terça-feira, 17 de março de 2009

EM TERRA DE FARAÓS

Midan At-Tahrir, mostrando atrás do grande círculo ajardinado o rectângulo que hoje se encontra rodeado de tapumes

EM TERRA DE FARAÓS

Após uma ausência de duas semanas no Egipto (a 9ª ou 10ª visita, não estou certo), retomo o contacto com os meus eventuais leitores. Desta vez a permanência foi em Alexandria e no Cairo, aliás como a maior parte das vezes. Alexandria, cidade mítica, com uma história que remonta a Alexandre Magno, e o Cairo, cuja fundação (642) se deve a Amr Ibn Al-As, general do califa Omar que conquistou o Egipto. A cidade foi estabelecida junto à fortaleza romana de Babylone, chamou-se Al-Fustat, e foi a primeira das quatro cidades (ou extensões da cidade) que hoje constituem o Cairo, a última Al-Qahira (a Vitoriosa), cuja criação (969) se ficou a dever ao general Gawhar, em nome do califa Al-Muizz, da dinastia Fatimida que, a partir da actual Tunísia, então conquistou o Egipto. Registe-se que a segunda extensão foi Al-Askar, obra dos califas Abássidas e a terceira Al-Qata'i criada por Ibn Tulun, fundador da dinastia Tulúnida.

Menos de ano e meio após a última visita, encontrei as duas cidades principais com mais tráfego (e cada vez mais caótico), mais poluição, mais sujidade, com grande parte dos prédios em péssimo estado de conservação, quando não mesmo a desmoronar-se ou já em ruínas. No Cairo, a degradação imobiliária é por demais evidente, salvando-se a zona considerada elegante de Zamalek. O centro da cidade, cuja edificação é da responsabilidade do khediva Ismaïl, segundo as concepções urbanísticas do Barão de Haussmann (que traçou a renovação de Paris do Segundo Império), aguenta-se "tant bien que mal", mas tudo o resto, à excepção de alguns arredores onde vivem as ricas famílias, é uma desolação para a vista. Mas que fazer, numa cidade prestes a atingir os 20 milhões de habitantes? Acima de tudo, organização, mais ainda do que dinheiro, embora o arranjo dos edifícios, das ruas, dos passeios seja coisa para custar alguns biliões de euros.

E há coisas inexplicáveis. A imensa praça do centro , Midan At-Tahrir (a Praça da Libertação), onde fica o Museu Egípcio, que abriga o tesouro de Tut-Ankh-Amon, tem no centro uma extensão de terreno (quase equivalente ao Rossio) que se encontra rodeada de tapumes há mais de 15 anos. Não houve ainda tempo para decidir o que fazer daquele terreno?Ou aguarda-se a construção do novo Museu em Gizeh (próximo das Pirâmides) para lhe dar um destino?

Por falar em Museu, diga-se que o actual, que já fez 100 anos, é mais um armazém do que um museu. As vitrinas e as etiquetas são do tempo da fundação e uma parte das peças encontra-se amontoada sem ordem nem critério. Além disso, muitas das peças ou não têm etiqueta, ou têm-na em árabe, o que não facilita a identificação. Valia a pena um esforço para reorganizar o Museu, pois o futuro, que ainda não começou a ser construído, nem daqui a dez anos estará concluído.

Tão preocupante quanto o património material, ou mais, é o espiritual. Nota-se um nítido aumento do fundamentalismo islâmico, pelo menos através dos seus sinais exteriores: o lenço nas mulheres e a barba nos homens. Em Alexandria, com uns sete milhões de habitantes, raras mulheres vi sem véu, e algumas mesmo de burqa. E no Cairo arriscaria que pelos menos 90% das mulheres o usam. E os homens, mesmo os jovens, que ainda não há muitos anos traziam a cara rapada ou quando muito um bigode, aparecem agora com frequência com barbas maiores ou menores. Esta progressão do integrismo, pelo menos na aparência senão também nas convicções, causa séria apreensão, dadas as possíveis consequências, mas não é agora o momento de analisá-las.

Por hoje, basta de divagações! Registarei outras impressões mais tarde.

Sem comentários: