marx, etc., por instigação do ministro da Propaganda Joseph Goebbels. O cenário dessa fogueira de contornos inquisitoriais foi a imponente Opernplatz (hoje Bebelplatz, em homenagem ao político alemão August Bebel, líder do SPD no século XIX), a sul da Unter den Linden, entre a Staatsoper, a Universidade de Humboldt e a Catedral de Santa Hedwig. No centro dessa mítica praça existe hoje, no solo, uma placa de vidro, por onde se pode observar no interior uma estante vazia, evocando a queima dos livros. A que se acrescentou uma citação de Heinrich Heine (1797-1856): «Dort, wo man Bücher verbrennt man am Ende auch Menschen» (Aonde eles queimam os livros, acabarão também por queimar os homens).




Muito se tem escrito sobre Hitler, contam-se por milhares os livros publicados em todo o mundo sobre ele e o nazismo, mas, como afirmou o historiador britânico Ian Kershaw (autor da talvez mais famosa biografia do chanceler do Terceiro Reich), ele continua a ser uma das personagens mais impenetráveis da era moderna: «O seu sentido inato do secreto, a sua carência de qualquer relação pessoal, o seu estilo burocrático, as suas admirações tão exageradas quanto os seus ódios, assim como as desculpas e as distorções acumuladas nas suas memórias do pós-guerra e nas anedotas que circulavam na sua roda conduzem, apesar das torrentes de documentos emitidos pelo III Reich, à extraordinária dificuldade de reconstituir a vida do ditador alemão. Quase uma impossibilidade quando comparada, entre outras, às carreiras dos seus principais adversários, Churchill e mesmo Estaline.»


Mais do que uma lista ainda que não exaustiva (o que seria impossível) da biblioteca de Hitler, a obra de Ryback procura fornecer um percurso cronológico das principais aquisições de livros e das leituras do Führer. Como dissemos, Hitler era um autêntico devorador de livros e, sendo dotado de uma memória prodigiosa, permitia-se evocar com a maior precisão e facilidade, números, datas, textos, ínfimos pormenores que faziam a inveja do cidadão comum. Nem sempre retirava dos livros, contudo, a sua essência profunda mas tão só aquilo que lhe interessava para a difusão das suas ideias e consequente prossecução da política do Partido Nazi.


Importa referir ainda, à guisa de conclusão, que a maior parte das obras sobre Hitler, em livro ou em filme, editadas no pós-guerra, apresenta-o como um palhaço ou um tonto, o que constitui um duplo erro: quanto à verdade e quanto à oportunidade. Em primeiro lugar, Hitler foi eleito democraticamente pelo povo alemão, um povo altamente cultivado que certamente não escolheria um mentecapto para o colocar á frente dos destinos da nação. Tinha um projecto, que pôs em prática, de recuperação do país esmagado pelos ditames do Tratado de Versalhes, e foi aclamado como um salvador da pátria. Em segundo lugar, e porque já eram conhecidas algumas das suas convicções pessoais e das suas posições sobre determinados assuntos, bem como o seu temperamento, convém acautelar a incensação ilimitada da democracia, já que esta, por ínvios caminhos, pode conduzir a desastres planetários como o que resultou da Segunda Guerra Mundial, com 50 milhões de mortos e um cortejo de destruição, sofrimento, doença e miséria em quase toda a Europa.


Voltando a Kershaw: Quem era afinal Hitler?

sexta-feira, 15 de maio de 2009

SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO


Luís Campos e Cunha, com quem muitas vezes não estou de acordo, escreve hoje no "Público", a propósito dos recentes incidentes no Bairro da Bela Vista, que há culpados (as quadrilhas de malfeitores) e responsáveis (os irresponsáveis que propiciaram o surgimento deste tipo de delinquência e que «são muitos e vêm de longa data: autarcas, educadores, urbanistas, ministros vários, desde os da educação, da justiça, da administração interna, até aos da defesa...».

Escreve o ex-ministro das Finanças: «A justiça, cada vez mais injusta, deixou de actuar em tempo e afastou o castigo do crime. Ou seja, não desincentivou actos ilegais e confirmou a (falta de) educação que receberam. Mas há mais responsáveis: ministros da defesa. Há uns anos, sem se medirem as consequências, acabou-se com o serviço militar obrigatório (SMO). Primeiro, esta medida foi vista como uma medida de esquerda e foi uma grande conquista das "jotas" dos partidos; no entanto, o SMO foi, historicamente, uma conquista da esquerda para evitar as guardas pretorianas. Quem não conhece a história faz destas coisas. Segundo, o SMO obrigava os recrutas a viverem um ano com regras estritas, com responsabilização e com punições imediatas correspondentes para os prevaricadores. Terceiro, as Forças Armadas eram a melhor escola de formação profissional. Ninguém saía sem um ofício e aprendia a viver com regras. O SMO poderia ser dispendioso mas uma análise social custo-benefício deveria amplamente justificar esses custos.».

Palavras sábias, as de Campos e Cunha. Só a inanidade dos políticos e a insanidade dos "jotas", contra quem Pacheco Pereira de há muito se vem batendo, permitiu a extinção total do SMO. Com o fim da guerra colonial, o SMO tinha sido, e bem, progressivamente reduzido, mas haveria que conservar um período mínimo que permitisse aos mancebos, para além do conhecimento mínimo da actividade militar, uma integração futura na vida civil. É claro que a abertura das Forças Armadas (FA) às mulheres veio colocar alguns, porventura muitos, problemas. Contudo, julgo, nada de irresolúvel, até porque suponho não virá longe o dia em que as FA, pelo menos na sua estrutura básica, voltem a ser um assunto de homens.

Dizia-se, ainda não há muitos anos, que o Exército (e por extensão a Armada e a Força Aérea) era uma escola de virtudes e, ainda que a expressão possa conter algum exagero, havia na tropa um sentimento de camaradagem, de solidariedade, de bons costumes que permaneciam para o resto da vida. Havia garbo em envergar uma farda e os militares, pelo seu aprumo, eram olhados com admiração

Ao mercenarizar as Forças Armadas os governos (os nossos e os de outros países) deram um passo atrás na educação cívica dos cidadãos, serviram interesses acaso obscuros, permitiram-se enviar os jovens para longínquos teatros de guerra que só teoricamente nos dizem respeito. Tudo isto com uma mítica Europa em pano de fundo.

Por isso, este artigo de Campos e Cunha constitui um contributo inestimável para a recolocação de várias questões. Uma das quais a do serviço militar obrigatório. E, quanto a esta, parece que a única resposta plausível é a seguinte: restabeleça-se o SMO. Já!

quarta-feira, 13 de maio de 2009

O PAPA E A PALESTINA

Na sua primeira viagem ao Médio Oriente, o Papa pediu hoje, em Belém, terra do nascimento de Jesus, segundo as Escrituras, o fim do bloqueio israelita a Gaza e a criação de um Estado Palestino independente e soberano. Há muito que se esperava do Chefe da Igreja Católica uma palavra inequívoca, ainda que em linguagem diplomática, sobre o problema palestino. Palavra tão mais necessária – e oportuna – quando o novo governo israelita, saído de uma improvável coligação do Likud, do Partido Trabalhista e da extrema-direita preconiza o abandono da ideia da criação do Estado Palestino, considerando que os palestinos já têm um Estado que é a Jordânia. Política esta, de resto, em consonância com o progressivo alargamento das fronteiras do Estado Judaico com vista à construção do Grande Israel.


Não tem sido Bento XVI muito feliz em algumas das suas intervenções, quer quanto à forma, à substância e à oportunidade dos temas que aborda, embora não se possam esperar dele declarações contrárias à doutrina da religião de que é o Pontifex Maximus. Todavia, a posição hoje assumida em Belém constitui um marco importante na sua carreira pontifícia, ainda que o Papa, que não dispõe de um exército (Estaline terá perguntado um dia, em plena guerra fria, de quantas divisões dispunha o Papa) possui o magistério da Palavra que, em alguns casos, pode ser mais eficaz que forças armadas bem equipadas.


Acresce, que o apelo do Papa vem somar-se às afirmações de Obama relativas à alteração da política norte-americana no Médio Oriente e à necessidade da proclamação de um Estado Palestino ao lado de Israel, condição indispensável para a construção da Paz na região mais problemática do globo.


Aguardemos, pois, as consequências das palavras de Bento XVI. Não passarão elas de piedosas afirmações de circunstância ou traduzir-se-ão numa real alteração da situação com efeitos a curto prazo? O conflito permanente na chamada Terra Santa dura há mais de seis décadas. Urge encontrar rapidamente, após os sempre enterrados “processos de paz”, uma solução definitiva para o problema que é hoje a causa maior da instabilidade internacional.



sábado, 9 de maio de 2009

O ÓPIO DO POVO

Karl Marx e Friedrich Engels no chamado Marx-Engels Forum de Berlim, aliás um jardim entre o rio Spree e a Fernsehturm (a famosa Torre da Televisão)




Foi recentemente publicado um pequeno livro, sob a direcção de Alain Houziaux, com o título La religion est-elle encore l’opium du peuple?, em que participam Marcel Gauchet, Olivier Roy e Paul Thibaud, todos especialistas na matéria.


Recorrendo à célebre fórmula de Karl Marx, na sua Introdução à Crítica da filosofia do direito de Hegel, Houziaux interroga-se se a religião conduzirá a um alheamento em relação aos problemas deste mundo ou se, pelo contrário, serão os crentes os primeiros a empenhar-se na resolução dos problemas que afligem o homem. Será a religião uma droga, como pretende Marx, ou antes um estímulo para a intervenção na vida pública? Segundo Max Weber, teríamos de considerar as religiões de tipo místico, que pouco se preocupam com este mundo, e as de tipo ascético, que tentam uma forma de domínio sobre a vida terrena. E, ainda segundo Weber, distinguiríamos os “extra-mundanos”, que vivem em contemplação, totalmente fora do mundo, e os “intra-mundanos”, que a tudo renunciam por uma dedicação absoluta à humanidade.


A partir daqui desenvolve-se um interessante debate sobre a matéria, quer quanto à pertinência da afirmação de Marx, quer sobre as semelhanças do fundamentalismo cristão e do integrismo islâmico, quer no que respeita à crise com que o político e o religioso estão actualmente confrontados. E discute-se, também, qual a importância da consciência religiosa para a democracia do futuro ou, diríamos nós, para o futuro da democracia.


Escrevia Flaubert que quando “les dieux ne sont plus, les hommes se retrouvent seuls”. Nos tempos sombrios em que vivemos, em que todas as certezas se desmoronam, haverá ainda lugar para as religiões (monoteístas) presas aos ditames do Livro, que na sua luta contra o laicismo, procuram, para citar Gilles Kepel, a “vingança de Deus”? Ou Marx teria razão?


O pequeno livro publicado por Les Éditions de l’Atelier fornece algumas pistas sobre um tema tão actual quanto inesgotável.

terça-feira, 5 de maio de 2009

SEXUALIDADE

No livro La sexualité des gens heureux, acabado de publicar, Pascal de Sutter mostra que a tão falada emancipação sexual está longe de se converter numa realidade, que a sociedade é muito mais conservadora nos costumes do que proclama e que a juntar-se ao tradicional puritanismo da direita surge agora, surpreendentemente, um neopuritanismo de esquerda.

Transcreve-se um parágrafo da obra, para elucidação do leitor:

Si le discours sur la sexualité a considérablement évolué en cinquante ans, les moeurs sexuelles n'ont pas changé de façon aussi radicale qu'on le pense. Les filles de 14 ans portent aujourd'hui des strings, mais rares sont celles qui osent se promener seins nus sur les plages (comme c'était le cas de leurs mères). Les adolescents connaissent des mots et des pratiques que leurs parents ne découvraient qu'avec la maturité, mais passent-ils plus à l'acte ? Si l'enseignement de la sexologie s'est banalisé, il est beaucoup plus sage qu'il y a vingt ans : Master et Johnson, qui proposaient des partenaires de remplacement à leurs patients célibataires dans les années 1960, seraient aujourd'hui poursuivis pour proxénétisme. Alfred Kinsey, qui demandait à ses étudiants de raconter dans les détails leur vie sexuelle en 1958, perdrait actuellement sa place de professeur d'université pour harcèlement sexuel. La fellation est devenue une pratique plus courante chez les jeunes, mais l'âge du premier rapport sexuel n'a pratiquement pas changé en cinquante ans. Le Club Med, temple du libertinage des années 1970, s'est reconverti dans les vacances familiales.


Verifica-se, pois, um retrocesso numa área que, segundo todos os especialistas, é essencial para a felicidade humana. Não admira, por isso, este mal-estar na civilização (de que, noutros termos, já falava Freud) a que acresce, hoje em dia, o mal-estar económico decorrente da insânia do neo-liberalismo desenfreado que nos assolou e assola. Aguardam-se, com curiosidade, os tempos por vir.


domingo, 3 de maio de 2009

MAHMUD DARWICH


MAHMUD DARWICH – Poeta e Resistente


O poeta Mahmud Darwich é uma das figuras mais notáveis da Palestina contemporânea. Personagem singular, Darwich conciliou a actividade intelectual (além de poeta foi prosador, ensaísta, jornalista) com a actividade de resistente contra a ocupação israelita, tendo-se tornado uma referência para o Médio Oriente. A sua poesia ultrapassou as fronteiras da geografia e tornou-se conhecida em todo o mundo árabe, que lhe conhece os versos e os recita de cor. A sua voz ergueu-se sempre, tanto através da escrita como na arena política, em defesa de uma Palestina independente, num combate em que lutou até aos seus últimos dias. Darwich, foi, de facto, durante a segunda metade do século XX, a voz e a consciência do Povo Palestino e o seu nome ficará indelevelmente registado na história da literatura e na história política, da Palestina e do Mundo.


