sábado, 31 de janeiro de 2009

SÓCRATES E A CICUTA

Tinha decidido não escrever sobre o caso Freeport, mas porque os media dedicaram ao assunto a quase totalidade do seu espaço ou tempo, como se pouco ou nada mais existisse sobre o planeta, entendi alinhar alguns parágrafos.

Não conheço pessoalmente José Sócrates, nem sequer o vi alguma vez que não fosse na televisão, e do caso Freeport ignoro tudo, salvo o que vem aparecendo diariamente na comunicação social, e que se me afigura mais do domínio da especulação do que da realidade. Mas concordo que será conveniente averiguar, com rapidez, se Sócrates cometeu alguma falta, capital ou venial, ou se, pelo contrário, é alheio a todo este processo.

Este país vive, há anos, sob o signo de uma maldição informativa que se foca obsessivamente num assunto abstraindo de tudo o mais que existe à sua volta. Tivemos, por esta ou outra ordem, as armas de destruição maciça no Iraque (que, afinal não existiam, apesar de Durão Barroso ter garantido que sim), os voos da CIA com prisioneiros para Guantanamo, os pequenos da Casa Pia (que não eram assim tão pequenos) a pequena Esmeralda, a pequena Maddie, a pequena Joana, o pequeno Cristiano Ronaldo (que a avaliar pelas fotografias mais ousadas publicadas em certas revistas não é tão pequeno como isso), as contas e fraudes do BCP, do BPN, do BPP e de outros BB que porventura se lhe seguirão, a avaliação dos professores, o estatuto dos Açores, enfim, toda uma CÂMARA DE HORRORES donde ninguém sai vivo.

Será Sócrates culpado ou vítima de uma conspiração? Pode assacar-se a Sócrates uma evidente falta de cultura, entendida esta em sentido lato (não me refiro, obviamente, à questão da licenciatura, que é o que menos interessa; tivesse ele apenas a antiga 4ª classe e fosse um espírito humanista e isso bastava); uma arrogância quase patológica, o desvio do Partido Socialista para a "direita" (esvaziando e tornando inúteis os partidos à direita do PS e criando um vazio na área dita socialista); uma teimosia em manter decisões que se verificaram manifestamente erradas; e tantas outras considerações de que me abstenho, mas nada disto prova que seja corrupto.

Por outro lado, as peças dos jornalistas portugueses (classe que hoje se distingue pela ignorância, estupidez e convencimento dos arrivistas, com várias excepções honrosas que as há, algumas até nobilíssimas, daqueles que ainda fazem do jornalismo uma espécie de sacerdócio), derramam uma baba viscosa e repugnante, que se traduz, aqui como em situações anteriores, na condenação pública ante-judicial dos visados, numa subversão absoluta das regras democráticas.

É Portugal um espaço de tragédia e ensina a História que não é possível fugir à fatalidade do destino.

Sempre a liberdade tem acarretado libertinagem e só uma censura (mecanismo que sabemos como começa mas nunca como acaba) a pode controlar e travar.

Foi assim no período tumultuoso da Monarquia Constitucional, com o hiato da ditadura franquista e o desfecho que se lhe seguiu; na Primeira República, palco de inimagináveis convulsões e muito menos democrática do que hoje se pretende fazer crer e que, abstraindo o hiato de Sidónio, veio a terminar como se sabe, depois da renúncia digna embora tardia de Manuel Teixeira Gomes. Com Salazar chega uma nova ordem que dura meio século e traz sossego (por vezes à custa de elevado preço) mas Caetano, que percebia de Direito mas não consta que tivesse capacidade política, abre as portas à Revolução. A Terceira República evitou o sangue que não a corrupção, venceu as tentações totalitárias de sovietização, porque 1974 não era 1917 e Lisboa não era Petrogrado, mas acabou por cair, como aliás a Europa, nas malhas da globalização neo-liberal e é o que se vê.

Vai Sócrates beber a sua taça de cicuta? O futuro o dirá, mas registe-se um aviso à navegação: com esta comunicação social não chegaremos a parte alguma. Um sujeito insuspeito, o liberal Sir Karl Popper, preconizava, no fim da vida, a instauração de uma censura televisiva para obstar aos desmandos a que lhe era dado assistir. De facto, a violência que a televisão veicula ou certas entrevistas, em estúdio ou na rua, onde se pretende obrigar o entrevistado a dizer o que o entrevistador pretende, onde se tiram conclusões condenatórias, que afectam a vida de pessoas presumivelmente inocentes até eventual condenação judicial, justifica a adopção de medidas excepcionais, manu militari inclusive, enquanto é tempo. Senão, restar-nos-á, a nós portugueses e com referência a Portugal, dizer como o Dante, na Divina Comédia, às portas do inferno: "Deixai toda a esperança, vós que entrais"!

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

O CASO MENTAL DE ISRAEL

O Estado de Israel, proclamado em 1948, nunca respeitou as fronteiras que lhe haviam sido fixadas pela Resolução 181, das Nações Unidas, de 29 de Novembro de 1947. Foi-se alargando, sempre, à custa do território previsto para o Estado Palestiniano, nomeadamente com a criação dos colonatos na Cisjordânia. Todavia, essa expansão não se deveu apenas à necessidade de aumentar o seu espaço, fosse por razões de natureza económica, política ou militar. Não! O que se constata, e começa agora a ser estudado, é a existência de uma patologia mental do povo israelita (ou pelo menos da sua maior parte) que pode ter explicação nas perseguições sofridas pelos judeus ao longo da História, desde a Diáspora, e nomeadamente das levadas a cabo pelo regime nazi.

Verifica-se, e a recente invasão e destruição da Faixa de Gaza é disso um clamoroso exemplo, uma alienação global dos judeus israelitas e da maioria dos judeus espalhados pelo mundo, resultante quer da condição, que reivindicam, de "povo eleito", quer da permanente invocação e evocação do "holocausto". A "memória das vítimas" tem servido para justificar as piores atrocidades e isso só é perceptível através de um mecanismo de transferência que Freud, que até era judeu, saberia explicar brilhantemente mas que alguns analistas começam a estudar.

O trauma sofrido na Segunda Guerra Mundial, em que os judeus se deixaram perseguir sem resistência, transformou os oprimidos em opressores e permite aos israelitas agirem sem problemas de consciência relativamente aos palestinianos que subjugam há mais de seis décadas. Sem estados de espírito, o Estado de Israel esmaga impiedosamente o povo que habitava as terras onde se implantou. E não só o faz como não lhe reconhece o direito de resistência que, por razões pouco explicadas, anteriormente não usou. É isto o imperialismo sionista em todo o seu esplendor.

Ora este comportamento, para lá das múltiplas razões que possam ser aduzidas, não deve considerar-se normal. Tem sido avançada, como razão primeira do ataque a Gaza, a luta política de Barak, Livni e Netanyahou para vencer as próximas eleições legislativas. E também para mostrar que o governo "de gestão" de Olmert tinha a coragem de desencadear uma acção de força para reabilitar a derrota de T sahal no Líbano. Só que a destruição levada a cabo pelas forças armadas israelitas, por ordem do governo e com o apoio esmagador da população, não é coisa de pessoas normais. Manifesta-se uma alienação colectiva: se o Estado de Israel é para os judeus uma pátria, então a pátria está doente!

É por isso que se julga aconselhável, mesmo imperioso, que nas próximas negociações de paz que terá de haver, se sentem à mesa não apenas políticos e militares, mas também, psiquiatras e psicanalistas que tentem reconduzir o processo a dimensões humanas, racionais.

Os judeus em Israel, e em parte por todo o mundo, têm alimentado uma paranóia que pode servir interesses imediatos mas que é também o caminho seguro para um novo desastre de proporções inimagináveis. Os judeus, que beneficiaram do apoio e do carinho dos outros povos na sequência das perseguições a que foram sujeitos na Segunda Guerra Mundial, congregam hoje a aversão, para não dizer o ódio, da maioria dos habitantes do planeta que habitamos. Não só dos árabes e muçulmanos mas de todos, independentemente de raça ou religião. É tempo, enquanto é tempo, de fazerem um exame de consciência, de arrepiarem caminho, de procurarem a Paz. Porque devem saber que as guerras que travam há mais de meio século nunca conduzirão a uma vitória definitiva, que de vitória em vitória caminharão até à derrota final.

sábado, 24 de janeiro de 2009

BLAIR PRESIDENTE DA EUROPA???

Tem sido aventada, com insistência, nos últimos tempos, a hipótese de Tony Blair vir a ser o primeiro presidente do Conselho da União Europeia, lugar previsto no (ainda não totalmente ratificado) Tratado de Lisboa.

Blair é um político aldrabão, que mentiu ao seu povo, e ao mundo, sobre as armas de destruição massiva no Iraque e que envolveu o Reino Unido no ataque àquele país. Ligada à invasão do Iraque está a morte do cientista David Kelly, que inspeccionara o suposto armamento nuclear do Iraque (sem nada encontrar) e que apareceu "suicidado" num bosque. Encontrando-se Blair no Japão nessa ocasião, uma jornalista perguntou-lhe se "tinha as mãos sujas de sangue", o que perturbou bastante o então primeiro-ministro britânico. Sobre o "suicídio" de Kelly, pode ler-se o livro do deputado inglês Norman Baker The Strange Death of David Kelly.

Após deixar a chefia do governo britânico, Blair foi designado representante do chamado Quarteto para a resolução do conflito israelo-palestiniano. A pertinência da sua actividade está amplamente demonstrada com a invasão israelita de Gaza.

Ultimamente, alguns políticos europeus têm sugerido o nome de Blair para a presidência da União Europeia. Como é evidente, torna-se necessário evitar que tão sinistra personagem ocupe esse lugar, o que cobriria de infâmia a Europa, desde o primeiro instante da vigência da nova orgânica comunitária.

Nesse sentido, o European Tribune criou um site "stopblair.eu" com uma petição para reunir assinaturas de pessoas de todos os países da União Europeia, a fim de impedir que se venha a consumar a inenarrável tragédia que seria um homem responsável por milhões de mortos, estropiados e desalojados, um criminoso de guerra, assumir a presidência de uma organização que se pretende dotada de um mínimo de decência e de pudor.

Apela-se, por isso, a todos os leitores deste blogue que leiam, divulguem e assinem a referida petição.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

GLORIA IN EXCELSIS OBAMA

Em apoteótico espectáculo global, Barack Obama foi entronizado como 44º presidente dos EUA. O povo americano e o Mundo esperam de Obama tudo. Ilusão fugaz, porque tão elevadas expectativas cedo se converterão em real desilusão.

Obama não quer (nem pode) alterar substancialmente a política interna ou a política externa norte-americana. Será controlado pelos poderosos lobbies existentes, nomeadamente o lobby judaico que, desde há décadas, exerce o seu diktat sobre qualquer decisão que possa afectar o Estado de Israel.

Há um problema para cuja resolução, devido à omissão da Europa, só os Estados Unidos poderão contribuir: o conflito israelo-palestiniano. E da resolução deste conflito depende, em larga medida, a Paz no mundo. É claro que existem muitos outros problemas para Obama, nacionais e internacionais, mas enquanto permanecer o problema da Palestina, nada realmente mudará.

Alguns anos atrás, Fukuyama anunciou "o fim da história", tese de que viria a arrepender-se porque os acontecimentos encarregaram-se de desmentir as suas profecias. Seriam previsões ou desejos? E porque escreveu Huntington O Choque das Civilizações? Convicção intelectual ou trabalho encomendado? Talvez o futuro revele as verdadeiras intenções.

A América é um grande país, capaz do melhor e do pior, a maior parte das vezes, do pior. Resolveu, ao longo de dois séculos, alguns dos seus problemas internos, como a discriminação racial e a escravatura. Mas há ainda uma matriz WASP (white anglo-saxon protestant) que prevalece e a força dos pregadores evangélicos que infectam o país com as suas prédicas. Será que os afros e os hispânicos que não foram contaminados pela cultura dominante (e muitos já o foram) conseguirão corrigir a trajectória? Na verdade, a escravatura legal foi substituída por uma nova forma de escravatura (do capital) e o fim da discriminação racial, apesar de um presidente semi-negro, é uma miragem.

Que Obama possa controlar alguns dos demónios que Bush soltou e já não será mau de todo. Mais do que isso, é pedir como o Calígula, de Camus, a Lua.

Felicidades, Presidente Obama!

domingo, 18 de janeiro de 2009

TRÉGUA EM GAZA

O governo israelita anunciou uma trégua unilateral na Faixa de Gaza e o HAMAS proclamou igualmente uma trégua, com a exigência da saída das forças judaicas no prazo de uma semana. Não sendo previsível que o exército israelita retire durante esse período, voltará tudo ao mesmo, ou pior.

Entretanto, dia 20, Barack Obama assumirá a presidência dos EUA, com Hillary Clinton como secretária de Estado. Que força poderá (ou quererá) a nova administração americana exercer sobre Israel para repor a paz e retomar o infinitamente adiado processo que conduzirá à criação do Estado Palestiniano? Aguardemos!

Há contudo uma questão que não foi posta ainda em cima da mesa, ou melhor, duas. Uma diz respeito (para além dos feridos e mutilados) aos mais de 1.200 mortos durante o ataque israelita e é irreparável; a outra refere-se aos danos materiais na Faixa de Gaza, cujas infraestruturas foram quase totalmente destruídas e que tinham sido pagas pela União Europeia. Vai ser necessário reconstruir serviços públicos e habitações para quase um milhão e meio de pessoas! Incluindo escolas onde se encontravam crianças e que alegadamente eram bases de rockets, como se as mães deixassem os filhos abrigar-se em sítios que seriam potenciais alvos. Toda esta história está muito mal contada pelo governo de Israel. Quem irá agora subsidiar os estragos do exército sionista? Sempre a União Europeia, a braços com uma crise económica profunda? Não será exigir demais aos europeus que continuem a pagar sistematicamente aquilo que Israel destrói? Exija-se então a Israel, cujo lobby internacional é financeiramente poderoso, que contribua decisivamente para a reconstrução.

O problema do Médio-Oriente (cuja criação se deve em grande parte aos ingleses) não tem, não terá nunca, uma solução militar. Encontrem-se, pois, os caminhos da paz. Durante séculos, os judeus viveram em paz no mundo árabe, então integrado no Império Otomano. Não são as diferenças de religião que afastam as pessoas e mesmo os fundamentalismos a que assistimos nos dias de hoje, nas três religiões monoteístas, se devem a causas políticas, económicas e sociais. Resolvam-se estas e o resto virá por acréscimo. Em 1991, Gilles Kepel publicou um interessante livro: La Revanche de Dieu - Chrétiens, juifs et musulmans à la reconquête du monde, de que existe uma tradução portuguesa. Leia-se e reflicta-se sobre ele. O que está em causa são problemas de opressão, de domínio, de humilhação, de miséria e de fome, de destruição da dignidade humana, de corrupção e de riqueza, de desprezo dos direitos fundamentais. E isto é válido para todos: o chamado mundo ocidental, Israel, o mundo árabe.

Então, haja vergonha (se possível) e procure-se não uma trégua efémera mas uma trégua a longo prazo que leve a Paz a uma zona outrora apelidada, em sentido lato, de Crescente Fértil e que desde há décadas é palco de intermináveis guerras.

sábado, 17 de janeiro de 2009

EM MEMÓRIA DO PAI

Dominique Fernandez, escritor francês laureado com os Prémios Médicis e Goncourt, autor de obras fundamentais da literatura francesa do século XX, acaba de publicar Ramon, um volume de 800 páginas sobre o seu pai. Esta obra, que é também um exorcizar dos fantasmas que acompanharam o autor desde a infância, relembra a vida e a obra de Ramon Fernandez (1894-1944), escritor, diplomata, membro da SFIO, próximo do Partido Comunista, co-fundador da União dos Escritores Revolucionários, íntimo de Proust (a quem dedicará um ensaio), amigo de Gide, Mauriac e Martin du Gard, militante activo de duas organizações antifascistas e que em 1937 adere ao PPF de Jacques Doriot, que se tornará o principal partido colaboracionista com a ocupação alemã.

Insondáveis os caminhos do destino e , como afirmou Ortega y Gasset, o homem nunca é só ele, mas sempre ele "e a sua circunstância". O que levou Ramon a inflectir o seu caminho desconhece-se, e jamais se saberá, mas a obra do filho lança alguma luz sobre o caso. Uma mãe possessiva que o impede a seguir Raymond Aron para Londres, o divórcio da mulher, a homossexualidade recalcada, a ilusão de um "nacional-socialismo à francesa", enfim.

A evocação do pai, já aflorada em obras anteriores de Dominique Fernandez, tornou-se em certo momento uma verdadeira obsessão e, quando eleito para a Academia Francesa em 2007, inicia assim o seu discurso de recepção sob a Cúpula: "Mesdames et Messieurs de l'Academie, je vous demande d'accueillir avec moi l'ombre de quelqu'un qui avait plus de titres à prendre ma place, et à qui je dois d'être celui que je suis: Ramon Fernandez, mon père. Il s'est fourvoyé en politique, et j'ai toujours condamné, publiquement, sa conduite pendant l'Occupation. Mais est-ce une raison pour oublier, occulter son oeuvre littéraire?" . E ainda esta semana, em entrevista a Jérôme Garcin, no Nouvel Observateur, D.F. afirmava: «Il y avait deux raisons à ma candidature: mon homosexualité, que je voulais voir affichée sous la Coupole. Et le nom de mon père, que je voulais entendre résonner, le jour de ma réception, à côté de celui de Richelieu. Vaincre à la fois l'homophobie et l'oubli».