Mahmud Darwich nasceu em Al-Birwa, uma aldeia da Galileia perto de São João d’Acre, então território sob mandato britânico, em 13 de Março de 1941. Após a criação do Estado de Israel, em 1948, a sua aldeia foi invadida e a família fugiu para o Líbano, onde permaneceu um ano. Quando regressaram a Israel, descobriram que a aldeia fora completamente arrasada e substituída por um colonato judaico. Instalaram-se, então em Deir Al-Assad, onde Mahmud frequentou a escola primária, tendo partido mais tarde para Haifa.


Publica o seu primeiro livro de poesia aos 19 anos: Asâfîr bilâ ajniha (“Pássaros sem asas”). Em 1964 começa a ser reconhecido a nível nacional, e mesmo internacional, como uma voz da resistência palestina com o livro Awrâq al-zaytûn (“Folhas de oliveira”), que inclui o célebre poema “Bilhete de identidade”. Continua a escrever poemas e artigos em jornais e revistas, é preso várias vezes pelos seus escritos e actividades políticas e, em 1970, parte para a União Soviética, onde frequenta a Universidade de Moscovo. Em 1971, trabalha no jornal Al-Ahram, no Cairo e, em 1973, dirige, em Beirute, a revista Shuun Filistiniyya (Assuntos Palestinos).


Ainda em 1973, Darwich adere à Organização de Libertação da Palestina (OLP), sendo, por isso, proibido de voltar a entrar em Israel. Em 1982 abandona Beirute, em consequência do bombardeamento israelita e exila-se no Cairo, depois em Tunis e por fim em Paris. Em 1987 é eleito para o comité executivo da OLP mas, na sequência dos Acordos de Oslo (1993), e como forma de protesto contra a atitude da OLP, que considerou demasiado conciliatória nas negociações, abandona a Organização. Finalmente, em 1996, Darwich é autorizado por Israel a instalar-se em Ramallah (Cisjordânia), onde se encontra o governo de Yasser Arafat. Com o cerco e ataque das tropas sionistas de Ariel Sharon a Ramallah, em 2002, muda-se para Amman, na Jordânia, embora volte algumas vezes aos Territórios Ocupados e a Israel. Em 2007, assiste, em Haifa, a uma sessão em sua honra organizada no Monte Carmelo pelo partido israelita Hadash (Frente Democrática para a Paz e a Igualdade) e pela revista Masharaf; aí discursa e lê poesia para milhares de pessoas. Doente cardíaco há longos anos, Darwich, realiza a sua última intervenção pública em 1 de Julho de 2008, em Ramallah, lendo poemas para uma vastíssima audiência, numa sessão que foi considerada a sua despedida dos palestinos.


Mahmud Darwich morreu em 9 de Agosto de 2008, com 67 anos, num hospital de Houston, nos Estados Unidos, na sequência de complicações decorrentes de uma delicada intervenção cirúrgica ao coração. Foi sepultado em Ramallah, junto ao Palácio da Cultura.


A obra de Darwich, composta por mais de 30 livros de poesia e de prosa, encontra-se traduzida em cerca de 40 línguas, e foi interpretada por diversos cantores, como o libanês Marcel Khalifa, que musicou e cantou vários dos seus poemas, entre os quais o famoso “À minha mãe”. No cinema, devem assinalar-se dois documentários: “Mahmoud Darwich, et la terre comme la langue”, realizado em 1997 para a televisão francesa por Simone Bitton e Elias Sanbar e “Écrivains des frontières”, realizado em 2004 por Samir Abdallah e José Reynes. Neste momento, está a ser produzido um filme sobre Darwich, da autoria de Nasri Hajjaj, em que o realizador recolhe depoimentos de diversas figuras da vida cultural internacional que privaram com o poeta, e que será estreado no primeiro aniversário da sua morte.


A terminar, duas afirmações de Mahmud Darwich:


- “Triunfámos sobre o plano para nos expulsarem da História”


- “Um povo sem poesia é um povo vencido”


sábado, 2 de maio de 2009

BERLIM III

Rapaz orando

Esta escultura de bronze, encontrada na ilha de Rodes, é uma das obras -primas do Museu de Pérgamo. Adquirida em 1747 por Frederico II para o seu palácio de Sans-Souci, em Potsdam, foi considerada, na época, a mais famosa antiguidade existente em Berlim.