Criticando a obra, no Magazine Littéraire deste mês, escreve Pierre Assouline: «Huit cents pages plus tard, Dominique Fernandez n'est pas seulement le fils du collabo, mais celui d'un homme pétri de contradictions, qui mit un point d'honneur à n'être pas antisémite et même honorer Proust et Bergson sous la botte allemande, et qui fut le plus éblouissant critique littéraire de sa génération. Le sentiment du gâchis n'en est que plus grand. Ce que c'est de se sentir dépositaire de la vie d'un autre quand cet autre vous a donné la vie.»

Leia-se, pois, Ramon, de Dominique Fernandez e também as obras de Ramon Fernandez que acabam de ser reeditadas: Messages e Proust. E Molière, que se seguirá.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

FAUSTO NUM LAR DE IDOSOS

A ópera Faust, de Gounod, presentemente em cena no Teatro Nacional de São Carlos, é um espectáculo penoso, devido à moderníssima encenação do alemão Christof Loy. Segundo o programa, este senhor é actualmente um dos mais conceituados encenadores germânicos, convidado regularmente para os principais teatros líricos europeus. Não conheço outras encenações suas, mas a ideia de colocar o sábio Fausto num lar da terceira idade, e todo o enquadramento anacrónico que tal opção motiva, resultou, em minha opinião, num desastre total.

Apresentar Fausto numa cadeira de rodas, da qual cai arrastando-se pelo chão, de mãos trémulas, a babar-se, no meio de outros pacientes que sofrem ataques (epilépticos?), com macas, enfermeiros e suportes para soro e ao mesmo tempo um Mefistófeles que surge mais ou menos vestido de diabo, cantando todos um texto totalmente desajustado da acção que decorre no palco, é não só um espectáculo deprimente como um insulto à inteligência dos espectadores.

Aceito que algumas óperas possam ser cenicamente transportadas para a actualidade e temos assistido já a encenações realmente criativas, mas nem todas as óperas se prestam a isso, nem se pode aceitar o diletantismo de um encenador que só para fazer moderno apresenta a primeira fantasia que lhe vem à cabeça. Neste caso, o velho sábio alquimista, que Goethe imortalizou, nada tem a ver com o velhote internado num lar. Aliás, as cenas do lar não só são confrangedoras como atentórias da dignidade daqueles que, pelas voltas da vida, acabam os seus dias em casas de repouso.

Faço, assim, votos para que a administração e o director artístico do S. Carlos, aliás compatriota do encenador, não voltem a contratar o senhor Loy para qualquer outra encenação em Portugal e que se abstenham de apresentar produções deste jaez, cujo custo, que todos pagamos, não deverá ter sido pequeno. O canto ficou-se pela mediania e o próprio protagonista, o russo Andrej Dunaev, poderia ter sobressaído noutro tipo de encenação; por isso, os aplausos, no dia em que assisti ao espectáculo, foram escassos, quando comparados com os de outros Faustos ouvidos naquela casa.

NOTA: Este blogue privilegia os assuntos relacionados com o Médio-Oriente e com a civilização árabo-islâmica, mas não se coíbe de abordar quaisquer outros temas que o seu autor julgue de interesse.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

O HOLOCAUSTO

Anunciam os jornais, as rádios, as televisões que os israelitas, continuando a sua destruição da Faixa de Gaza, bombardearam as instalações das Nações Unidas, a Cruz Vermelha e um hospital. Nada escapa à fúria sanguinária dos dirigentes judaicos. Se não for suspenso o massacre em curso, dentro de dias não ficará pedra sobre pedra. Para além dos milhares de feridos, os mortos ultrapassam já o milhar.

Ao longo dos anos, o Estado de Israel tem eliminado, em guerras ou assassinatos, um número incalculável de palestinianos. Mesmo antes da criação de Israel, em Maio de 1948, os judeus (ainda não-israelitas) massacraram, em 9 de Abril, a população da aldeia de Deir Yassin; já haviam feito actos semelhantes antes e voltaram a fazê-los depois.

Quantos palestinianos será necessário matar para que seja estabelecida uma paz duradoura? Seis milhões, que é o número consensual para os judeus vítimas das perseguições nazis? Estaríamos assim perante uma concorrência de vítimas com o fim de se obter um equilíbrio obsceno. Recuso-me a aceitar esta hipótese de contra-holocausto, que por demais repugna à consciência humana!

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

OS CASAMENTOS MISTOS

Afirmou o Patriarca de Lisboa, no Casino da Figueira da Foz, que as raparigas portuguesas se deveriam acautelar quanto ao casamento com rapazes muçulmanos. Começo por salientar que os locais públicos estão a ter frequências estranhas: os futebolistas reúnem-se na Ópera de Zurique, o Patriarca de Lisboa faz afirmações num casino, enfim.

Mas o mais importante são as afirmações de D. José Policarpo, quanto ao teor e à oportunidade. Para o que o Cardeal deveria alertar, em primeiro lugar, era para o perigo dos casamentos, quaisquer que fossem, se atendermos ao número sempre crescente de divórcios e de separações. Se uma rapariga portuguesa, católica ou ateia, se apaixonar por um jovem muçulmano, ela lá terá razões para isso, e tal não significa que vá sujeitar-se a uma submissão diferente de muitas outras que existem em Portugal. Depende, antes de mais, se fica a viver no nosso país ou se vai viver para o país do marido e, no segundo caso, ter-se-á já informado de algumas regras vigentes em alguns países islâmicos, cada vez menos, diga-se em boa verdade.

Os muçulmanos, especialmente os árabes, sempre tiveram artes de seduzir, reconheça-se isso, e não é por acaso que o turismo para o norte de África cresce de ano para ano, desde há décadas. Mas não se vislumbra a razão desta súbita inquietação do Patriarca. Para mais, encontramo-nos num período de guerra na Palestina, em que as opiniões se extremam, em Portugal e no Mundo,
e as declarações do eminentíssimo prelado só podem servir para agudizar tensões. Já se tinham verificado incidentes quando o Papa fez considerações menos simpáticas para Maomé, na alocução de Ratisbona. Será que D. José Policarpo pretende imitar Bento XVI? É que este viu-se na necessidade de se corrigir, pelo menos parcialmente, e até fez a seguir uma viagem à Turquia. Será que o Cardeal-Patriarca vai emendar a mão e propor-se viajar até um país muçulmano? O futuro o dirá!

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

A SITUAÇÃO EM GAZA

Continua o bombardeamento de Gaza pelas forças armadas israelitas. Há duas semanas que esta imensa prisão a céu aberto é fustigada por toneladas de bombas que já fizeram quase mil mortos e milhares de feridos. O ambiente é de destruição total, não há comida, os hospitais mal funcionam, a água e a electricidade não chegam, mesmo as escolas são atingidas com o pretexto de esconderem armas.
Creio que o Estado Judaico desta vez está a ir longe demais. Habituado a ignorar as resoluções das Nações Unidas, forte do apoio dos EUA, Israel julga que pode fazer tudo o que quer, como é sua tradição. Assim se tem expandido desde 1948 à custa do território que na Resolução 181 da ONU era atribuído à Palestina.
A sistemática evocação das perseguições nazis tem servido para justificar todas as arbitrariedades e para rotular de anti-semita quem criticar as suas acções.
Os protestos internacionais dos últimos anos foram ignorados e as opiniões públicas estrangeiras desprezadas. Julgo, porém, que o presente ataque, apresentado até à exaustão como decorrente da quebra de umas tréguas com o Hamas cuja responsabilidade verdadeira é de Israel, acarretará pesadas consequências para o invasor. É que a comunicação e a transmissão de imagens é hoje mais fácil e a indignação mundial mais expressiva.
Mesmo um judeu (francês) como Jean Daniel, director do "Nouvel Observateur", escreve no editorial da revista desta semana: "Cette banalisation de la sanction aveugle, au nom d'une conception de la responsabilité collective, me paraìt une honteuse régression. J'ai besoin de dire que la part juive qui est en moi, dont je n'ai pas coutume de faire état et qui reste fidèle à la mémoire des victimes de l'extermination, est bouleversée d'indignation et de révolte devant une telle régression."

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

A QUESTÃO DO ORIENTE

No momento em que a Faixa de Gaza continua sob o ataque das forças armadas israelitas, importa recordar como a Questão do Oriente, que se iniciou há 200 anos com a expedição de Bonaparte ao Egipto, permanece lamentavelmente por resolver. Ao iniciar este blogue, criado há cerca de dois anos, mas nunca publicado, proponho-me contribuir para o esclarecimento das questões do Médio Oriente e também difundir a história da civilização islâmica, a cultura do mundo islâmico e matérias afins, sem prejuízo de um olhar sobre Portugal e o resto do Mundo.